Correio braziliense, n. 19334, 02/05/2016. Política, p. 2

Dia do Trabalhor com ar de despedida

Paulo de Tarso Lyra

Uma comemoração de 1º meiro de Maio atípica, com a presença da presidente Dilma Rousseff e a ausência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, marcou aquele que deve ser, após 13 anos, a última celebração do dia do Trabalhador com o PT no poder federal. Alegando rouquidão excessiva e necessidade de se preservar para diversos atos ao longo dos próximos dias, Lula frustrou os movimentos sociais e não compareceu. Críticos afirmam que é uma tentativa de descolamento da imagem desgastada da presidente. Dilma voltou a repetir que impeachment é golpe e anunciou os reajustes na tabela do Imposto de Renda e no Bolsa-Família. Pelas redes sociais, Moreira Franco, que integrará o núcleo duro do governo de Michel Temer, criticou as propostas. “O povo não é bobo”.

Sempre criticada pelos movimentos sociais pelo ajuste fiscal que não conseguiu tirar do papel, Dilma foi recebida com carinho pelos presentes no ato, realizado no Vale do Anhangabaú. Aos gritos de “Dilma, querida” e “Fica, querida”, a presidente defendeu o mandato e negou que o reajuste de 9% no Bolsa-Família e a correção de 5% na tabela do Imposto de Renda possam prejudicar as contas públicas. “Isso não prejudica o cenário fiscal como eles (a oposição) dizem”, declarou a presidente.

Moreira Franco, que comandará um grupo de trabalho, ligado diretamente à Presidência da República, e que será responsável por definir as regras de concessões e parcerias público-privadas, rebateu a presidente, por meio das redes sociais. Para o peemedebista, Dilma manipulou a realidade e cometeu propaganda enganosa. Ele lembrou que o último reajuste concedido no principal programa social do governo foi em 2014, às vésperas das eleições presidenciais, e sem levar em conta as perdas da inflação. “Só agora anuncia um novo reajuste”, atacou o peemedebista.

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), também classificou as medidas anunciadas ontem pela presidente de irresponsabilidade fiscal, apesar de, durante a sua gestão à frente dos deputados, ter aprovado um conjunto de matérias batizadas de pautas-bomba. “Dilma quebrou o país e agora está aumentando o buraco”, disse ele.

Dilma concentrou seu discurso na defesa do mandato e nos ataques à oposição. “Para ter impeachment, não basta não gostar da presidente, é preciso ter crime”. Mais uma vez, a presidente comparou sua situação à do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). “Eu não tenho conta no exterior. Nunca embolsei dinheiro do povo. A oposição precisa inventar algo para sustentar o pedido de impeachment”, criticou a petista. Ela disse que o presidente da Câmara é o principal líder da oposição. Nesse instante, gritos de “Fora, Cunha” foram ouvidos na multidão.

Para a presidente, o que a oposição está fazendo é uma eleição indireta, tirando do povo o direito de votar. “Desde que perderem as eleições, eles fazem de tudo para o governo não governar. O mais grave é que eles impediram que o país combatesse o desemprego e a crise econômica”. Dilma afirmou ainda que o processo em curso é uma ameaça à democracia. “Esse golpe rompe com a democracia e é contra as conquistas dos trabalhadores”. Pelos cálculos da petista, dos 47 milhões de brasileiros beneficiados atualmente pelo Bolsa-Família, cerca de 36 milhões deixarão de ser elegíveis.

Mesmo com o revés praticamente definido – nesta sexta-feira o processo de impeachment será votado na comissão especial e deverá ser analisado pelo plenário do Senado no dia 11 – a presidente lembrou que a luta contra a ditadura fez com que ela ficasse presa por três anos. “Quero dizer para vocês que eu vou resistir. Mas a luta agora é muito mais ampla. Não é uma luta com armas, tanques ou militar. Mas é uma luta em defesa de todas as conquistas dos últimos anos”, completou.

As palavras da presidente não foram rebatidas apenas pelo peemedebista Moreira Franco. Principal nome da Rede Sustentatibilidade e candidata à presidência da República em 2010 e 2014, Marina Silva lamentou a conjuntura vivida pelo país neste 1º de Maio. “É o pior dia do Trabalhador deste século”, afirmou ela, citando os 11 milhões de desempregados, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

 

Frases

“Desde que perderem as eleições, eles fazem de tudo para o governo não governar. O mais grave é que eles impediram que o país combatesse o desemprego e a crise econômica”

Dilma Rousseff, presidente da República

 

“É o pior dia do Trabalhador do Século, com 11 milhões de desempregados”

 

Marina Silva, presidente da Rede Sustentatibilidade

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Esquerda esfarrapada

A chegada do PT ao poder, em 2002, foi arquitetada pelo então presidente da legenda, José Dirceu – condenado no mensalão e na Operação Lava-Jato —,  que convenceu a máquina partidária e a militância, no argumento e na marra, que a única forma de chegar ao Planalto era flexibilizar as alianças partidárias. Nascia ali a coligação com o PL, hoje PR e as parcerias com PTB, PP, PMDB. A incompatibilidade de programas afastou o PSB, estremeceu a relação com o PDT, gerou o PSol e manteve fiel apenas o PCdoB. Cada vez mais perto de ser afastado do Planalto, o PT foi traído pelos novos parceiros e acolhido, quem diria, por aqueles que canibalizou ou abandonou ao longo do caminho.

“Como vamos chegar ao futuro? Desgrenhados, desarrumados, sem espaço, sem bandeira, sem discurso”, lamentou um ex-auxiliar direto de Lula e Dilma. O próprio Lula é uma figura menor do que era quando chegou e quando deixou o Planalto. Embora ainda seja capaz de mobilizar multidões, como foi demonstrado no dia em que teve de prestar depoimento de maneira coercitiva à Polícia Federal e no discurso na Avenida Paulista um dia após a frustrada posse como ministro-chefe da Casa Civil, Lula não tem mais como se enrolar na bandeira da ética, tampouco carrega os 87% de aprovação popular que tinha em dezembro de 2010, quando passou a faixa presidencial para Dilma.

 

Complexo

O cenário de futuro, com Lula enfraquecido, é complexo. Outras opções que se apresentam dentro do espectro político do PT são Ciro Gomes, pelo PDT; Luciana Genro, pelo PSol; e  Marina Silva, pela Rede. “Lula está na quadra final da sua vida pública e, cada vez mais, tem dificuldades de explicar algumas coisas. Na verdade, ele, hoje, é a imagem de alguém que assumiu para transformar o poder e foi transformado por ele”, disse o deputado Chico Alencar (Psol). “O PT, e a esquerda, terá de fazer uma autocrítica gigante e vestir a sandália da humildade”, completou Chico Alencar.

 

Quem esteve com um pé fora do partido, mas permaneceu, é o senador Paulo Paim. “Fiquei por conta da militância que não tem nada a ver com tudo isso que está acontecendo com a cúpula do poder”, disse Paim. O petista disse que, em uma recente reunião do diretório gaúcho, o ex-ministro e ex-governador do Estado, Olívio Dutra, insistiu para que ele não deixasse a legenda. “Ele me falou que lutamos juntos pela democracia e que, se saírem os bons quadros do partido, só ficarão aqueles que não são tão bons”, lembrou. “Temos de descobrir por que chegamos até aqui e para onde vamos daqui para adiante’”, completou o petista. (PTL)