Temer deixa para depois

13/06/2016                                                                                     

José Roberto de Toledo

 

Está cada vez mais claro que o único “rumo certo” do governo Temer é deixar de ser interino. Nada além do simbólico deve ser votado pelo Congresso Nacional até que o Senado julgue e impeça definitivamente Dilma Rousseff, o que não vai ocorrer antes de agosto. Até lá, nenhuma reforma importante ou decisão com impacto imediato sobre o equilíbrio das contas públicas deve acontecer - descontados os arroubos retóricos e promessas vãs.

O propalado corte de cargos em comissão das administrações direta e indireta ficou só na garganta, por enquanto. Em vez de eliminar 4 mil posições, o governo endossou a criação de três vezes mais do que isso, para depois dizer que não iria preenchê-las. Disse também que iria nomear apenas pessoas com preparo e experiência técnica para as empresas estatais, mas acabou se desdizendo logo em seguida. Os novos limites para o gasto público nem foram implementados e já têm prazo para acabar.

Na prática, o que faz o presidente em exercício Michel Temer e seu ministério é administrar expectativas até que possa se tornar definitivo. Faz reuniões a granel com empresários, sindicalistas e, acima de tudo, deputados e senadores - se atendo ao diagnóstico de que o que derrubou Dilma não foi tanto a sua inépcia econômica quanto a falta de salamaleques com os parlamentares. Assim, na base do cafezinho, do sorriso e do tapinha nas costas o interino vai esperando agosto chegar.

Enquanto o braço administrativo atua no campo simbólico à espera das condições que julga ideais para começar a governar de fato, a mão silenciosa do governo interino age de todas as maneiras para evitar que as indiscrições da Lava Jato e as ações do Ministério Público destruam a teia peemedebista que envolve o Estado brasileiro desde o governo Sarney. Enquanto a mão age em silêncio, a boca tenta distrair o público falando o oposto.

O comportamento esquizofrênico fica mais evidente na relação com o presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha. Todos os seus indicados para o governo federal foram nomeados e mantidos mesmo após seu afastamento. O governo não teve coragem de bancar a destituição de seu substituto, um drone cunhado pela prepotência de quem se sabe fora do alcance de retaliações. Mais do que isso, ajudou nas manobras para evitar a cassação de Cunha.

O ex-ministro Romero Jucá foi flagrado conspirando contra a Lava Jato, mas continua frequentando cerimônias palacianas, sentando-se na primeira fila e cultivando a ideia de que pode ter perdido o foro privilegiado, mas continua teleguiando decisões no Planejamento e onde mais seus bigodes estavam antes da demissão.

Ao mesmo tempo, políticos da cozinha de Temer tentam fazer crer que as instituições estão funcionando graças ao chefe e ao PMDB. Como se o presidente afastado da Câmara, o presidente réu do Senado, os ministros no alvo da Lava Jato e aqueles que tiveram sua prisão pedida pelo procurador-geral, Rodrigo Janot, não fossem os avalistas principais do governo e do presidente interino.

Usam a própria incompetência para abafar a Lava Jato até agora como propaganda do bom funcionamento do sistema político. Tudo isso alegadamente graças ao PMDB e seus caciques - os mesmos que estão implicados, junto com petistas, no coração do esquema.

O problema de Temer adiar o começo do governo para agosto é que o julgamento de Dilma vai coincidir com a Olimpíada, e, depois dos Jogos, virão as eleições municipais, e, depois das eleições, vem o recesso. Sempre haverá uma desculpa para deixar as decisões difíceis para mais adiante. Enquanto isso, a Lava Jato - se alguns ministros do Supremo deixarem - deve continuar provocando pesadelos e sobressaltos em Brasília.

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Governo não encampa medidas anticorrupção

13/06/2016

 

Apesar do discurso em defesa da Operação Lava Jato, o governo do presidente em exercício Michel Temer resiste a encampar as dez medidas de combate à corrupção defendidas pelo Ministério Público Federal com o apoio de 2 milhões de assinaturas. Na esteira das investigações dos desvios na Petrobrás, o pacote - que contém 20 propostas legislativas - foi apresentado como projeto de iniciativa popular na Câmara há dois meses, mas está parado na Casa, à espera da criação de uma comissão especial.

As medidas contam com o apoio do juiz federal Sérgio Moro e dos procuradores da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba. “Essas propostas são de iniciativa popular e não foram apresentadas pelo Executivo. No momento, nossa prioridade é a pauta econômica”, afirmou André Moura (PSC-SE), líder do governo na Câmara e aliado do presidente afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), alvo da Lava Jato.

A criação da comissão especial depende de uma decisão do presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), que não tem exercido suas funções de fato. “Isso dificulta tudo ainda mais”, disse Moura.

Em meio à falta de empenho para se avançar nas discussões, o presidente da Frente Parlamentar Mista de Combate à Corrupção, deputado Mendes Thame (PV-SP), tentou se reunir na quinta-feira com Maranhão para cobrar a instalação do colegiado.

O parlamentar não foi recebido. Na saída, se queixou da falta de interesse da Casa e do Executivo: “É preciso um maior comprometimento e celeridade. Este projeto é de extrema importância para tampar os buracos legais”.

Publicamente, Temer e os ministros com gabinete no Palácio do Planalto têm afiado o discurso em favor da Lava Jato. Sobretudo após a queda de dois integrantes da Esplanada exatamente por causa das investigações. Com apenas 18 dias de governo, Romero Jucá (Planejamento) e Fabiano Silveira (Transparência) pediram demissão após a divulgação dos áudios gravados pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado.

 

Desconhecimento. Segundo o ministro Eliseu Padilha (Casa Civil), o assunto não foi discutido com Temer, mas houve uma conversa informal entre os ministros para avaliar as dez medidas.

“Isso ainda não está no governo, houve apenas uma reunião entre os ministros que lidam com a política, o ministro Geddel Vieira Lima (ministro-chefe da Secretaria de Governo) e aqueles indicados pelos partidos, que começam a avaliar qual é a reação dentro dos partidos para a aprovação no Congresso. O que se viu é que algumas medidas teriam certamente apoio de toda a classe política, outras teriam de ser adequadas.”

Como o debate não avançou, Padilha afirmou que não poderia adiantar quais são as medidas que têm maior simpatia das legendas e disse que o governo tem outras prioridades no momento. “Claro que vamos tratar disso. Mandei levantar as matérias”, afirmou Geddel, responsável pela articulação política com o Congresso.

“Falta um ato burocrático do presidente interino da Câmara para que o ato normativo de criação da comissão mista possa ser lido em plenário e as lideranças possam indicar os membros”, reclamou o procurador Roberson Pozzobon, da força-tarefa da Lava Jato.

 

O Estado de São Paulo, n.44799, 13/06/2016. Política/ José Roberto de Toledo, p. A6