Correio braziliense, n. 19344, 12/05/2016. Política, p. 13

Diferenças além do muro

Estrutura metálica separou, na Esplanada dos Ministérios, manifestantes contra e a favor do governo Dilma. As cores das roupas e das bandeiras também deixaram claras as posições de cada grupo

Por: Flávia Maia, Rafael Campos e Bruno Lima

 

“Dilma, guerreira da pátria brasileira”

A Brasília dividida pelo muro instalado na Esplanada dos Ministérios tinha cor, personalidade e vontade política. Só não havia espaço para dúvida. Nem era possível, sequer, mudar de lado. Mais do que a barreira física, as diferenças eram simbólicas. Os discursos estavam na boca dos presentes. Convencidos de suas posições, os grupos assistiam, unidos, aos rumos da República durante a votação no Senado pela admissibilidade do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Do lado esquerdo do muro se concentraram quem estava a favor da permanência de Dilma Rousseff. Um telão instalado pelos organizadores permitia que todos acompanhassem o posicionamento dos senadores. Mais do que a esperança de impedir a saída temporária da presidente, os grupos foram às ruas na tentativa de mostrar lealdade ao atual governo e evidenciar os agentes participantes do “golpe”.

Vestidos com roupas vermelhas, havia participantes de movimentos sociais, feministas e índios. Presentes em maior quantidade — quatro vezes mais do que o lado pró-impeachment —, o grupo favorável a Dilma entoava palavras de ordem como “No meu país eu boto fé, porque ele é governado por mulher” e “Dilma, guerreira da pátria brasileira”. Também distribuiu panfletos.

Cerca de 15 mulheres do movimento Arte pela democracia fizeram um ato em frente ao Senado no fim da tarde. Elas rasgaram simbolicamente títulos de eleitores. “Isso aqui é para representar o que eles estão fazendo lá dentro hoje. Estão passando por cima dos nossos direitos, da democracia”, opina Luaa Gabanini, 40 anos. Para ela, um eventual governo Temer prejudicará a classe artística. “Ele já anunciou que vai fundir os ministérios da Cultura e da Educação. Isso vai contra toda a liberdade de expressão. É uma afronta à cultura”, prevê.

Álvaro Maciel, 55, é líder comunitário no Morro da Babilônia, no Rio de Janeiro. Chegou à capital ao lado de 50 moradores da comunidade, na manhã de ontem. Ele afirmou que a ideia de vir a Brasília surgiu após a preocupação com uma eventual redução dos programas sociais do governo federal. “Isso é um ataque à democracia”, criticou.

No fim da noite, o movimento, até então pacífico, tomou outros contornos. O nervosismo tomou conta de alguns manifestantes, que soltaram rojões. A Polícia Militar conteve o grupo com spray de pimenta e gás lacrimogêneo. De acordo com a PM, bolas de gude e pedras também foram arremessadas contra os policiais.

 

“Ei, psiu, a Dilma já caiu”

Do lado contra o governo, à direita do Congresso Nacional, o movimento verde e amarelo ganhou força no fim de tarde e no início da noite, embora a sessão no Senado Federal tenha começado pela manhã. Mesmo certos do afastamento provisório da presidente, os manifestantes pró-impeachment marcaram presença em menor quantidade do que aqueles a favor de Dilma Rousseff. Segundo estimativas da Polícia Militar do Distrito Federal, eles somavam 1 mil entre os 5 mil participantes, por volta das 21h.

Ali, pessoas de diversas faixas etárias chegaram vestidas de verde e amarelo, muitas delas com a Bandeira Nacional como adereço, seja como capa amarrada ao corpo, seja na pintura do rosto. O casal Paula Muniz, 29 anos, e Fábio Franze, 41, é um exemplo. Os dois chegaram à Esplanada dos Ministérios por volta das 17h para manifestar a indignação contra o governo federal. Para o autônomo, a sensação, mesmo antes dos votos contabilizados, é de alívio e esperança. “Espero que possa haver uma mudança para modificar esse cenário. A gente fica sem saber como vai pagar as contas no fim do mês”, reclama. Paula está desempregada e a expectativa dela era de que Michel Temer assuma o cargo de presidente imediatamente.

 

Arrependimento

De cima do carro de som, as lideranças entoavam palavras de ordem como “Pé na bunda dela, o Brasil não é Venezuela” ou “Ei, psiu, a Dilma já caiu”. O bordão “Tchau, querida” era o preferido, e os animadores conclamavam a todos a acenar pela despedida da chefe do Executivo. Sem infraestrutura de telão e banheiros, quem estava ao microfone anunciava os andamentos da votação no Senado. Os cartazes pregados nas grades instaladas próximas ao Palácio Itamaraty confirmavam a insatisfação com a situação política atual. Em um deles, havia os dizeres: “República de Curitiba te espera”.

O servidor aposentado José Afonso da Costa, 54, votou em Lula nas eleições de 2002. Hoje, mostra-se arrependido com a escolha pelo PT. “A minha esperança é de que o Brasil acorde melhor do que está. Atualmente, vejo que o discurso de todos os partidos de esquerda é mentiroso: na prática, nunca é verdadeiro”, acredita. O funcionário público Roberto Júlio César, 50, também foi eleitor do PT, mas deixou de defender a legenda “Temo que haja um continuísmo com o Temer, mas a saída dela (Dilma) é uma luz no fim do túnel”, disse. (FM, RC e BL)

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