Título: O automóvel na destruição do planeta
Autor: Carvalho, João Luís Homem de
Fonte: Correio Braziliense, 11/10/2011, Opinião, p. 15

Professor doutor do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares da UnB

A presença do automóvel está tão arraigada no nosso cotidiano, em nosso modelo de sociedade, que os que ousam questionar seu impacto nocivo sobre o planeta são prontamente acusados de viverem fora da realidade, de serem contrários ao progresso ou, como costumam dizer os que mais lucram com essa mercadoria, de se constituírem em "inimigos perigosos das liberdades individuais".

Campanhas publicitárias, apoiadas em linhas de crédito, na manipulação de apelos emocionais e no uso do princípio da obsolescência perceptiva condicionam a população, há décadas, a ver na aquisição do carro a senha de ingresso ao ter para ser.

O que a publicidade não nos mostra é que esse culto irracional ao transporte individual há muito está contribuindo para a destruição do planeta: pela emissão de grande quantidade de CO² (gás carbônico), pelo desperdício de recursos naturais, por ceifar a vida de milhões de pessoas e por subtrair imensa área de terra produtiva em função da exorbitante quantidade de automóveis.

Há no mundo aproximadamente 1,3 bilhão de automóveis. São produzidos 70 milhões por ano, 192 mil por dia e 133 por minuto. Só no Brasil, em um só dia de agosto passado, foram fabricados 21 mil carros.

O crescimento progressivo da produção automobilística tem grande impacto sobre o aumento das emissões de CO². Em escala mundial, os carros emitem aproximadamente 2 bilhões de toneladas/ano na atmosfera. Essas emissões saltarão para 5 a 7 bilhões de toneladas se os países emergentes atingirem as taxas proporcionais dos países ocidentais — 500 a 800 carros por mil habitantes.

Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o CO² é um dos grandes responsáveis pelas mudanças climáticas. Até 2100, em função dessas alterações, o aumento previsto da temperatura da Terra será entre 1,8ºC e 4ºC e as populações estarão mais vulneráveis a doenças e desnutrição. O nível dos oceanos irá se elevar entre 18 cm e 58 cm até 2100. Com isso, será engrossado o fluxo dos chamados "refugiados ambientais" e mais de um bilhão de pessoas ficará sem água potável.

Além desses números sobre os efeitos maléficos das emissões de CO² na atmosfera, existem outros igualmente alarmantes em relação às pessoas e ao meio ambiente. A Organização Mundial de Saúde (OMS) revela que acidentes automobilísticos matam 1,3 milhão de pessoas e 20 a 50 milhões são feridas por ano, o que representa uma média de 3.600 mortos e 55 mil a 137 mil feridos por dia. O mesmo número de mortes, segundo especialistas, é causado pela poluição associada à circulação dos automóveis.

O Departamento de Estado norte-americano mostra que o número total de mortos ligados ao terrorismo no planeta foi, em média, de 1.700, de 2001 a 2004, o que "justificou" o lançamento da "guerra ao terrorismo". Por 3.600 mortes por dia causadas por acidentes automobilísticos, nada se faz. Depois da Segunda Guerra Mundial, nenhuma guerra, nenhum ato de terrorismo, nenhuma catástrofe ecológica atingiu o nível do desastre humano provocado pelo automóvel no mundo.

Há quem diga que o carro nos leva aos lugares que queremos de maneira rápida. Circulando com uma média de 1,2 pessoa por veículo, nas grandes cidades do mundo a velocidade de deslocamento do automóvel a uma distância de 5 km é menor que a de uma bicicleta, que é de 16 km/h. E, acima dessa distância, o automóvel não supera os 25km/h.

Os espaços reservados para circulação dos automóveis são enormes e construídos a um pesado custo financeiro. Considerando as estradas e áreas de estacionamentos nos Estados Unidos, essa superfície equivale a 60% da do estado de São Paulo. A metade das cidades americanas está ocupada por estradas, garagens e estacionamentos, e o espaço para os carros é maior que para as moradias. O custo dos engarrafamentos nos Estados Unidos, em 85 zonas urbanas, foi de US$ 63 bilhões. O combustível desperdiçado em 2003 atingiu 8,7 bilhões de litros.

Todos esses dados evidenciam a irracionalidade humana ao incentivar, cada vez mais, a utilização massiva do automóvel individual em detrimento da de um transporte coletivo de qualidade e da preservação da vida no planeta.

É urgente nos conscientizarmos de que a produção desse tipo de transporte tem que decrescer. Não devemos permitir que o automóvel contribua ainda mais com a destruição de nosso planeta. Será, no mínimo, grave insensatez.