Correio braziliense, n. 19344, 12/05/2016. Política, p. 9

Pacote para crescimento

Temer deve lançar hoje as primeiras medidas para combater a recessão e reduzir o desemprego. Sucessor de Dilma se comprometerá com forte ajuste fiscal e um amplo programa de privatização para reforçar o caixa. Investidores cobram ações rápidas

Por: Paulo Silva Pinto e Antonio Temóteo

 

Com o afastamento da presidente Dilma Rousseff sacramentado pelo Senado, o vice-presidente Michel Temer, que assume o governo, deve anunciar hoje seu projeto de governo, com a promessa de tirar o Brasil da recessão, reduzir o desemprego e abrir um diálogo nacional como antídotos contras as crises política e econômica. A perspectiva é de que, na sexta-feira, já empossado no Ministério da Fazenda, Henrique Meirelles lance um pacote de medidas para resgatar a confiança dos agentes econômicos. A prioridade será o ajuste fiscal, a base de todos os problemas que levaram à derrocada da petista.

Para compensar o arrocho que levará a corte de gastos e ao enxugamento da máquina pública, de forma a garantir que, ao longo do tempo, o país voltará a produzir superavits primários para estabilizar a dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), Temer botará nas ruas um programa de concessões, de privatizações e de parcerias público-privadas (PPPs) com uma marca tão forte quanto à do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

O nome do programa já foi escolhido, mas é mantido em sigilo. É considerado central não apenas por conta das obras previstas, mas pela geração de empregos. Para o núcleo decisório em torno do futuro presidente, a retomada de contratações, quando se concretizar, terá grande repercussão, em contraste com a eliminação de vagas que se vê desde o ano passado. As concessões, as privatizações e as PPPs serão ambiciosas e poderão incluir não só infraestrutura de transportes e logística, mas também hospitais e outros equipamentos públicos. O programa pode aparecer já no primeiro pronunciamento de Temer.

 

Descalabro

A disposição do novo governo é de não deixar espaço para dúvidas quanto ao esforço para tirar o Brasil do buraco. Várias medidas provisórias (MPs) serão publicadas no início da próxima semana, e projetos de lei enviados ao Congresso Nacional. A proposta mais ambiciosa, dentro desse pacote, será a fixação de um limite para o aumento dos gastos públicos. As despesas não poderão subir mais do que a variação do Produto Interno Bruto (PIB) do ano anterior, dando previsibilidade à gestão das finanças.

Temer também pedirá ao Congresso que reduza o engessamento do Orçamento. Atualmente, cerca de 90% das receitas estão carimbadas, reduzindo o espaço para cortes efetivos de despesas. A vinculação dos recursos aumentou de forma excepcional nos governos de Lula e Dilma. Tanto essa medida quanto a limitação dos gastos compõem o programa Uma ponte para o futuro, elaborado pelo PMDB em outubro do ano passado.

Segundo Meirelles, é vital que, diante do descalabro das contas públicas, o governo construa uma trajetória de equilíbrio fiscal duradouro, com superavits e redução progressiva do endividamento público. Como essa construção levará tempo, a fixação de limites para despesas torna-se a prioridade imediata. Mas não é só. Para conter o aumento da dívida, que já encosta em 70% do Produto Interno Bruto (PIB), Temer pretende vender ativos que não são considerados prioritários. Um dos itens é a participação da União na Terracap. A meta é fazer caixa.

Há muito mais a ser transformado em dinheiro. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tem ações de empresas públicas e privadas — em posse da subsidiária BNDESpar — que poderão ser vendidas. A Ceasa de Minas Gerais deverá ser privatizada. E as participações da União em companhias Docas, responsáveis por administrar portos, também passarão ao setor privado.

Os textos dos projetos de lei, de emendas constitucionais e de medidas provisórias já estão praticamente prontos. Foram elaborados com a ajuda dos consultores contratados para a produção do documento do partido que agora vai nortear as políticas de governo. Há também uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) prioritária: a que confere foro privilegiado à diretoria do Banco Central (BC). Como a autoridade monetária, que será presidida por Ilan Goldfajn, vai perder o status de ministério — essa seria uma compensação para garantir estabilidade institucional e atrair bons quadros. A ideia é que a emenda seja aprovada antes da nomeação do presidente e dos novos diretores do BC, o que deverá ocorrer até o início de junho, em seguida à próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom).

A autonomia do BC é considerada importante, mas não prioritária. Depende ainda de discussão, pois enfrenta resistência entre parlamentares que vão compor a base do novo governo. É também o caso da reforma da Previdência. Embora o tema seja fundamental, a proposta será construída progressivamente. A área de Previdência será incorporada ao Ministério da Fazenda, na forma de uma secretaria. As atuais secretarias da Previdência serão transformadas em subsecretarias. Normas para a reorganização do governo serão publicadas também na próxima semana.

 

Equilíbrio

Essencial para assegurar o equilíbrio das contas públicas no médio e no longo prazos, a reforma da Previdência já provoca divergência dentro da equipe de Temer. Meirelles defende que a proposta seja encaminhada ao Congresso o quanto antes. A ala política, no entanto, avalia que de nada adianta encaminhá-la, se antes não forem criadas condições para sua aprovação.

Na avaliação de Meirelles, a pressa se justifica. Primeiro, porque é preciso dar um sinal efetivo aos investidores que as contas públicas serão ajustadas e que a trajetória de alta da dívida pública como proporção do PIB será revertida. Segundo, porque o tempo é curto e medidas impopulares têm de ser propostas e aprovadas em início do mandato. A meta é definir uma idade mínima de 65 anos para homens e mulheres em todos os regimes.

Para o ex-secretário de políticas de Previdência Leonardo Rolim, consultor da Câmara de Deputados, Temer tem que agir rápido para reduzir o rombo previdenciário.

 

Equipe da Fazenda

Carlos Hamilton, ex-diretor de Política Econômica do Banco Central, deve assumir a secretaria executiva do Ministério da Fazenda, sob o comando de Henrique Meirelles. Ele já está engajado em conversas com o mercado financeiro em relação a assuntos ligados ao ministério. Mansueto Almeida deve ficar na Secretaria do Tesouro Nacional e Marcos Mendes, consultor do Senado, será, provavelmente, secretário de Política Econômica. Os nomes devem ser anunciados até o fim de semana.

 

Rombo crescente

O deficit da Previdência, de mais de 2% do PIB, é hoje, a principal responsável pelo aumento do rombo nas finanças do país. Parte do buraco é provocada pela crise. Muitos postos de trabalho fecharam e a arrecadação caiu. Mas, a cada ano, o número de benefícios aumenta em 3,5% em função do envelhecimento da população brasileira.

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Recuperação será lenta

Por: SIMONE KAFRUNI E RODOLFO COSTA

 

A missão Michel Temer ao assumir a Presidência da República é espinhosa. Ele terá pouco tempo para tirar a economia do país da situação de calamidade em que se encontra. Sem direito de errar, Temer precisa apresentar, logo na largada, um plano fiscal factível, capaz de reverter o rombo das contas públicas.

O núcleo próximo de Temer já deixou claro que o modelo de estímulo ao crescimento pelo consumo, insistentemente usado pelos governos petistas, se esgotou e o que vai conseguir mover a economia será o investimento. Para isso, é preciso resgatar a confiança dos agentes econômicos.

O diagnóstico traçado pelo futuro ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, aponta que, apenas em 2018 ou 2019, o país terá superavit primário (economia para pagamento dos juros da dívida). Ainda que não tenha tempo para tirar as contas do vermelho, Temer terá que adotar medidas na direção de, no longo prazo, reduzir a dívida pública, que passou de 52% para 67% do Produto Interno Bruto (PIB) no governo Dilma Rousseff. Se nada for feito, essa relação pode alcançar 80% do PIB em 2018.

Reequilibrar as contas públicas não será fácil mesmo com cortes de gastos bastante significativos, ressaltou o economista-chefe da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Antônio da Luz. As pedaladas fiscais — motivo que gerou o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff — aumentaram o deficit de R$ 32,5 bilhões em 2014 para um rombo de mais de R$ 100 bilhões no ano passado. “Vamos levar alguns anos para botar a economia em um caminho de crescimento”, disse. Luz afirmou que houve um aumento real da dívida, descontada a inflação, de 211,7% nas gestões petistas. “Isso ocorreu porque o governo não fez superavit primário, gastando mais do que arrecada”, frisou.

 

Credibilidade

Os especialistas são unânimes ao afirmar que Temer deverá agir rápido para reconquistar a confiança dos investidores. Sócio da Macro Sector Consultores, Fábio Silveira disse que, na área fiscal, será importante sinalizar expectativas positivas que perdurem pelo máximo de tempo possível. Além disso, Temer deverá buscar o diálogo político.

“Os cortes de gastos necessários são doloridos e, isso, políticos não gostam de fazer. É preciso negociação. Será importante buscar uma meta fiscal consensual e crível para os próximos anos. O plano fiscal não pode nascer e ficar em uma dimensão técnica. Precisa vir recheado de indicadores confiáveis para que o Congresso e a sociedade aceitem participar e se envolvam no esforço”, alertou.

No entender do presidente da BullMark Financial Group, Renato Nobile, tão importante quanto recuperar os fundamentos econômicos é recuperar a confiança dos investidores, como está fazendo a Argentina. “O governo argentino conseguiu restaurar a credibilidade. Ainda não há uma melhora significativa dos fundamentos econômicos, mas as agências de classificação de risco já recolocaram a nota de crédito do país em um patamar sem risco de calote”, lembrou.

Para Nobile, nomes como o de Meirelles para a Fazenda e Ilan Goldfajn para o Banco Central favorecem a reconquista da credibilidade. Mas é preciso agir com transparência e apresentar ações de corrijam todas as distorções que, nos últimos anos, destruíram os pilares da estabilidade e reduziram a capacidade de crescimento do país.

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Transição começou mais cedo

 

O processo de transição começou antes mesmo de o resultado final sobre aprovação do afastamento da presidente Dilma Rousseff pelo Congresso ser conhecido. O senador Romero Jucá (PMDB-RR), cotado para assumir o Ministério do Planejamento, deixou o plenário, onde ocorria a sessão do impeachment, e foi pessoalmente ao Ministério da Fazenda se encontrar com o ministro Nelson Barbosa para obter um panorama das medidas emergenciais a serem tomadas no início da gestão Temer.

Na reunião, que ocorreu a pedido de Jucá, foi discutida a necessidade de aprovar a mudança da meta fiscal até o fim do mês. O projeto que muda o resultado primário deste ano já foi encaminhado ao Congresso e precisa ser votado. Se a meta não for alterada, em 30 de maio, o governo terá que editar um decreto de contingenciamento com corte adicional de gastos, suspendendo as despesas discricionárias. Isso pode provocar a paralisação da máquina, com calote até de contas de luz e água de órgãos públicos.

Na conversa, Jucá foi alertado sobre a necessidade de o projeto ser modificado para acomodar um problema que ainda não estava previsto quando a proposta foi enviada ao Congresso: a suspensão do pagamento das dívidas de alguns estados com a União por um período de 60 dias. Como o Supremo Tribunal Federal (STF) deu alívio temporário aos governos estaduais houve frustração das receitas.

A equipe de Barbosa apresentou ao senador Jucá as estimativas que fizeram para o próximo relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas, com novas projeções para a arrecadação, gastos e PIB. Caberá à nova equipe econômica referendá-las ou não.

Barbosa será exonerado do cargo com o afastamento da presidente, mas o secretário executivo do ministério, Dyogo Oliveira, ficará responsável em fazer a transição para a equipe de Henrique Meirelles. Depois, Oliveira seguirá para o Planejamento. A transição não deve ser traumática também porque há muitos funcionários de carreira do governo federal, que devem permanecer em seus cargos até as primeiras orientações do novo ministro. É o caso de Jorge Rachid, na Receita Federal.

Senadores relacionados:

  • Romero Jucá

Órgãos relacionados:

  • Congresso Nacional