Correio braziliense, n. 19345, 13/05/2016. Política, p. 10

Reforma com direitos mantidos

Michel Temer vai propor mudanças nos sistemas previdenciário e tributário e na lei trabalhista, mas assegura respeitar garantias daqueles que já estão no mercado de trabalho. Presidente quer desvincular Orçamento para ter maior liberdade para gastar

Por: Paulo Silva Pinto e Antonio Temóteo

 

Ciente da desconfiança que provoca na população, Michel Temer tomou posse ontem como presidente em exercício tentando transmitir tranquilidade a um tema que tira o sono de muita gente: as reformas trabalhistas e da Previdência Social. Ao mesmo tempo em que ressaltou a importância de se construir um sistema de aposentadoria sólido e de se estimular a criação de empregos por meio de regras mais flexíveis, ele assegurou que, quaisquer que sejam as mudanças aprovadas, os direitos adquiridos serão preservados. Quer dizer: as alterações só passarão a valer para aqueles que entrarem no mercado de trabalho depois de as reformas serem promulgadas. “Nenhuma dessas reformas alterará os direitos adquiridos pelos cidadãos brasileiros”, destacou.

Apesar das garantias dadas pelo sucessor de Dilma Rousseff, que foi afastada do poder pelo Senado, será preciso muito mais do que desejo para levar adiante as reformas, que devem incluir ainda mudanças no sistema de impostos. Antes de cair, a petista tentou encaminhar ao Congresso propostas que fixavam a idade mínima para aposentadoria em 65 anos, para homens e mulheres, e estabeleciam regras únicas para os trabalhadores da iniciativa privada e os servidores, mas acabou recuando diante da forte reação negativa das centrais sindicais, que prometem não dar trégua a Temer.

O peemedebista não escondeu, no primeiro discurso como presidente, que está disposto a enfrentar os desafios. Também explicitou a ambição de se manter no Palácio do Planalto além do período de julgamento do impeachment de Dilma, que pode durar até 180 dias. Temer ressaltou, porém, que, a despeito de serem prioritárias, as reformas não serão formatadas rapidamente. “As reformas fundamentais serão fruto de um desdobramento ao longo do tempo”, disse. E acrescentou: “As modificações que queremos fazer têm como objetivo — e só se esse objetivo for cumprido é que elas serão levadas adiante — o pagamento das aposentadorias e a geração de emprego. Têm como garantia a busca da sustentabilidade para assegurar o futuro”. A Previdência é hoje a maior fonte de aumento dos gastos públicos, que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, terá de controlar.

Novo ministro do Planejamento, Romero Jucá ressaltou que a reforma do sistema previdenciário é indispensável para que os pagamentos a beneficiários não sejam interrompidos. “Sem isso, o Brasil terá o mesmo problema da Grécia, onde as aposentadorias tiveram de ser reduzidas em 35%”, alertou. Além da complexidade técnica da construção das reformas, o presidente em exercício ressaltou que será necessário também um grande esforço político para aprová-las. “Essa agenda é complicada, não é fácil. Ela será balizada, de um lado, pelo diálogo e, de outro, pela conjugação de esforços, ou seja, quando editarmos uma norma referente a essas matérias, será pela compreensão da sociedade brasileira. E para isso é que nós queremos uma base parlamentar sólida, que nos permita conversar com a classe política e também com a sociedade”, disse.

 

Ambição

Temer destacou também que, nessa construção, vai buscar ouvir tanto o mundo político quanto o conjunto dos brasileiros de forma mais ampla. “O diálogo é o primeiro passo para enfrentarmos os desafios para avançar e garantir a retomada do crescimento. Ninguém, absolutamente ninguém, individualmente, tem as melhores receitas para as reformas que precisamos realizar. Mas nós, governo, parlamento e sociedade, juntos, vamos encontrá-las.”.

Quanto à mudança do sistema tributário, há comedimento. Na avaliação de especialistas, o tema não avançou até agora porque a ambição sempre foi grande. O que se pretende fazer, segundo Romero Jucá, é a unificação das alíquotas do Impostos sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

O governo também busca a aprovação da desvinculação de receitas da União (DRU), que dará liberdade de alocação de 30% dos recursos atualmente engessados. Hoje, apenas 10% das receitas podem ser direcionadas para qualquer rubrica, o que praticamente inviabiliza a administração. Dilma tentou a renovação da DRU, mas não conseguiu demonstrar força política nos últimos dois anos para isso. As maiores vinculações estão na saúde e na educação.

 

Setúbal vê esperanças renovadas

O discurso de Temer foi bem recebido entre empresários e banqueiros. “O Brasil inicia um novo capítulo de sua história, sob a presidência interina de Michel Temer, renovando as esperanças em um país mais justo e com maior crescimento econômico”, disse o presidente do Itaú Unibanco, Roberto Setúbal. Ele reconheceu que essa nova etapa não será fácil, mas destacou que vai “procurar contribuir para a solução dos problemas que nossa economia atravessa”. A Associação Brasileira das Entidades do Mercado Financeiro e de Capitais (Anbima) afirmou receber com otimismo a disposição dos novos governantes de unir esforços de toda a sociedade brasileira para enfrentar um dos mais complexos desafios de nossa história recente.

 

Para anotar

Veja o que o presidente em exercício está prometendo

» Reformas da Previdência e trabalhista, mas mantendo direitos adquiridos para aqueles que estão no mercado de trabalho.

» Fixar idade mínima para a aposentadoria, provavelmente em 65 anos tanto para homens quanto para mulheres. A meta é conter o rombo crescente da Previdência.

» Simplificar o sistema tributário, de forma a tornar a vida dos contribuintes mais fácil.

» Cortar gastos para conter o rombo das contas públicas e evitar a explosão do endividamento do país.

» Aumentar a flexibilidade do Orçamento federal. Hoje, 90% das receitas são carimbadas, dificultando a administração da máquina pública.

» Derrubar a inflação, melhorar o ambiente de negócios e estimular a criação de empregos.

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BC terá autonomia

 

A autonomia do Banco Central e o foro privilegiado garantido ao chefe da autoridade monetária serão mantidos mesmo com a perda do status de ministério da pasta, afirmou ontem o presidente em exercício, Michel Temer, num claro recado ao mercado financeiro. Durante o discurso de posse da sua equipe, ele afirmou que “serão mantidas todas as garantias que a direção do BC hoje desfruta para fortalecer sua atuação como condutora da política monetária e fiscal”.

Sem o status de ministério, a autoridade monetária volta a ser uma autarquia. Escolhido pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, para comandar o BC, o economista-chefe do Itaú Unibanco, Ilan Goldfajn, condicionou sua ida para o governo à manutenção do foro privilegiado. Meirelles negociou essa garantia diretamente com Temer e uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) será encaminhada ao Congresso Nacional.

A tendência é de que o nome de Goldfajn seja encaminhado ao Senado Federal na próxima semana. Ele será sabatinado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Se aprovado, seu nome será encaminhado ao plenário da Casa. Alguns auxiliares do presidente em exercício temem que a comandante do colegiado, senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), dificulte o processo. O ministro do Planejamento, Romero Jucá; o secretário de Governo, Geddel Vieira Lima; e o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, já foram escalados para articular a aprovação do indicado para comandar o BC.

 

Juros

Com a necessidade de sabatina de Goldfajn, o atual presidente do BC, Alexandre Tombini, comandará a próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que ocorrerá em 7 e 8 de junho. A tendência é de que a taxa básica de juros (Selic) permaneça inalterada em 14,25% ao ano, sobretudo pelo fato de a inflação continuar em patamares elevados, acima de 9%. Com isso, o processo de queda de juros deverá ser conduzido no segundo semestre pelo novo chefe da autoridade monetária — isso, é claro, se a carestia der trégua. (AT e PSP)

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Emprego e corte de gastos estão no radar

Por: RODOLFO COSTA

 

Emprego, equilíbrio das contas públicas e combate à inflação são objetivos indissociáveis para a recuperação do poder de compra dos brasileiros e do crescimento da economia, disse ontem o presidente em exercício Michel Temer. “O Brasil, meus amigos, vive hoje sua pior crise econômica. São 11 milhões de desempregados, inflação de dois dígitos, deficit quase de R$ 100 bilhões, recessão e também situação caótica da saúde pública. Nosso maior desafio é estancar o processo de queda livre na atividade econômica, que tem levado ao aumento do desemprego e à perda do bem-estar da população”, frisou.

Temer procurou deixar clara a necessidade de remover os desequilíbrios que surgiram nos últimos anos. “É imprescindível, reconstruirmos os fundamentos da economia brasileira e melhorarmos significativamente o ambiente de negócios para o setor privado, de forma que ele possa retomar sua rotação natural de investir, de produzir e gerar emprego e renda”, afirmou. Para o presidente, para que o país saia do atoleiro, será necessário, de imediato, restaurar o equilíbrio das contas públicas, para conter o aumento do endividamento do setor público ao longo do tempo. “Quanto mais cedo formos capazes de reequilibrar as contas públicas, mais rápido conseguiremos retomar o crescimento”, disse.

O sucessor de Dilma não deixou dúvidas de que visa um modelo liberal de desenvolvimento, radicalmente diferente do receituário intervencionista da petista. “Sabemos que o Estado não pode tudo fazer. Depende da atuação dos setores produtivos: empregadores, de um lado, e trabalhadores, de outro. São esses dois polos que criarão a nossa prosperidade. Ao Estado compete cuidar da segurança, da saúde, da educação”, indicou.

 

Parcerias privadas

Além de ser uma opção ideológica clara do presidente em exercício, o modelo de maior participação privada será, na avaliação dele, a solução para destravar investimentos em meio às dificuldades fiscais que o país atravessa. O governo pretende estimular a criação de empregos por meio de obras que, diante da falta de recursos públicos, espera conseguir deslanchar por meio de concessões e parcerias públicos privadas (PPPs).

Para isso, criou ontem, por meio de medida provisória, o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). Terá um conselho, com participação de ministros, e uma secretaria executiva, a cargo do ex-ministro e ex-governador do Rio Wellington Moreira Franco. Segundo ele, as licitações não vão buscar fixar a lucratividade dos vencedores, diferentemente do que ocorria no governo de Dilma. “Taxa de retorno não é decidida pelo presidente da República ou ministros, mas pelo mercado”, disse.

A expectativa de analistas de mercado é que, com sinalizações rápidas e cirúrgicas nas políticas monetária e fiscal, o governo de transição consiga reanimar a confiança. Para o economista-sênior da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Fabio Bentes, será imprescindível reduzir a dívida pública e fazer um combate intransigente à inflação. “O importante é apontar a direção e puxar as expectativas para cima. Com juros e preços mais moderados, será possível que o governo sedimente alguma recuperação”, analisou.

O professor Haroldo Monteiro, coordenador da pós-graduação em gestão estratégica no varejo do Ibmec, vai na mesma linha. “À medida que as medidas econômicas forem sendo implementadas, a confiança volta paulatinamente. Isso faz com que os investidores comecem a ver cenário melhor e voltem a investir ao visualizar um novo cenário. E se os consumidores começarem a observar alguma melhora da economia e segurança no emprego, eles voltarão automaticamente a consumir mais.” Para o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), José Carlos Martins, as pessoas só voltarão a comprar imóveis se tiverem medo de perder o emprego. (PSP e AT)

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