Correio braziliense, n. 19340, 08/05/2016. Política, p. 2

As peças que faltam no xadrez de Temer

Com a perspectiva de assumir o Planalto na próxima quinta-feira, o vice-presidente tem encontrado dificuldades para fechar a equipe ministerial. Entre as pastas em aberto, estão Agricultura, Saúde e a Defesa. PSDB cobra nomeação de notáveis

Por: Paulo de Tarso Lyra

 

A menos de uma semana de assumir a presidência da República após o provável afastamento da presidente Dilma Rousseff, o vice-presidente Michel Temer ainda esbarra em insatisfações da futura base aliada para concluir a equação da reforma ministerial. Ao longo da semana que passou, ele teve que desistir de Raul Cutait para a Saúde por pressão do PP, ouviu do líder do PPS, Rubens Bueno (PR), o conselho de não nomear políticos investigados na Operação Lava-Jato e ainda foi criticado pelo Movimento Brasil Livre (MBL) porque não conseguirá reduzir o número de ministérios na Esplanada. Ontem, ainda viu o senador Blairo Maggi (PR-MT) anunciar pelas rede sociais que havia sido convidado pelo PP para assumir a pasta da Agricultura — e que aceitou o convite.

Ainda existe a expectativa frustrada pela indicação de um ministério de notáveis, levantada pelo próprio PSDB ao longo da semana. “O grande problema dessa onda moralista em voga no Brasil é que as pessoas capacitadas e notáveis não estão com disposição para deixar seus afazeres e assumir cargos no governo”, disse o diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antonio Augusto de Queiroz. “Os ministros nomeados sempre dão um recado para fora. Ou sinalizam para a sociedade por serem especialistas nas áreas que vão trabalhar ou são indicativo de apoio parlamentar por terem sido indicados por políticos”, completou Toninho.

 

Saúde

Esse dilema tem sido enfrentado pessoalmente por Temer, obrigado a se acomodar nas incongruências e desejos dos partidos. Exemplo disso foi o Ministério da Saúde, com a escolha de Raul Cutait, que teve de ser abandonada no mesmo dia. O nome mais provável agora é o do deputado Ricardo Barros (PP-PR). “Ele é ligado a qualquer governo, mas tem ótimo trânsito na oposição, pois a mulher, Cida Borghetti (Pros), é vice-governadora do tucano Beto Richa”, disse um integrante da bancada que pleiteia o cargo de ministro da Agricultura. A pasta, inclusive, poderá gerar outro problema. A cúpula partidária pretende filiar o senador Blairo Maggi (PMDB-MT) para o cargo. “Temer vai precisar de votos aqui. Foi a bancada da Câmara que virou os votos e iniciou a reação em direção ao impeachment”, completou o deputado Jeronimo Goergen (PP-RS).

Ciente do poder crescente da bancada evangélica na Câmara — os deputados do setor votaram de maneira coesa ao afastamento da presidente Dilma Rousseff —, Temer reservou duas pastas para o segmento. A primeira delas gerou reações acaloradas no meio científico: a indicação pelo PRB do ministro de Ciência e Tecnologia, Marcos Pereira, bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus e presidente nacional da legenda. Temer também deve escolher um representante do PSC para o Ministério da Previdência. A legenda é presidida pelo pastor Everaldo e tem como seus principais expoentes na Câmara os deputados Marco Feliciano (SP) e Jair Bolsonaro (RJ). O primeiro nome cogitado para a pasta era do ex-deputado Roberto Brant, mas o núcleo político do governo considerou uma entrevista dada por ele ao jornal O Globo como desastrosa.

O equilíbrio político buscado por Temer é tênue. O PSD de Gilberto Kassab ocupa, desde a posse da presidente Dilma Rousseff, o Ministério das Cidades, uma das pastas com o orçamento mais robusto e responsável pelas obras do Minha Casa Minha Vida. “Todos concordam que o PSD e o Kassab continuem no governo. Mas não em Cidades. Foi deslocado para Comunicações. Se isso acontecer, a bancada do PSD ficará independente e analisará os projetos encaminhados por Temer ao Congresso, caso a caso”, disse um cacique pessedista.

 

Frase

“O grande problema dessa onda moralista em voga no Brasil é que as pessoas capacitadas e notáveis não estão com disposição para deixar seus afazeres e assumir cargos no governo”

Antonio Augusto de Queiroz, diretor de documentação do Diap

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Comando mantido

 

O vice-presidente Michel Temer ainda não definiu quem assumirá o Ministério da Defesa. O ex-ministro Nelson Jobim foi sondado pessoalmente pelo futuro chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha. Jobim riu, disse que estava muito bem na iniciativa privada, advogando e indicou o deputado Raul Jungmann (PPS-PE). O nome chegou a ser bem recebido entre os comandantes militares, mas a cúpula peemedebista resiste a dar uma outra pasta ao PPS, que já terá o presidente nacional da legenda, deputado Roberto Freire (SP), no Ministério da Cultura.

Temer decidiu, contudo, manter intacto os comandantes das três Forças Armadas: o almirante-de-esquadra Eduardo Barcellar Leal Ferreira; o general-de-exército Eduardo Dias Costa Villas Bôas; e o tenente-brigadeiro do ar Nivaldo Luiz Rossato. Existe ainda a intenção de nomear o atual chefe do Estado-Maior do Exército, Sérgio Westphalen Etchegoyen, para o Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Existe, contudo, uma resistência ao general no núcleo duro do governo Temer.

A situação é tão complexa que até pontos que pareciam definidos passam, agora, a ser colocados em dúvida. O senador José Serra (PSDB-SP) foi um dos primeiros nomes confirmados na futura Esplanada, como ministro das Relações Exteriores. Só que Serra quer agregar a pasta à área de comércio exterior, hoje com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC).

O vice-presidente já tinha decidido atender os desejos de Serra e transferir a área de política industrial para o futuro ministro do Desenvolvimento, Planejamento e Gestão, Romero Jucá. Mas a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) vetaram a extinção do MDIC. Na sexta-feira, Temer convidou o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) para a pasta. “Se o Serra não tiver o comércio exterior, não aceitará o MRE”, disse o tucano. “Jucá não vai para uma pasta apenas para administrar folhas de pagamento do funcionalismo”, completou um peemedebista. Temer terá cinco dias para resolver o impasse.

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