Correio braziliense, n. 19345, 13/05/2016. Política, p. 8

Novos rumos com Serra

O lema do governo Temer, na política externa, é trocar a "ideologia" pelo pragmatismo comercial. Senador do PSDB paulista é o primeiro titular da pasta que não pertence aos quadros do Itamaraty desde a gestão de Celso Lafer

Por: Gabriela Walker

 

É com expectativa cautelosa que a chegada de José Serra é aguardada no Itamaraty e entre os observadores da política externa brasileira, que deve passar nos próximos meses por substantiva revisão, após 13 anos em que Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff imprimiram uma orientação baseada na integração latino-americana, na aproximação sul-sul e na construção de uma ordem global multipolar — em particular, com o bloco Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). No governo Temer, o lema passa a ser “desideologizar” a ação diplomática e priorizar os acordos comerciais, como indicou o tom da intervenção da oposição no Congresso, nos últimos anos.

“Haverá mudanças na política externa em relação ao modelo que tivemos nos últimos anos, sobretudo em comparação ao governo Lula”, disse ao Correio o sociólogo Wagner Iglecias, professor de gestão de políticas públicas e pós-graduação em América Latina da Universidade de São Paulo (USP). “Acredito que a prioridade da gestão Serra será o aprofundamento das relações com os Estados Unidos e a União Europeia (UE). Pode ser que venha aí um acordo de livre comércio com a UE e um alinhamento maior com a política externa dos EUA, além de um esfriamento das relações com a América do Sul, com a África e com o Brics.”

Serra é o primeiro titular do Ministério das Relações Exteriores (MRE) que não é diplomata de carreira desde Celso Lafer, chanceler entre 2001 e 2003, no segundo governo de Fernando Henrique Cardoso — que, por sua vez, ocupou o cargo nos primeiros meses de mandato de Itamar Franco, entre 1992 e 1993. “José Serra tem grande conhecimento dos assuntos da pasta, sobretudo agora, que ela vai se alinhar ao comércio exterior, avalia o embaixador Marcos de Azambuja, ex-secretário-geral do Itamaraty e atualmente conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). “Acredito que o ministério está em boas mãos e que a tradição de profissionalismo e competência será preservada”, aposta, depois de elogiar a gestão do atual titular, Mauro Vieira.

No terreno escolhido como prioritário para o novo governo, o primeiro teste será a difícil negociação de um acordo comercial entre o Mercosul e a UE. Os dois blocos formalizaram nesta semana a troca de ofertas de isenção tarifária e entram agora na difícil etapa de buscar um consenso para a conclusão do processo. “A necessidade de anuência de todos os países-membros do Mercosul para fazer um acordo comercial com outro bloco vem sendo questionada por setores da Argentina e do Brasil. Esses setores chegaram ao poder na Argentina, com Mauricio Macri”, e chegam agora no Brasil, com Temer e Serra”, observa o professor da USP.

“O Mercosul foi útil em muitas coisas não comerciais, reforçou as democracias, reforçou o convívio entre os vizinhos, mas, em relação ao livre comércio e à formação da união aduaneira, ficou muito aquém do que se pretendia”, reforça Marcos de Azambuja. “O bloco precisa ser redesenhado. Hoje, o dinamismo econômico na América do Sul está mais na costa do Pacífico do que na do Atlântico.” (Colaborou Silvio Queiroz)

 

Incidente em portunhol

A Argentina protagonizou o primeiro reconhecimento internacional e o primeiro mal-entendido da presidência de Michel Temer. Uma nota da chancelaria afirma que o governo de Mauricio Macri “respeita o processo constitucional que está em curso” e reitera a confiança na “solidez da democracia brasileira”. Mais cedo, quando atendeu a um telefonema de Buenos Aires, Temer conversou com o jornalista Jorge García, da rádio El Mundo, aparentando acreditar que se tratava de Macri. “Como está, presidente? (…) Muito obrigado, quero visitá-lo na Argentina”, disse, ao vivo. No transcurso da entrevista, García procurou desfazer o engano. A direção da emissora desmentiu que tenha se tratado de um trote, ao contrário do que circulou pelas redes sociais.

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