O Estado de São Paulo, n. 44800, 14/06/2016. Política, p. A5

Disputa sobre mandato de Cunha avança para a CCJ

Aliados do deputado confiam na rejeição do parecer pela cassação no Conselho de Ética e batalha deve ser transferida para a comissão

Por: Daiene Cardoso e Igor Gadelha

 

Em um processo que se arrasta há 225 dias, o Conselho de Ética da Câmara se reúne hoje para decidir o destino político do deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Os aliados do peemedebista estão confiantes de que o pedido de cassação poderá ser rejeitado com a ajuda da deputada Tia Eron (PRB-BA) e adversários já admitiam ontem essa possibilidade, motivo pelo qual buscam alternativas para que o réu na Operação Lava Jato perca o mandato. Independentemente do resultado no colegiado, os grupos já se preparam para o confronto na próxima instância: a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

“Não temos mais o que fazer no Conselho”, disse Julio Delgado (PSB-MG), um dos que mais operaram pela cassação de Cunha. Sua avaliação era semelhante à de aliados do deputado afastado, que dão como certo que a maioria do colegiado vai derrotar o parecer pela cassação e aprovar o voto em separado do deputado João Carlos Bacelar (PR-BA), que pede a suspensão do mandato do peemedebista por três meses.

“Estou confiante de que a nossa tese será vitoriosa”, disse o vice-líder do PMDB, Carlos Marun (MS). Após a votação no conselho, Marun afirma que vai procurar Cunha para pedir que renuncie ao cargo de presidente da Câmara. Com a renúncia, seus aliados acreditam que será mais fácil negociar um acordão para salvar o mandato do peemedebista. “Como tenho estado na linha de frente dele no Conselho de Ética, me sinto credenciado para ter essa conversa, que pode ser difícil, mas é necessária”, afirmou Marun.

No conselho, Cunha é alvo de processo por quebra de decoro parlamentar, sob acusação de mentir à CPI da Petrobrás em 2015 ao dizer que não possuía contas secretas no exterior. O peemedebista está afastado da presidência da Câmara desde 5 de maio por decisão do Supremo Tribunal Federal.

 

Rito. Qualquer que seja o resultado, os dois lados já se preparam para a disputa na CCJ. Com a aprovação de uma eventual suspensão do mandato, a “tropa de choque” de Cunha afirma que o foco dele será aprovar na comissão uma consulta que altera o rito de votação do processo disciplinar no plenário. Caso a proposta seja aprovada e acatada pelo presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), Cunha evita que a suspensão seja modificada no plenário por uma pena mais dura: a cassação.

Composta por 66 deputados titulares, a CCJ é a principal comissão da Casa e reúne, em sua maioria, políticos experientes. “Aquela consulta não passa na CCJ. Lá é um pessoal mais independente, mais gabaritado, ex-governadores, ex-prefeitos de capitais, juristas. Acho muito difícil juristas se dobrarem”, disse o presidente do conselho, José Carlos Araújo (PR-BA).

O esforço do grupo contrário ao peemedebista é manter o atual rito de votação, que prevê em última instância a apreciação da representação original que, neste caso, pede a perda do mandato. Pelo número de titulares na CCJ, deputados se dividem sobre quem teria maioria no colegiado. Os dois lados consideram que a disputa na comissão será crucial na definição do futuro de Cunha. Da CCJ, o processo seguirá para o plenário e, como o voto final é aberto, dificilmente o peemedebista teria como escapar da cassação devido à pressão popular.

No plenário, são necessários 257 votos para que a cassação de Cunha seja aprovada. Hoje, pelo menos nove partidos têm posição declarada a favor da cassação do peemedebista: PT, PC do B, PDT, Rede, PSOL, DEM, PSDB, PSB e PPS. Juntos, eles somam 218 deputados. Pelas contas dos opositores, os 39 votos necessários para alcançar os 257 podem vir facilmente dos dissidentes do Centrão, que soma cerca de 220 parlamentares.

Os conselheiros que pregam a punição mais severa a Cunha sondaram ontem o relator Marcos Rogério (DEM-RO) sobre a possibilidade dele aceitar um aditamento ao parecer. Os deputados querem incluir no relatório final as novas denúncias contra o peemedebista, entre eles o depoimento da própria mulher dele, Cláudia Cruz, a delação premiada do ex-vice-presidente da Caixa Econômica Federal, Fábio Cleto, apontando a participação do parlamentar em um esquema de pagamento de propina em troca de liberação de verbas do fundo de investimentos do FGTS, além de novos documentos que serão encaminhados hoje pelo Banco Central. O relator avisou que analisará a proposta.

 

Tia Eron. Voto de minerva no processo contra Cunha no Conselho de Ética, a deputada Tia Eron (PRB-BA) optou pelo isolamento nos últimos dias. Com quem conversou, disse que vai participar hoje da votação do parecer que pede a cassação de Cunha, mas não adiantou como votará. Um dos poucos a conversar com ela no fim de semana foi o deputado e pré-candidato à Prefeitura de São Paulo, Celso Russomanno (PRB-SP). “O pessoal pega pesado”, afirmou.

Ele disse que apontou para a deputada as consequências políticas do seu voto e enfatizou que o parecer do deputado Marcos Rogério (DEM-RO) não deixa dúvidas sobre a quebra de decoro parlamentar.

 

Advogado de Renan

O advogado Eugênio Pacelli deixou ontem a defesa de Renan Calheiros (PMDB-AL). Ele era responsável por representar o presidente do Senado nos inquéritos da Lava Jato e em outros.

 

PARA ENTENDER

Os próximos passos na Casa se o parecer pela cassação for aprovado:

Cunha tem 5 dias úteis para recorrer à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). A comissão não analisa o mérito do que foi aprovado pelo Conselho de Ética, só discute vícios regimentais apontados pelo representado. Assim que o recurso chegar à CCJ, ele tranca a pauta e um relator será nomeado para apresentar um parecer sobre os questionamentos. Se a comissão entender que houve algum erro de procedimento, pode solicitar ao Conselho de Ética que o corrija. Se o recurso for rejeitado, o processo segue para o plenário.

 

Se o parecer pela cassação for rejeitado:

Presidente do Conselho de Ética designa na hora novo relator entre integrantes do colegiado que votaram contra o parecer. Ele deverá apresentar um parecer com uma pena mais branda para ser votado na sequência ou solicitar que seja marcada sua votação para outro dia.

 

Proposta na CCJ:

A CCJ vai votar projeto sobre novo rito de cassação de mandatos. Considerada “pró-Cunha”, proposta diz que cabe emenda à decisão do conselho desde que não prejudique o representado. E determina que, se rejeitada no plenário, não pode ser apreciada a representação original do conselho.

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Órgãos relacionados:

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Procuradoria quer fim dos direitos políticos do deputado por 10 anos

Ação civil pública pede ainda que Cunha devolva R$ 80 mi e sua mulher R$ 17 mi; peemedebista diz que medida é absurda
Por: Mateus Coutinho / Julia Affonso / Ricardo Brandt

 

Em ação civil de improbidade administrativa ajuizada ontem, o Ministério Público Federal cobra R$ 80,67 milhões do presidente afastado da Câmara Eduardo Cunha e mais R$ 17,8 milhões da mulher dele, Cláudia Cruz. Além disso, os procuradores querem a suspensão dos direitos políticos de Cunha por dez anos.

O valor cobrado do casal corresponde ao suposto acréscimo patrimonial ilícito de Cunha e de Cláudia e ao ressarcimento de dano causado ao erário na compra de campo de petróleo em Benin, na África, em 2011 – negócio que teria sido feito com uma propina de US$ 10 milhões, parte repassada a Cunha.

Na ação, a Procuradoria da República pede a condenação do peemedebista às sanções da Lei de Improbidade, daí o pedido de suspensão dos direitos políticos por 10 anos. Os procuradores pedem ainda a indisponibilidade de bens e valores dos acusados – além do casal Cunha, são citados o ex-diretor de área Internacional da Petrobrás, Jorge Zelada, o lobista João Augusto Rezende Henriques, apontado como operador do PMDB no esquema de propinas na estatal petrolífera, e o empresário português Idalecio de Oliveira, todos supostamente envolvidos no negócio da África.

Embora Cunha ainda tenha mandato e, com isso, a prerrogativa de ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal, como se trata de ação civil (que não leva à prisão, mas a punições como multa e perda de direitos políticos), o caso pode tramitar em primeira instância independentemente do foro do réu.

Em nota, Cunha afirmou que os procuradores, “na ânsia de gerar fatos, sempre às vésperas do Conselho de Ética, agora propõem ação civil pública por ato de impropriedade administrativa”.

“A absurda ação não poderia jamais ser proposta contra quem não praticava atos na Petrobrás.” Cunha afirmou que vai recorrer da decisão.

O Estado não localizou a defesa dos demais acusados.

A Lava Jato pediu às autoridades portuguesas que localizem Oliveira a fim que ele constitua advogado para responder às acusações em Curitiba. /JULIA AFFONSO, RICARDO BRANDT, MATEUS COUTINHO e FAUSTO MACEDO

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