Correio braziliense, n. 19333, 01/05/2016. Economia, p. 8

DESEMPREGO ESTRAGA A FESTA DO TRABALHADOR

CONJUNTURA »Vítimas dos desarranjos da política econômica, mais de 11 milhões de brasileiros estão sem emprego neste 1º de Maio, e outros 3 milhões devem engrossar a estatística neste ano. Em meio à crise, reajustes salariais perdem para a inflação
Por: CELIA PERRONE

CELIA PERRONE

 

Não há muitos motivos para comemorar este Dia do Trabalho. Com a economia no período mais longo de recessão desde os anos 1930, o desemprego bate recorde a cada mês, a inflação continua alta, e o valor dos rendimentos está em queda. A deterioração é nítida: o número de pessoas à procura de emprego cresceu 79% nos últimos quatro anos. Eram 6,2 milhões em 2012, quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) passou a divulgar a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), um levantamento abrangente de indicadores econômicos e sociais em mais de 3 mil dos 5,5 mil municípios do país. Hoje, há 11,1 milhões de brasileiros sem trabalho.

O aumento da desocupação superou largamente o crescimento da População Economicamente Ativa (PEA), que, no mesmo período, foi de 21,5%, passando de 79 milhões para 90,6 milhões. Os dados mostram, portanto, que, além de não absorver os novos contingentes que chegam ao mercado, as empresas, sufocadas pela crise, estão dispensando quem já estava colocado. E a previsão é de que as oportunidades continuem se estreitando. O Produto Interno Bruto (PIB), que caiu 3,8% em 2015 por causa dos equívocos da política econômica do governo Dilma Rousseff, deverá ter retração de 4% neste ano. Com isso, segundo especialistas, mais três milhões de pessoas se juntarão ao exército de desempregados, que, até o fim do ano, deverá somar 12% da PEA.

“A taxa de desemprego é umbilicalmente ligada ao PIB. E o país parou de crescer. É uma tragédia no tempo”, define Simão Davi Silber, professor da Universidade de São Paulo (USP). “O PIB do Brasil é um dos que mais caem no mundo, então o resultado é necessariamente o aumento do desemprego”, completa o professor José Alberto Ramos, da Universidade de Brasília (UnB).

“Tivemos um retrocesso de três anos na população ocupada e na renda. É como se estivéssemos dando marcha a ré num mercado de trabalho que estava bastante azeitado. O ponto de virada foi em 2014, e a velocidade do estrago foi muito rápida. Só não está pior, porque havia um patamar elevado de pessoas com carteira assinada. Tanto o setor público quanto o privado foram afetados de maneira crítica”, observa Cimar Azeredo, coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE.

 

Barganha

Os especialistas concordam que o momento é um dos mais difíceis para o trabalhador. “O desemprego é horizontal, está ocorrendo em todos os setores, indistintamente”, avalia Carlos Henrique Corseuil, coordenador de Trabalho e Renda do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “Vivemos uma aceleração do desemprego muito rápida e, consequentemente, perda do poder de barganha do trabalhador. Quem negocia reajuste salarial consegue cada vez menos”, analisa.

De acordo com estudo da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), em março, quase dois terços (60,2%) das negociações coletivas resultaram em reajustes abaixo da inflação, que alcançou 11,1% nos últimos 12 meses, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Há um ano, a parcela de negociações com perdas era  de 21,7%. “É um momento muito ruim para quem vive de salário”, sintetiza Hélio Zylberstajn, coordenador do levantamento e professor da USP.

Roberto Piscitelli, professor da UnB, acrescenta que “muitos acordos, atualmente, reduzem salários com diminuição das jornadas de trabalho, mesmo que a empresa não participe do Programa de Proteção ao Emprego (PPE), que estabelece essas condições”. É o drama da vendedora Raimunda Alves Bezerra, de 57 anos. Ela trabalha em uma loja de bolsas que sofre prejuízo há três meses. “A dona está tentando segurar os funcionários e propôs diminuir salário e carga horária, mas não sei como vou viver. Nesta semana não saiu nenhuma bolsa. Já penso em vender qualquer coisa na rodoviária”, desespera-se.

Essa foi a saída encontrada pelo pedreiro Wilton de Oliveira Santos, de 27 anos. Ele trabalhava com carteira assinada, até a semana retrasada, quando foi dispensado. Com o casamento marcado para o mês que vem, Wilton passou a vender biscoitos na rodoviária do Plano Piloto. Fica lá do meio-dia às 18h e já pensa também em vender salgados pela manhã, em Planaltina, onde mora. “Não posso perder tempo. Enquanto estiver com o nariz fora da água, tenho que aproveitar qualquer oportunidade”, diz.

 

Disputa acirrada

O ex-diretor do Departamento de Emprego do Ministério do Trabalho, Rodolfo Peres Torelly, salienta que, além de estreito, o mercado de trabalho se tornou mais seletivo. “Hoje, muitos empregos de nível médio exigem bons conhecimentos de informática e domínio do inglês”, aponta. Com a escassez de vagas, a disputa se torna mais acirrada. “Tem muita gente de nível superior perdendo emprego e ocupando os cargos de nível médio”, disse ele.