Correio braziliense, n. 19344, 12/05/2016. Política, p. 15

Mobilização iniciou cedo na área central

Apesar do pouco movimento pela manhã, manifestantes contrários e favoráveis ao impeachment se espalharam entre a Esplanada e o Eixo Monumental

Por: Maria Eduarda Cardim

 

Fechada para a votação do processo de impeachment no Senado Federal, a Esplanada dos Ministérios amanheceu praticamente vazia. Por volta das 9h, horário de início da sessão, poucos manifestantes se concentravam no local. Policiais e bombeiros faziam a segurança do local sem grandes dificuldades. André Rhouglas, 55 anos, saiu de Ponte Nova, em Minas Gerais, para acompanhar a votação. Desde as 6h, o empresário protestava a favor do impedimento. “Temos de começar a limpar o país a partir de hoje”, defendeu.

André chegou à cidade no domingo e pretende ficar até o fim da votação no local. Assim como a comerciante Eleny Silva, 52, que não abriu a lanchonete ontem para participar do evento. “Na minha opinião, Brasília tinha de parar hoje. Eu nunca fecho a minha loja e tirei o dia para acompanhar tudo”, conta.

As opiniões sobre o muro que separa manifestantes contrários e pró-impeachmente se dividiram. Eleny acha a ideia “ótima” e parabenizou a iniciativa, que, para ela, evita brigas. André acredita que a democracia não pode ser representada por uma estrutura dessas. “A convivência entre os dois grupos deveria ser harmônica. Democracia não é isso, é liberdade”, criticou.

Do lado contrário, quem se concentrou desde manhã foi o servidor público Carlos Abreu. As bandeiras que ele levava tiveram os canos de PVC retirados por policiais militares. “Vamos fazer uma manifestação tranquila. Não estamos alimentando muita esperança com relação à votação, mas viemos à rua protestar.”. Carlos faz parte da Confederação dos Trabalhadores do Serviço Público Federal.

 

Terras

Em meio à expectativa da votação, um acampamento indígena foi montado próximo ao Museu do Índio, no Eixo Monumental. Cerca de 900 índios de diferentes regiões do país se concentram no local desde segunda-feira. O motivo, apesar de coincidir com a data da votação do impeachment, não é se posicionar politicamente, mas chamar a atenção para os projetos que tramitam no Congresso Nacional e a demarcação de terras indígenas.

Sônia Guajajara, que faz parte da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) informou que um ato estaria programado para a parte da tarde na Esplanada dos Ministérios. “Independentemente de governo, a nossa pauta continua a mesma e estaremos mobilizados para cobrar as demandas do movimento indígena”, concluiu.

 

Improviso

Acampados no Parque da Cidade, ao lado do Parque Ana Lídia, integrantes de diferentes movimentos favoráveis ao impeachment da presidente Dilma Rousseff se prepararam para acompanhar a votação. Logo cedo, no início da manhã de ontem, quase todos estavam acordados. O grupo de 17 pessoas, que se declara sem liderança e apartidário, planejava acompanhar o processo até o fim. Com o apoio de moradores do Distrito Federal, que vez ou outra buzinavam e acenavam, eles não conseguiam esconder a ansiedade.

Ao chegar ao lugar onde fica o acampamento, logo se vê uma suntuosa Bandeira do Brasil. Placas com palavras de ordem entregam o motivo da improvisada estadia: apoio ao juiz Sérgio Moro; e repúdio ao governo federal, ao ex-presidente Lula e a Dilma. Quem está ali garante que o grupo é formado por uma reunião de movimentos com o desejo de contribuir para um país mais justo.

Instalada no local, a empresária Dileta Correa Silva, 44 anos, deixou a família e o trabalho para trás para chegar a Brasília. Moradora de Santa Catarina, desembarcou na capital há 33 dias. Voltou para casa para rever os dois filhos e, há uma semana, regressou ao acampamento. “Sinto falta deles (filhos), mas sei que a causa é maior. Essa luta é por eles e pelo Brasil”, assegura. Em nome disso, passou o primeiro Dia das Mães longe das crianças. “Foi difícil. Considero que o mais complicado de estar aqui é administrar o lado emocional. Mas hoje pode ser considerado um dia feliz, pois estamos seguindo os passos da Constituição”, avalia.

Aos 24 anos, o estudante Denis Hiiderich veio de Guaianases, em São Paulo, e também está acampado para acompanhar a votação do impeachment no Senado. Com alguns minutos de conversa, ele explica que, apesar da pouca idade, tem grandes motivações para se vestir e agir de maneira patriótica. “Estou aqui em Brasília há dois meses. Deixei a minha avó, com quem moro, superpreocupada, mas precisava representar o meu estado e cobrar mudanças”, explica.

Sobre a rotina no local, ele define a estadia como “uma verdadeira aventura”. Reconhecendo e assumindo os riscos de estar ali, ele fala sobre a sensação de trocar o conforto de casa pelo improviso das barracas. “É gratificante pela luta que temos, mas é bem difícil e arriscado”, destaca. Denis conta que, assim como os colegas de acampamento, recebeu diversas ameaças. “Uma vez, um homem passou aqui com uma arma em punho, dizendo que nós iríamos nos dar muito mal”, recorda. Apesar disso, ele pondera que há quem apoie a permanência do grupo ali. “Muita gente doa alimentos e pergunta se estamos precisando de alguma coisa. Isso nos dá força”, completa.

Órgãos relacionados:

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Ambulantes faturam com a crise

Por: CAMILA COSTA E GLÁUCIA CHAVES

 

Além de manifestantes, ambulantes aproveitaram os protestos para vender de tudo um pouco: pipoca, churrasquinho, açaí, camisetas e adereços estampados com o rosto de políticos. A permanência dos vendedores era permitida, mas, em alguns momentos, os ambulantes entraram em conflito com servidores da Agefis. Pela manhã, fiscais do órgão ordenaram que eles desmontassem as barracas de comida e bebida acomodadas nas calçadas dos ministérios. Segundo o auditor fiscal Roberto Coelho, após serem encontradas facas e garrafas de bebidas alcoólicas em alguns dos quiosques, a permanência deles acabou proibida.

O incidente aconteceu no lado pró-impeachment, onde havia cerca de 50 barracas. Revoltados com a decisão, os ambulantes reclamaram que a Agefis esperou que montassem as estruturas para, depois, vetar a permanência no local. O vendedor Edson Monteiro, 39 anos, estava no local desde a noite passada e criticou a situação. “Isso é errado. Estamos apenas fazendo o nosso trabalho, e eles não estão deixando”, reclamou.

Mesmo assim, muitos conseguiram seguir com as vendas. A estudante Gabriela Sousa dos Santos, 23, apostou em camisetas e bandeiras na esperança de arrecadar dinheiro para pagar a faculdade de fisioterapia. A maioria dos produtos era encalhe da Copa do Mundo, mas ela investiu em confecções próprias para a ocasião. Na pequena barraca, cada camiseta estampada com os dizeres “Impeachment Já” ou “Fora Dilma” custava R$ 10, enquanto as bandeiras saíam por R$ 20. “Temos de vender, porque são nesses momentos que podemos trabalhar um pouco mais e ganhar dinheiro”, reforçou. Nas três primeiras horas, a estudante não havia vendido nada.

 

Sucesso

Ricardo Andrade, 53 anos, também acredita que bandeiras, camisetas e apitos chamariam a atenção dos manifestantes e garantiriam uma renda extra no fim do dia. Assíduo em atos públicos, o autônomo foi a todos os protestos mais recentes. Ontem, levou para a Esplanada 20 bandeiras, que vendeu a R$ 25 cada uma. “Quero mais é que fique essa briga aí. É muito melhor para o trabalhador autônomo, que tem de correr atrás de qualquer jeito, independentemente de governo.”

Os bolos no pote de Naide de Lima, 54, fizeram sucesso na primeira votação. Na ocasião, ela vendeu 33. Ontem, levou 28 e, no meio da tarde, havia negociado 10. “Temos de aproveitar ao máximo esses eventos para vender.” A moradora do Gama conta que sempre vende bolos em uma faculdade, mas as vendas, geralmente, não ultrapassam 10 potes por dia. “O que vendo aqui é até pouco, mas qualquer dinheiro sempre acaba ajudando”, concluiu.