Correio braziliense, n. 19342, 10/05/2016. Política, p. 2

Da trama à "brincadeira com a democracia"

Com a participação de Flávio Dino e José Eduardo Cardozo, o presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão, tenta abortar o processo de impeachment. Renan, no entanto, mantém a votação do afastamento de Dilma

Por: João Valadares, Paulo de Tarso Lyra, Julia Chaib e Naira Trindade

 

Presidente interino desde quinta-feira da semana passada, após afastamento de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o deputado Waldir Maranhão (PP-MA) surpreendeu o país, na manhã de ontem, ao acatar pedido da Advocacia-Geral da União (AGU) para anular a sessão da Câmara que remeteu ao Senado o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. A decisão polêmica começou a ser costurada na sexta-feira e o martelo foi batido após encontro, domingo à noite, entre o parlamentar, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), e o ministro-chefe da AGU, José Eduardo Cardozo.

A reação foi rápida. O Presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), considerado aliado da presidente, resolveu, no fim da tarde de ontem, ignorar a decisão e prosseguir com a tramitação de todo o processo que pode levar ao impedimento de Dilma. Ele classificou a determinação de Maranhão de “brincadeira com a democracia”.

Ao assumir o comando da Câmara, Maranhão disse nos bastidores que surpreenderia. Na sexta-feira da semana passada, um dia após chegar à presidência, emitiu um alerta claro em sua página oficial nas redes sociais. O parlamentar postou a foto de uma urna e a seguinte mensagem: “Na democracia, o governo é do povo, pelo povo e para o povo. Sou feliz por morar em um país democrático. E reafirmo minha busca para que cada escolha do povo brasileiro seja sempre respeitada”.

Logo que virou presidente, mesmo interino, iniciou uma série de conversas, especialmente com integrantes da base governista na Câmara. Coube a Flávio Dino e Cardozo formatarem o discurso para anular a sessão que aprovou o impeachment na Casa. Nos bastidores da Câmara, circulou a informação de que Dino havia assegurado a Maranhão que ele seria candidato a senador em 2018. A informação foi negada pelo governador. Para os petistas, a saída empastela ainda mais todo o processo. “Reforça a tese de que o novo governo é usurpador e golpista”, ressaltou o vice-líder do PT na Câmara, Paulo Teixeira (SP).

Maranhão passou o dia reunido com aliados e advogados. Só chegou à Câmara às 18h para um pronunciamento que durou três minutos. Ele ressaltou que era necessário “corrigir vícios que certamente poderão ser insanáveis no futuro” e que, “em momento algum”, está “brincando de fazer democracia”. Afirmou que a decisão teve também como base o regimento. “Tenho consciência do quanto este momento é delicado, momento em que nós temos o dever de salvarmos a democracia pelo debate. Não estamos nem estaremos em momento algum brincando de fazer democracia”, disse.

Em nota, Maranhão explicou o motivo da decisão. “Ocorreram vícios que tornaram nula de pleno direito a questão da sessão. Não poderiam os partidos políticos terem fechado questão ou firmado orientação para que os parlamentares votassem de um modo ou de outro, uma vez que no caso deveriam votar de acordo com as suas convicções pessoais e livremente”, atestou. Ele ressaltou também que “não poderiam os senhores parlamentares, antes da conclusão da votação, terem anunciado publicamente os votos, na medida em que isso caracteriza prejulgamento e clara ofensa ao amplo direito de defesa que está consagrado na Constituição. Do mesmo modo, não poderia a defesa da presidente da República ter deixado de falar por último no momento da votação, como acabou ocorrendo”.

 

Encontro

Cardozo confirmou que esteve com Maranhão, na sexta-feira e no domingo, novamente, em jantar na casa do deputado Sílvio Costa (PTdoB-PE). “Eu procurei o presidente da Câmara para questioná-lo sobre o recurso. Isso foi feito na última sexta. E disse a ele que, caso não houvesse decisão, eu pretendia judicializar a matéria. Eu poderia encaminhar à Corte Interamericana de Direitos Humanos. O presidente (Maranhão) se comprometeu a se debruçar sobre o assunto e estudar”, contou o ministro.

Segundo Cardozo, ao longo do fim de semana, Dino avisou a ele que havia conversado com Maranhão sobre a questão jurídica e disse que eles estariam no domingo em Brasília, onde tratariam sobre essa matéria. Cardozo justificou ter procurado Maranhão porque Cunha não havia decidido sobre o recurso, e negou ter interferido no processo ou ter ofertado cargos. Ele rechaçou ter influenciado Maranhão e disse exercer o “pleno direito de defesa”. O ministro ainda disse não haver anormalidade no encontro ocorrido ao longo de um jantar.

Em nota divulgada na tarde de ontem, Cunha classificou a decisão de Maranhão de “absurda, irresponsável, antirregimental e feita à revelia do corpo técnico da Casa”. Ele afirmou que “a participação do advogado-geral da União e do governador do Maranhão (Flávio Dino) na confecção da decisão mostra interferência indevida na tentativa desesperada de evitar a consumação, pelo Supremo Tribunal Federal, da instauração do processo de impeachment da Presidente da República”.

O Palácio do Planalto avaliou como “grave” a decisão de Renan Calheiros. Segundo interlocutores do Planalto, a Advocacia-Geral da União (AGU) vai recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que os senadores não analisem o processo amanhã. Os ministros próximos a presidente Dilma consideram que Renan não tem “autonomia” para dizer que a decisão de Maranhão está errada. A análise deles é que a postura do Renan só reforça que ele já está no grupo político do vice-presidente Michel Temer.

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