Correio braziliense, n. 19343, 11/05/2016. Cidades, p. 21

Impeachment põe Brasília sob tensão

Nas BRs que cercam o DF, integrantes do MST fecharam vias. No centro da cidade, grade e interdição de ruas atrapalham o ir e vir do cidadão. Votações do processo contra Dilma Rousseff obrigam os moradores da capital a se adaptar à efervescência política

Por: Otávio Augusto

 

As articulações durante o andamento do impeachment sacudiram o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto, o Supremo Tribunal Federal (SFT) e, sobretudo, as ruas da capital. Durante os últimos meses, o brasiliense testemunhou a formação da comissão parlamentar que analisou a denúncia, a votação da matéria, a edificação de um muro na Esplanada dos Ministérios, as manifestações favoráveis e contrárias ao afastamento da presidente Dilma Rousseff e as manobras para romper ou acelerar o processo. O cotidiano da cidade é drasticamente pautado pela crise na República. Engarrafamentos, interdição de avenidas, alterações no transporte público, protestos, entre outras modificações, criam gargalos diários para o cidadão. Chegar ao trabalho fica mais complicado e os atrasos são inevitáveis.

A rotina começou a ser alterada ontem. Pelas ruas, é possível ver faixas pró e contra o impedimento nas vias S1 e N1. Era grande o volume de carros com bandeiras do Brasil e pessoas vestidas com camisetas de partidos políticos e nas cores verde e amarela. Grupos governistas e oposicionistas organizaram atos. Um homem estava lendo a Constituição Federal nas proximidades do Palácio Itamaraty. Um pequeno grupo de sindicalistas se reuniram entre os ministérios da Agricultura e do Planejamento. Enquanto isso, a grade no meio da avenida era finalizada.

A secretária Patrícia Viana, 34 anos, mudou a agenda desde ontem. Entre as prioridades, acordar 45 minutos antes do horário habitual para chegar pontualmente às 8h ao trabalho. A mulher sai de Ceilândia, distante 35km do Plano Piloto, para prestar serviço na Quadra 1 do Setor de Autarquias. “O dia inteiro fica mais complicado. Sair e chegar em casa é mais difícil. Se tem confronto é ainda pior”, reclama. O motorista de ônibus Douglas Silva, 28 anos, faz o trajeto que liga Ceilândia à Rodoviária do Plano Piloto e leva, em média, 40 minutos. Ele estima que hoje o percurso ficará mais longo. “Com certeza, vai demorar mais. E os passageiros, reclamando”, brinca.

A aglomeração na Esplanada, prevista para começar por volta das 14h, é oportunidade de lucro para vendedores ambulantes. Guilherme Araújo, 21, vende cerca de 30 sanduíches por dia. Ele estima que hoje o montante chegue a 100. “Fico com receio dos confrontos. As pessoas estão bastante nervosas”, conclui o morador de Sobradinho.

 

Movimentos

O grupo oposicionista Resistência Popular está acampado há pelo menos 50 dias no Parque da Cidade. Cerca de 15 pessoas de pelo menos três unidades da Federação estão no local. Dileta Corrêa Silva, 44, gerente do acampamento, garante que a manifestação de hoje será pacífica. O grupo não divulgou expectativa de público. “A maioria das pessoas se encontrará no local da manifestação para facilitar. Após a votação, vamos continuar acompanhado a situação. Não temos data para desmanchar o acampamento”, explica a líder.

A Central Única dos Trabalhadores (CUT) informou, em nota, que hoje e amanhã estará montado o Acampamento em Defesa de Democracia, no estacionamento do Ginásio Nilson Nelson. As delegações começaram a chegar na noite de ontem de, pelo menos, oito estados. “Reafirmamos a convocatória a todos aqueles que defendem a democracia, pois é nas ruas que impediremos o golpe”, ressalta o texto. Na manhã de ontem, cerca de 600 integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) bloquearam as BRs 020, 060 e 070. Na noite de ontem, por volta de 200 pessoas contra o impeachment e 70 pró estiveram em frente ao Palácio do Planalto para se manifestar.

Nas proximidades do Memorial dos Povos Indígenas, cerca de 350 índios de tribos de 11 estados estão acampados no local. Há faixas com frases de apoio à presidente Dilma e contra o impedimento da chefe de Estado. “Luta pelos direitos indígenas e por um Brasil mais justo”, diz uma delas.

 

Cara a cara

Sou contra o impeachment porque sou um socialista democrata e defendo o Estado de direito e os valores instituídos pela Constituição. Não acredito que o processo foi conduzido de forma legal. Houve mais motivação política que apuração da denúncia. As acusações não foram apuradas. O parlamento brasileiro não tem moral para afastar a presidente. Sobretudo como o impeachment foi tocado. Todo esse processo está contaminado e fragilizando a nação. Já sabemos o resultado que sairá do Senado, mas isso não pode ser um ponto final. Temos que estar atento ao que está ocorrendo com o país e pelo que está por vir.

Felisberto de Moraes, 72 anos, advogado e economista

 

Sou a favor do impedimento da presidente porque ela e o partido dela não se preocuparam com a nação, mas sim com um projeto de poder. A situação está cada vez mais grave. As pessoas estão perdendo o emprego, as empresas fecham e não temos o que fazer. Não podemos acreditar que só tirando a Dilma as coisas vão mudar. Temos que monitorar como as coisas vão continuar. Estamos acampados há mais de um mês, num movimento pró-Brasil, e esperando que todo o cenário seja modificado. As pessoas querem a saída da presidente, tem apelo popular. Vamos acompanhar também o governo que virá.

Maciel Joaquim, 34 anos, artista plástico

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Alerta para a segurança

Por: BRUNO LIMA

 

Cerca de 1,5 mil policiais militares vão fazer a segurança na Esplanada dos Ministérios, que está fechada desde a meia-noite. A estimativa é de que 40 mil pessoas se reúnam no local, na tarde de hoje, para acompanhar a sessão. O esquema será o mesmo adotado quando a Câmara dos Deputados votou a matéria. A Secretaria de Segurança Pública (SSP) montou novamente a barreira de 80m de largura e 1km de extensão para dividir os manifestantes.

O acesso só será feito a pé, a partir da Rodoviária do Plano Piloto, ou de carro pelas vias N2 e S2, que passam pelos anexos dos ministérios. A Praça dos Três Poderes e os palácios Itamaraty e da Justiça serão utilizados somente pelas forças de segurança. Representantes da Central Única dos Trabalhadores (CUT) sinalizam uma manifestação para amanhã, a partir das 17h. A entidade acredita que 15 ônibus virão a Brasília para acompanhar a manifestação. O grupo favorável não estimou expectativa de público.

O número de policiais pode aumentar, caso haja necessidade. Outros 150 agentes da Polícia Civil atuarão na operação. Também haverá reforço no expediente da 5ª DP, que vai centralizar as ocorrências do ato. O Corpo de Bombeiros disponibilizará 160 homens, enquanto o Detran terá 44 fiscais e 10 servidores operacionais. A Secretaria de Saúde montará um posto móvel com 30 profissionais na Esplanada.

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