Delação é 'inverídica', afirma Planalto 

Carla Araújo , Tânia Monteiro

16/06/2016

 

No dia em que tentou fazer o seu maior aceno ao mercado com a definição da proposta de limitação do teto dos gastos e que reuniu diversos líderes da base no Palácio do Planalto para demonstrar apoio ao seu governo interino, o presidente em exercício Michel Temer teve que administrar o fato de ver o seu nome envolvido na delação do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado.

A primeira reação de aliados do peemedebista foi minimizar o envolvimento de Temer nas “supostas irregularidades” apontadas pelo delator.

Ao Estado, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, negou que as novas informações atrapalhem a relação do governo com Congresso. “Não existe nada em relação a presidente ao exercício”, afirmou. Padilha também negou que Temer tenha tido encontros com Machado para interceder e pedir pagamentos a campanha à prefeitura de Gabriel Chalita, em 2012.

O clima de apreensão, no entanto, foi grande ontem durante todo o dia. Um exemplo disso foi a demora de cerca para a divulgação da nota oficial. Foram três horas entre a divulgação do conteúdo da delação de Machado e a divulgação do texto. Nele, a assessoria da presidência afirma que em toda a sua vida pública, Michel Temer “sempre respeitou estritamente os limites legais para buscar recursos para campanhas eleitorais”.

No texto, o presidente em exercício afirma que “jamais permitiu arrecadação fora dos ditames da lei, seja para si, para o partido e, muito menos, para outros candidatos que, eventualmente, apoiou em disputas”. Temer diz ainda que é “absolutamente inverídica” a versão de que teria solicitado recursos ilícitos ao ex-presidente da Transpetro.

Há preocupação que a delação afete a governabilidade e, principalmente, o avanço da agenda econômica no Congresso. O líder do governo no Senado, senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), defendeu que a operação Lava Jato não deve influenciar os trabalhos do Legislativo e defendeu uma “divisão” entre as investigações e as votações defendidas pelo governo. “Precisamos estabelecer uma rede de proteção, uma divisória nítida entre os processos judiciais, as investigações, que vão são prosseguir e tem que prosseguir, de tal modo que quem tenha culpa no cartório pague, e de outro lado esteja o governo, a governabilidade e as medidas que temos que aprovar para tocar o Brasil para frente.”

Recuo. A revelação da íntegra da delação de Machado também fez o Planalto reavaliar o pronunciamento em cadeia de rádio e televisão que cogitava fazer para hoje, 16, à noite para destacar os feitos de sua gestão. A ideia, que já não era consenso na cúpula do governo, perdeu força e pode ser abandonada.

A estratégia nos próximos dias será tentar blindar Temer e desqualificar o delator que, segundo nota divulgada pelo Planalto, tinha um relacionamento “apenas formal e sem nenhuma proximidade” com o presidente em exercício.

Ainda assim, a apreensão entre auxiliares do presidente em exercício é grande porque o fato de o nome de Temer ter sido envolvido na delação de Machado se somou ao temor do Palácio do Planalto com o desenrolar da situação do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). A aprovação do pedido de cassação do no Conselho de Ética na terça-feira ampliou o clima de cautela no governo.

Interlocutores de Temer tentaram reforçar o discurso de que o tema pertence ao Legislativo e não ao Executivo, mas admitiram que há receio do “poder explosivo” do presidente afastado da Câmara.

Versão

“É absolutamente inverídica a versão de que (Temer) teria solicitado recursos ilícitos ao ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado”

Palácio do Planalto

EM NOTA OFICIAL

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Para especialistas, Temer dificilmente será processado

Ana Fernandes , Francisco Carlos de Assis

16/06/2016

Do ponto de vista jurídico, é remota a possibilidade de o presidente em exercício Michel Temer ser processado, enquanto estiver na Presidência, por causa das citações a ele na delação premiada do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, segundo o professor de Direito Constitucional da Fundação Getulio Vargas (FGV) Roberto Dias. O professor diz que a figura do presidente conta com uma imunidade acima da imunidade parlamentar. “O artigo 86 da Constituição determina que o presidente não será responsabilizado por atos estranhos a suas funções”, afirma Dias.

Segundo o professor, isso se aplica tanto em casos de crime comum - caso de uma apuração de corrupção, por exemplo -, quanto em casos de responsabilidade, que poderia ensejar um pedido de impeachment.

“Considerando a adoção do mesmo padrão seguido até o momento para a presidente afastada Dilma Rousseff, a citação a Temer por Machado não configuraria crime comum ou crime de responsabilidade para justificar um pedido de impeachment, tendo em vista que o fato é anterior ao exercício do mandato”, diz o professor. “Pode haver repercussão política, com manifestação de rua, outros desdobramentos, até a renúncia, mas, juridicamente, há uma série de obstáculos para se processar um presidente da República. O procedimento tem de ser complexo para se proteger o exercício da função. Se foi em 2012, na campanha eleitoral de outra pessoa, a tentativa de vinculação com atos da Presidência seria bastante complexa”, afirma Dias.

A doutora em Direito Político Silvana Batini, mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade do Rio de Janeiro (PUC-RJ), também avalia serem nulas as possibilidades de Temer ser processado com as informações que se tem até o momento. “Estas citações, do ponto de vista jurídico, não têm implicações.”

 

 

O Estado de São Paulo, n. 44802, 16/06/2016. Política, p.A7