Correio braziliense, n. 19350, 18/05/2016. Política, p. 3

Puxão de orelhas nos ministros

Paulo de Tarso Lyra

Em cinco dias de governo provisório de Michel Temer, o Brasil percebeu que os ministros nomeados para a Esplanada não afinaram ainda o discurso com o comando central ou estão testando as ideias que podem se tornar viáveis e as que deverão ser abandonadas pelo caminho. Não chega a ser uma crise, mas a verborragia dos integrantes do primeiro escalão já gerou o primeiro puxão de orelha dado por Michel Temer: ministros não podem, em entrevistas, expressar opiniões pessoais como se elas fossem de governo.

Nos últimos dois dias, casos se tornaram emblemáticos. Na segunda-feira, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, defendeu a mudança nas regras de escolha do procurador-geral da República, alegando que a Constituição Federal não prevê a adoção da lista tríplice e, tampouco, que o nome mais votado pelo Ministério Público seja escolhido pelo presidente. Temer divulgou nota afirmando que manterá a regra exatamente como está. Moraes teve que se retratar.

Ontem, foi a vez do ministro da Saúde, Ricardo Barros, escorregar nas próprias palavras e ter que correr para corrigir o estrago. Ex-relator do Orçamento, Barros disse que não havia condições orçamentárias de assegurar a saúde universal e gratuita, como prevê a Constituição. Antes do meio-dia, desmentiu as próprias declarações e afirmou que, na verdade, tinha feito menção aos gastos com a Previdência.

“Isso é que dá querer chegar com muito gás. As pessoas acabam se atropelando nas próprias palavras”, disse um líder da base aliada, reconhecendo que o atual governo está com dificuldades de ajustar o discurso.  “Esse talvez seja um dos grandes problemas de governos que chegam ao poder sem terem sido eleitos. Se você está numa campanha, o discurso vai sendo testado e regulado, internamente e com a população. Os candidatos são eleitos com um programa de governo”, completou outro parlamentar, também alinhado com o Palácio do Planalto.

 

As ações

Dentro desse conjunto de medidas, nem todas provocaram recuos. O ministro do Desenvolvimento Social e Agrário, Osmar Terra, afirmou que pretende cortar pelo menos 10% dos beneficiários do Bolsa Família que, em tese, estariam irregulares. O ministro das Cidades, Bruno Araújo, anunciou ontem o cancelamento da construção de até 11,25 mil residências do programa Minha Casa Minha Vida.

A portaria garantindo a contratação para a construção das casas havia sido publicada pela  presidente afastada, Dilma Rousseff, em 11 de maio, véspera da votação do afastamento da petista no Senado, como uma forma de antecipar medidas de apoio popular e tentar, assim, impedir o impeachment. Ao contrário de Barros e Moraes, contudo, Terra e Bruno não tiveram que voltar atrás em suas intenções e sugestões.

Segundo interlocutores diretos de Temer, na primeira reunião ministerial, realizada na última sexta-feira, o próprio presidente já havia orientado seus ministros a não expressarem opiniões pessoais como se fossem decisões colegiadas. Tampouco emitissem opiniões públicas sobre assuntos que não estejam diretamente relacionados às pastas que comandam.

Após os episódios envolvendo Alexandre Moraes e Ricardo Barros, a orientação foi reforçada. Não diretamente pelo presidente. Mas o tom do aviso ficou um pouco mais incisivo. O Planalto sabe da importância de unificar o discurso de governo para sobreviver ao festival de críticas que virá das legendas de esquerda e dos movimentos sociais.

 

Cronograma do impeachment

 

O presidente da comissão especial do Senado que analisa o impeachment da presidente Dilma Rousseff, Raimundo Lira (PMDB-PB), comunicou ontem à tarde, após encontro com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, que o cronograma sobre as fases do procedimento será apresentado ao colegiado na próxima terça-feira. O relator do processo, senador Antônio Anastasia (PSDB-MG), também participou da reunião. O prazo legal para o julgamento de mérito após o afastamento da presidente é de até 180 dias. Nos bastidores, circula a informação de que pode ocorrer em 120 dias. “Não pode ser tão curto que prejudique a defesa da presidente nem tão longo que criaria dois problemas para o país. Primeiro, coincidiria com as eleições municipais e, segundo, criaria uma ansiedade por parte da sociedade brasileira”, explicou Lira.