Correio braziliense, n. 19333, 01/05/2016. Política, p. 2

ENTREVISTA - MOREIRA FRANCO

Um dos principais articuladores do impeachment, para Moreira Franco a principal aposta de Temer será a escolha do titular da Fazenda
Por: Luiz Carlos Azedo

 

"Ministro será ministro"

 

Luiz Carlos Azedo

 

Presidente da Fundação Ulysses Guimarães, o ex-governador Wellington Moreira Franco é um dos integrantes do chamado “núcleo duro” do governo que está sendo montado pelo vice-presidente Michel Temer para assumir o poder tão logo a presidente Dilma Rousseff seja afastada do cargo pelo Senado, por um período de até 180 dias, até que o impeachment seja julgado. Nessa entrevista ao Correio, Moreira evita falar em nomes para compor o novo ministério, mas deixa claro que a maior estrela da equipe será o futuro ministro da Fazenda, cargo para o qual o mais cotado é o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles. “Existem vários nomes, que a imprensa fala, mas o nome do Meirelles tem todas as condições técnicas, políticas e pessoais para ser um grande ministro da Fazenda.” Para ele, a principal tarefa do governo Temer será enfrentar a crise econômica, daí a importância da escolha da equipe da área: “O desemprego aumenta, o salário diminui, as pessoas estão vivendo muita dificuldade. Eu não tenho a menor dúvida de dizer que a principal carga, a grande responsabilidade do próximo governo é a mesma do atual, é o ministro da Fazenda, que a ele caberá definir o rumo, o caminho que será seguido.” Moreira é responsável pela elaboração do documento “Uma Ponte para o Futuro”, um esboço de programa de governo, que é muito criticado por setores sindicais e políticos de esquerda, inclusive de oposição. Ele classifica essas críticas como “baboseiras”. Ministro da Aviação Civil do governo Dilma no primeiro mandato, foi descartado pela presidente da República na montagem do segundo governo. Desde então, movimentou-se intensamente para que o PMDB aderisse ao impeachment, juntamente com o também ex-ministro Eliseu Padilha, que o substituiu no mesmo cargo. Os dois passaram a contar com a adesão do senador Romero Jucá (RR), que foi líder do governo Lula e assumiu interinamente a presidência do PMDB. Os três compõem o estado-maior do vice Michel Temer, juntamente com o ex-deputado Gederal Vieira Lima. Moreira é cotado para ocupar uma secretaria especial que será encarregada de viabilizar o programa de concessões e parcerias público-privadas para atrair investimentos e reaquecer a economia.

 

Como está a montagem do governo Michel Temer?

O presidente Michel Temer é muito discreto. Pessoalmente, sua militância política se pauta sempre pelo recato, pela discrição e pelo cuidado institucional. Foi assim que se deu nas três vezes em que foi presidente da Câmara e é assim agora. As conversas que ele tem tido, que eu ouvi de muita gente, são de quem está preocupado com o país, mas não se antecipa além do que lhe mandam as regras institucionais. Seria sempre uma situação constrangedora para ele e para o interlocutor dele, se ele avançasse em montagem de governo.

 

O que é fundamental para se ter um governo de transição capaz de garantir o calendário eleitoral?

Eleições em 2018 vai se ter, em 2016 vai se ter, isso aí não tem nada a ver com governo bom ou ruim. O que tem a ver com governo bom ou governo ruim é o resultado eleitoral. Governo pode perder ou ganhar eleição, mas agora as regras, a instabilidade institucional, as regras gerais, elas serão mantidas e preservadas. Temos uma estabilidade institucional muito grande e sólida, e serão tratados de acordo com a lei.

 

Quais seriam as tarefas deste governo?

O eventual impedimento da presidente não vai significar apagar o grande problema que o Brasil vive. O primeiro problema do Brasil é a economia, o segundo é a economia e o terceiro também é a economia. Esse desastre econômico tem nos colocado nessa situação que vivemos e estamos numa situação muito ruim. O desemprego aumenta, o salário diminui, as pessoas estão vivendo muita dificuldade. Eu não tenho a menor dúvida de dizer que a principal carga, a grande responsabilidade do próximo governo é a mesma do atual, é o ministro da Fazenda, que a ele caberá definir o rumo, o caminho que será seguido, para que nós possamos, em primeiro lugar, estabelecer o equilíbrio fiscal, porque sem equilíbrio fiscal não terá crescimento, sem crescimento não terá emprego, sem emprego não tem renda. E a população e o país vão sofrer muito. Daí a importância da escolha do ministro da Fazenda, porque o que veio até agora não foi capaz e a grande deficiência deste governo é a falta de rumo nessa área.

 

A questão da economia depende muito do nome a ser escolhido, fala-se muito do Henrique Meirelles.

Existem vários nomes, que a imprensa fala, mas o nome do Meirelles tem todas as condições técnicas, políticas e pessoais para ser um grande ministro da Fazenda.

 

A ideia é blindar a economia?

Quando o ministro for escolhido, ele vai dizer qual é a ideia. Nós fizemos lá na Fundação uma série de estudos, ouvimos muitas pessoas para que nós pudéssemos com muita segurança voltar a praticar os fundamentos macroeconômicos que nos deram grandes resultados, que são: estabilidade fiscal, superavit primário, inflação controlada, controle dos gastos, política de câmbio correta, segurança jurídica. Ou seja, princípios contidos na Carta aos Brasileiros adotados por Lula, que nos permitiram um período de grande inserção de milhões de brasileiros no mercado de consumo, e também na época do Plano Real, que nos permitiu controlar a hiperinflação. Então, com esses princípios, não há dúvida, nós temos compromisso. Agora, o detalhamento você terá quando você tiver a oportunidade. Se o Michel Temer for presidente da República e escolher o ministro da Fazenda, você terá a oportunidade de ouvi-lo, porque são responsabilidade e atribuição dele. E no governo do presidente Temer, se vier acontecer, ministro será ministro, secretário-executivo será secretário-executivo, responsáveis por áreas serão responsáveis por áreas, e não essa desorganização hierárquica e de autoridade que nós vimos nos últimos anos no Brasil.

 

O PT afirma que um ajuste inspirado no plano de vocês implicaria em grandes sacrifícios para a população mais pobre.

Isso é baboseira. Baboseira porque eles aplicaram esses mesmos fundamentos quando o presidente Lula assinou a Carta aos Brasileiros, ganhou a eleição e fez um primeiro mandato baseado em parte e o segundo mandato muito comprometido com esses princípios e a consequência foi ampliar em 40 milhões o número de brasileiros que tiveram conquistas, sobretudo os jovens, as mulheres e os negros. O que mostra que, em vez de ajudar a população quando eles dizem isso, eles estão é criando pânico, querendo justificar o grande erro que cometeram, que foi abandonar exatamente esses princípios que deram os resultados que nós obtivemos na economia. Este governo foi leniente com a inflação, leniente com o gasto público, com a pedalada fiscal e quis pagar empréstimos com mais empréstimos, aumentou a dívida pública. Nós estamos com a taxa de juros mais alta do mundo e é o que vai rapidamente nos levar a ter uma divida que alcança 100% do PIB. Todo este caos econômico foi provocado exatamente porque eles abandonaram o princípio que estavam contidos na carta, e que foram praticados no governo do presidente Lula.

 

A presidente Dilma prepara um pacote de bondades para este 1º de Maio.

Com relação a essas mudanças, particularmente no Bolsa Família, é uma pena que ela só olhe para um direito dos brasileiros que precisam, o Bolsa Família, como vingança. Se for feito isso no 1º de Maio, nada mais é do que vingança. Porque o último reajuste foi em junho de 2014, às vésperas das eleições. E o reajuste daquela época não levou em conta a inflação. Vocês que acompanharam o crescimento da inflação daquele período até agora, devem avaliar o sofrimento que os brasileiros que recebem o Bolsa-Família têm passado no governo atual. Porque desde 2014 não há reajuste e está em R$ 77. Isso não é bondade, isso não é compromisso social, isso é vingança. É querer tratar coisa pública de maneira irresponsável.

 

O desemprego, a inflação, isso é possível de reversão?

É possível, e a fórmula é muito simples. Vai ter que ter a política de equilíbrio fiscal que não pode prescindir de duas coisas. Um ambiente que permita estimular o crescimento econômico para gerar emprego e renda e a necessidade de manter os programas sociais que garantem acesso a milhões de brasileiro a padrões essências básico de vida. E isso é possível, é só não percorrer a fórmula tradicional de querer resolver o problema do deficit público, dos gastos públicos com aumento de impostos, porque ele nem sempre gera aumento de arrecadação. E normalmente diminui investimento. O que significa diminuir emprego.

 

Tem se falado muito em se fazer um ajuste que atenda às necessidades da base política do futuro governo, tanto da oposição quanto dos setores que aderiram ao impeachment às vésperas da votação da Câmara.

O ambiente vai mudar. Porque quando se fala em equilíbrio fiscal, não é para atender à base política, é para atender ao país. Os tempos mudaram. Nós temos compromisso com o país, as ruas têm demonstrado que estão atentas e acompanhando. Nós estamos vivendo um momento em que a meditação, a reflexão política e, consequentemente, o cuidado do brasileiro com o desenrolar da política, a corrupção, o fisiologismo, o patrimonialismo está sendo esquadrinhado pelo cidadão brasileiro. E isso permite que o governo tenha a cobertura e a compreensão necessárias para dizer que o ajuste e a busca do equilíbrio econômico são para atender ao país. Em primeiro lugar, está o país, e não o interesse de partidos e grupos. Agora o segundo ponto, este ambiente que se vê nas ruas, ele repercute como uma injeção na veia do Congresso Nacional. A postura não será a mesma. O próprio parlamento vai se colocar com uma disposição diferente. O governo que está sendo vítima do impedimento praticou uma coisa inédita na vida política brasileira, que foi de ir a público para dizer que agora entraria na fase da negociação, cargo a cargo, deputado a deputado, para conquistar o voto dele. Isso não foi feito com recato, não. Foi feito à luz do dia e esse não é o ambiente que vai prevalecer daqui para frente. Eu tenho certeza que esta questão foi resolvida.

 

Como está a negociação com os partidos?

Se você for rigoroso e cuidadoso com relação ao principal problema do governo brasileiro, da sociedade brasileira, que é a economia, a primeira estrela vai ser o presidente da República, o que natural no regime presidencialista. E na equipe do presidente da República, a figura mais importante, inevitavelmente, será o ministro da Fazenda, que tem a responsabilidade de conduzir o principal problema que é a economia. Este é um ponto. Um segundo ponto, você pressupõe que está havendo dificuldade onde não existe, até porque não ocorre ainda nenhuma iniciativa de convite de pessoas para compor o governo. É uma especulação.

 

Há políticos de expressão que estão citados na Operação Lava-jato, inclusive o Romero Jucá, que é um dos integrantes do estado-maior do Temer. Como vai ser lidar com essa variável que ninguém controla?

Olha, essa variável ninguém controla e nem vai controlar. Porque a nossa Constituição cidadã garante e define as atribuições do Ministério Público, da Polícia Federal e do Poder Judiciário. O Poder Judiciário tem bem definidas as atribuições da primeira instância e das instâncias superiores; essas instituições serão prestigiadas. Então, não há nenhuma hipótese de haver qualquer atitude que seja obstáculo à continuidade das investigações. O que é fundamental e está sendo respeitado é o direito de defesa. A investigação é natural, está na agenda pública, principalmente depois do escândalo da Petrobras, que foi um dos maiores do Brasil, e sem exagero, do mundo. Essas investigações continuarão e as pessoas terão o direito de se defender.

 

Algumas questões têm a ver com mudanças estruturantes e de difícil aprovação no Congresso, como, por exemplo, as mudanças no regime de partilha da Petrobras, a questão da Previdência, a participação estrangeira em alguns setores da economia.

O Congresso brasileiro já está lidando com isso. Por exemplo, na questão da Petrobras, o Senado já aprovou mudanças na Lei de partilha e as mudanças que foram feitas atendem perfeitamente o setor. Com relação ao capital estrangeiro, o único setor da economia brasileira em que é proibido a participação de capital estrangeiro é o setor hospitalar; em todos os outros setores não há proibição. Você tem definições de percentuais, como nas companhias aéreas. No caso da maior empresa que o Brasil tem, que é a Embraer, ali foi feito um acordo de acionistas, houve uma separação entre investidores e gestores e foi garantido ao governo uma ação especial que lhe permite um acordo de acionista.

 

Essa agenda não enfrenta resistências?

Essa questão já está sendo debatida. O problema da Previdência é uma questão que já vem sendo debatida desde o final do século passado e vários projetos já foram debatidos e votados. A democracia é maioria, e para se formar a maioria você têm que fazer política, você tem que debater e aceitar as coisas. Um o compromisso que nós assumimos e que consta na proposta do PMDB é que é necessário que o governo do Brasil perca o seu caráter imperial, nenhuma mudança pode surpreender o cidadão, seja pessoa física ou a jurídica. As pessoas e as instituições têm que aceitar a mudança, qualquer política pública não pode ser feita de supetão, como gostavam de fazer. Tudo isso por quê? Porque há um entendimento nosso, do PMDB, que fomos criados no debate, na política e na construção da maioria, que somos responsáveis pela democracia no Brasil, de que está na hora de romper com esse caráter imperial que se deu até então no presidencialismo brasileiro.

 

Um dos protagonistas do impeachment foi Eduardo Cunha, que é um símbolo das coisas que devem ser mudadas na política brasileira. Qual vai ser o papel  dele daqui para frente?

Ele é o presidente da Câmara eleito pelos deputados. Ele tem um processo no Supremo Tribunal Federal e esse processo está sendo julgado de acordo com os ritos processuais, ele está sendo investigado pela Polícia Federal, ele tem inquéritos que estão sendo instituídos no Supremo, como manda a constituição brasileira. Da mesma forma que tem regras para a eleição, no regimento interno, tem regras para se tirar o mandato dele. Então nós temos o Conselho de Ética, que é o local para essas regras de retirada, e essas instituições estão funcionando e continuarão a funcionar. O papel que ele vai cumprir é o papel que está na Constituição.

 

Há um certo questionamento com relação ao Michel Temer querer formar um governo de amigos e, quando falam isso, estão se referindo ao senhor, ao Padilha, ao próprio Jucá. Como o senhor vê isso?

Cada um tem a sua importância e são respeitadas. Eu coloco isso aí muito mais no campo da intriga do que no da verdade. É claro que todo governo tem seu núcleo, que são as pessoas mais próximas ao presidente. Eu tinha, como governador e prefeito que fui, pessoas mais próximas a mim e isso é natural.

 

Frases

“O primeiro problema do Brasil é a economia, o segundo é a economia e o terceiro também é a economia”

“Henrique Meirelles tem todas as condições técnicas, políticas e pessoais para ser um grande ministro da Fazenda”

“Quando se fala em equilíbrio fiscal, não é para atender a base política, é para atender ao país”