O Estado de São Paulo, n. 44800, 14/06/2016. Política, p. A6

Interinidades sem fim

Por: Eliane Cantanhêde

 

Eduardo Cunha e Dilma Rousseff continuam um na cola do outro e, se não houver novas prisões ou novos pedidos eletrizantes da Procuradoria, eles serão os personagens principais da semana.

É hoje o dia D do Conselho de Ética, derradeiro reduto de Temer para tentar sobreviver. E será amanhã o julgamento das contas de Dilma em 2015 pelo Tribunal de Contas da União, que não é nada amistoso.

Cunha e Dilma vão ambos caminhando para um cada falso que parece inexorável. Nenhum dos dois tem para onde correr, um cerceado por contas e gastos astronômicos da família, a outra limitada pelos crimes de responsabilidade na gestão orçamentária e pelos três anos seguidos de recessão, o pior desempenho da história brasileira.O cerco a Cunha enfrenta muitas armadilhas, mas está, enfim, se fechando.

A Suíça mandou pilhas de provas. A Procuradoria apresentou a terceira denúncia contra ele. O Supremo autorizou o terceiro inquérito para investigá-lo na Lava Jato. O juiz Sérgio Moro transformou em ré sua mulher, Cláudia Cruz.

Sobrava-lhe a Câmara, mas também ela começa a lhe faltar. O PT e o PSDB, que se opõem frontalmente contra e a favor do impeachment de Dilma, recuperaram algum senso de pragmatismo e discutem um basta para Cunha e para essa agonia sem fim. O Centrão, que reúne os partidos mais conservadores (e suscetíveis aos “argumentos” de Cunha),também está lhe puxando o tapete.

No Planalto, o presidente em exercício Michel Temer continua em cima do muro, mas o entorno dele já jogou a toalha: Cunha foi muito útil para o impeachment, mas transformou-se num estorvo na interinidade. Tudo gira em torno de sua cassação e, assim, ele paralisa a pauta, inviabiliza o debate político, deixa em segundo plano o início da agenda econômica.

Cunha, portanto, está por um fio, pendurado na tal Tia Eron, deputada do PRB da Bahia. Se ela aparecer, se ela votar contra ele e se a votação no Conselho de Ética for até o fim, o plenário selará a cassação. E a renúncia? Cunha tem um argumento poderoso: se renuncia, ele perde o foro privilegiado e vai cair com a mulher, e provavelmente com a filha, no colo do juiz Moro.

Quanto a Dilma, que vai ficando cada vez mais isolada no Alvorada, asfixiada por decisões que ora têm sentido na administração pública, ora se apoiam na mais pura mesquinharia: sem avião, sem helicóptero, sem boca livre, sem clipping de notícias e com menos assessores. Ela vai sobrevivendo à custa de intermináveis depoimentos e sessões no Senado, mas deve perder amanhã mais uma vez no TCU. E uma coisa alimenta a outra.

Não bastassem as 17 irregularidades apontadas pelo tribunal nas contas do seu governo em 2015, o jornal O Globo informa que o Ministério Público de Contas acaba de identificar mais quatro medidas provisórias que criaram gastos extras de R$ 49,6 bilhões naquele ano. Além de comprovarem a gastança, as MPs não levaram em conta critérios essenciais de urgência, imprevisibilidade ou calamidade.

Então, Cunha deve perder hoje, Dilma tem tudo para perder amanhã e... ainda assim a luta continua. Ele ainda vai tentar a Comissão de Constituição e Justiça, enquanto Waldir Maranhão vai se agarrando à cadeira e às mordomias. E ela ainda vaia guardar o julgamento final do Senado, enquanto Temer temos movimentos cerceados e a economia não deslancha. Essas interinidades sem fim só atravancam o progresso, como diria o outro.

 

Medo 1. A Frente Parlamentar de Combate à Corrupção exige hoje de Maranhão a instalação de uma comissão especial para o projeto do MP contra a roubalheira que teve dois milhões de assinaturas e está parado no Congresso. Por que será?

 

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Órgãos relacionados:

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Deputado e família no roteiro da realeza

‘Estado’ visita hotéis de luxo e restaurantes pelos quais peemedebista, mulher e filha passaram
Por: Jamil Chade / Andrei Netto

 

Do alto do morro de Adlisberg, a vista da cidade de Zurique e dos Alpes é de cartão-postal.

No local, impera o Grand Hotel Dolder desde 1899, decorado com obras de Salvador Dalí e Andy Warhol. Além de ter sido cenário do filme A Garota com Tatuagem de Dragão, de David Fincher, o hotel já hospedou Henry Kissinger, Winston Churchill, Liz Taylor, Luciano Pavarotti, Hillary e Bill Clinton, o príncipe William, David Cameron e o deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Além do Dolder, o peemedebista também já descansou a cabeça e o corpo em vários outros hotéis de luxo da Europa.

Parte de despesas de passeios pelo velho continente foram pagas com propina do esquema de corrupção da Petrobrás, segundo denúncia da Procuradoria-Geral da República acatada pela Justiça Federal contra a mulher do deputado, a jornalista Cláudia Cruz. A PGR sustenta que ela usou recursos ilícitos para cobrir elevadas despesas com luxos comprados no exterior, incluindo as hospedagens. O Estado foi conhecer alguns locais escolhidos pelo casal.

No dia 12 de fevereiro de 2013, por exemplo, a conta do réu e da ré da Operação Lava Jato foi de US$ 1.043,40 no Dolder. O casal usou o cartão Corner Card. O dinheiro de desvios na estatal teria sido transferido para a conta Kopek, em Genebra. No dia seguinte à estada no Dolder, Cunha foi para outro hotel de Zurique, o Baur au Lac, com uma conta maior: US$ 3,6 mil. O local, dois anos depois, seria o mesmo palco da operação policial conduzida pelos suíços que terminou com a prisão de outro brasileiro acusado por corrupção: José Maria Marin, o ex-presidente da CBF.

 

Primavera. Outro sinônimo de sofisticação foi desfrutado por Cunha já no mês seguinte, quando as flores desabrocham, só que na Espanha. OW. Barcelona já recebeu nobres do Oriente Médio, como o Rei Abdala II da Jordânia e a rainha Rania. No dia 25 de março, sua conta no local foi de US$ 3,5 mil. No mesmo mês do ano seguinte, novamente sob o perfume da primavera, a família Cunha pagou US$ 4,9mil para se hospedar em um dos hotéis mais caros da Itália, o Danieli, em Veneza. No Four Seasons, em Florença, Cunha deixou US$ 2,7 mil.No Raphael, em Roma, a conta ficou mais barata, US$ 1,9 mil, no dia 3 de março de 2014.

 

Estrelados. Paris também foi bem explorada pelo casal Cunha. Em fevereiro de 2015, no auge da Lava Jato, Cunha, Cláudia e sua filha escolheram o Plaza Athénée, um palácio francês frequentado pelas maiores fortunas do mundo.

A família pagou a fatura no dia 19 de US$ 15.880,26.

No restaurante do hotel, uma refeição pode chegar a ¤ 390. Cinco dias antes, a rotina gastronômica começara no Guy Savoy, um restaurante à beira do Rio Sena, com três estrelas no Guia Michelin. Valor: US$ 1.357,24.

No dia seguinte, a família resolveu pagar menos. Em 15 de fevereiro, o gasto foi de US$ 965,69 no Les Tablettes – Jean-Louis Nomicos, de só uma estrela no Michelin, situado no 16.º Distrito de Paris, um dos mais elitistas da capital. Na véspera de partir, no dia 18, o trio voltou a escolher um três estrelas, o Le Grand Véfour: US$ 1.177,76.

Entre almoços e jantares, Cláudia e a filha conseguiram encaixar compras em lojas de luxo. Na Louis Vuitton, deixaram US$ 1.482,11.

O dia seguinte, 16, foi intenso: US$ 8.111,79 na Ermenegildo Zegna, situada na Rue du Faubourg Saint-Honoré, perto do Palácio do Eliseu; US$ 2.879,51 na Chanel; US$ 6.537,77 na Charvet Place Vendôme; outros US$ 1.676,65 na Hermès; e US$ 960,58 na Balenciaga. Total do dia: US$ 20.166,30. Dois dias depois, Cláudia voltou à Chanel: mais US$ 1.178,11.

Já em Cascais, em Portugal, Cunha soube o queé dormir em um palácio real, tal como diz o slogan do Grande Real Villa Hotel, em 22 de fevereiro de 2015. Por isso, deixou US$ 2,9 mil aos súditos.

 

GASTOS

● Segundo o Ministério Público Federal, despesas do deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) em viagens pela Europa foram pagas com dinheiro de propina do esquema na Petrobrás