Título: PIB fraco e inflação desafiam o governo
Autor: Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 15/10/2011, Economia, p. 14

Economistas veem o risco de o Brasil mergulhar em um processo semelhante ao da Europa: o da perversa estagflação

A retração da atividade econômica detectada pelo Banco Central em junho, julho e agosto — somente neste último mês, a prévia do Produto Interno Bruto (PIB) calculada pela instituição registrou queda de 0,53% —, não foi suficiente para derrubar a inflação. Pelo contrário. Diante das desconfianças em relação ao Banco Central, que deve cortar mais 0,5 ponto percentual na taxa básica de juros (Selic) na próxima semana, de 12% para 11,50%, as projeções indicam grande possibilidade de o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fechar o ano acima dos 6,5% definidos como teto da meta referente ao custo de vida.

Não à toa o Palácio do Planalto acendeu o sinal de alerta. Se o primeiro ano de governo da presidente Dilma Rousseff será desanimador do ponto de vista econômico, para 2012 o quadro não será muito diferente. Há quem diga que o IPCA ficará próximo de 6%, combinado a uma taxa de crescimento inferior a 3%. Ou seja, o Brasil pode repetir o pesadelo europeu: expansão mínima do PIB com inflação alta — a chamada estagflação.

Diante desse quadro, o país e outras nações emergentes, antes praticamente descolados da crise internacional, começam a ser observados por olhos carregados de dúvidas. A China, por exemplo, além de se ver obrigada a socorrer bancos e empresas à beira da falência, anunciou que a sua atividade comercial cresceu em setembro no menor ritmo dos últimos sete meses. As exportações para seu maior parceiro, a Europa, avançaram apenas 10%, com tendência de enfraquecimento, já que a Zona do Euro está com um pé na recessão. Em agosto, o salto havia sido de 22%.

No Brasil, os indicadores têm deixado as autoridades e economistas em constante sobressalto. Enquanto a inflação acumulada até setembro está acima de 7%, as vendas do comércio varejista ampliado começaram a dar os primeiros sinais de fraqueza, ao registrar queda de 2,3% em agosto. No mesmo mês, a indústria levou um tombo de 0,2%, com retração em 10 das 14 regiões pesquisadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os segmentos mais afetados foram os de calçados, eletrônicos, plásticos e móveis.

Os dados de setembro, que serão divulgados em breve, tendem a ser mais desanimadores, pois alguns setores, como o automobilístico, suspenderam a produção, demitiram ou deram férias coletivas. Por isso, disse Constantin Jancso, economista do Banco HSBC, já se fala em recessão na indústria. Ele lembrou que também o setor de serviços está crescendo a um ritmo menor do que o habitual. "Todos esses dados confirmam que o Brasil está passando por uma forte desaceleração", frisou.

Alerta geral Eduardo Velho, economista-chefe da Prosper Corretora, endossou o cenário ruim que está por vir. "Os indicadores antecedentes da atividade estão corroborando uma nova taxa negativa para o IBC-Br de setembro", alertou. "Se isso ocorrer, o PIB do terceiro trimestre terá retração, algo impensável até bem pouco tempo", acrescentou. Na avaliação de Zeina Latif, economista do Royal Bank of Scotland, a hipótese de o Brasil mergulhar em uma estagflação não pode ser descartada.

"Não quero dizer que, estruturalmente, estejamos caminhando para isso. Pode ser algo momentâneo. Mas, obviamente, essa situação levanta certos alertas", disse Zeina. "Temos de aceitar a natureza desse ciclo. É uma desaceleração do crescimento, em parte causada pelo cenário internacional. Não dá para remar contra a maré", argumentou. No entender da economista, ainda faltam dados para afirmar que a inflação está se tornando mais rígida e permanente. "Porém, de toda forma, tenho a preocupação com o avanço dessa rigidez."

As consequências da piora internacional e de seus reflexos na economia brasileira afetam não apenas 2011, mas também 2012. Assim, o carry-over (quanto de efeito inercial de crescimento que o Brasil levará para o próximo ano) será praticamente nulo. O que, segundo analistas, é péssimo para o governo, principalmente porque uma parte considerável da inflação já está contratada. Apenas o reajuste de 14% do salário mínimo garantirá 0,7% a mais de carestia no ano que vem.

Salto de 3% Dados analisados pelo mercado mostram que setembro foi um mês de clara estagflação. Enquanto os números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu 0,53%, as projeções dos especialistas apontam que a produção industrial foi negativa e o mesmo deve ter ocorrido no varejo. Por isso, gente graúda do Palácio do Planalto já admite crescimento de 3% ou menos neste ano.