Uma advertência a Goldfajn

17/06/2016 

A nova diretoria do Banco Central (BC), chefiada por Ilan Goldfajn, precisará apresentar uma explicação excepcionalmente boa, se decidir baixar os juros na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), marcada para os dias 19 e 20 de julho. Uma novidade na ata da última reunião, divulgada ontem, surpreendeu o mercado. Segundo o relatório, será possível levar a inflação à meta de 4,5% no próximo ano, se os juros básicos forem mantidos em 14,25% e o câmbio ficar em R$ 3,60 por dólar. Até recentemente as projeções do BC eram menos otimistas, embora o compromisso de entregar aquele resultado em 2017 fosse oficialmente mantido. Desde 2010 a inflação oficial, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), foi sempre superior a 5,8% e no ano passado chegou a 10,67%. No cenário de referência do BC, a estimativa para este ano piorou desde a última deliberação do Copom, em abril, mas a perspectiva de 2017 ficou mais favorável.

Diante da nova ata do Copom, fica muito difícil sustentar a expectativa, proclamada por alguns analistas e operadores do mercado, de uma redução dos juros básicos nos próximos meses. Essa redução, segundo essas fontes, seria acompanhada de uma alteração da política monetária, com adiamento, mais uma vez, da meta de 4,5%. Uma estratégia mais suave e menos ambiciosa facilitaria, de acordo com os defensores da mudança, a reativação da economia brasileira, em recessão desde o segundo semestre de 2014. Esse raciocínio pode parecer convincente, mas faltaria explicar por que o Brasil necessita de uma inflação muito mais alta que a da maior parte dos países emergentes para sair do atoleiro.

De toda forma, a ata da reunião do Copom, a última chefiada pelo presidente Alexandre Tombini, cria uma limitação para as próximas decisões. De fato, deixa dois obstáculos. Em primeiro lugar, por que atenuar a política e mudar o objetivo de 2017, neste momento, se a meta de 4,5% é apontada como viável por estudos do BC? Em segundo lugar, há o cenário deste ano, marcado por uma inflação resistente e, mais que isso, pela piora das perspectivas de curto prazo. O “cenário central”, de acordo com a ata, “não permite trabalhar com a hipótese de flexibilização das condições monetárias”. Essa avaliação aparece duas vezes no fim do documento. A mesma restrição havia aparecido na ata da reunião anterior.

A decisão de manter os juros básicos em 14,25%, portanto, foi muito mais que uma gentileza. Seria, sem dúvida, uma desconsideração mudar a política pouco antes da posse de um novo presidente. Muito mais polido seria deixar para os novos dirigentes qualquer iniciativa desse tipo. Mas foi também uma decisão técnica, baseada em boa informação e justificada com muito vigor.

Além do mais, convém levar em conta novos dados. A recessão persiste e os negócios devem continuar retraídos por vários meses, mas talvez a economia esteja batendo no fundo do poço. O Índice de Atividade Econômica do BC (IBC-Br) subiu 0,03% de março para abril. Foi uma variação muito pequena, insuficiente para se voltar ao nível de fevereiro, mas talvez seja um sinal de estabilização. O nível atingido foi 5,75% mais baixo que o de abril de 2015. A média dos primeiros quatro meses foi 6,46% mais baixa que a do período janeiro-abril do ano passado. O desemprego, que atinge 11,2% da força de trabalho, é muito alto e mais demissões poderão ocorrer. Mas, se a estabilização tiver começado, o desempenho em 2017 poderá ser melhor do que se tem previsto até agora.

Isso dependerá em boa parte da confiança dos empresários. Para reforçar essa confiança, o governo terá de avançar principalmente no conserto das contas públicas. Esse movimento está apenas começando, com o envio, ao Congresso, da proposta de limitação dos gastos governamentais. Sem esse tipo de mudança, o afrouxamento da política monetária dificilmente produzirá qualquer efeito positivo.

 

O Estado de São Paulo, n.44803, 17/06/2016. Opnião, p. A3