O Estado de São Paulo, n. 44791, 05/06/2016. Economia, p. B3

A rotina de um ‘príncipe’ no cárcere

Marcelo Odebrecht passa os dias preparando sua defesa e delação deve ser a cartada final

Por: Ricardo Brandt

 

O mais rico e poderoso dos presos da Lava Jato parece resignado. Às vésperas de completar um ano de prisão e com negociação por acordo de delação premiada iniciado, Marcelo Bahia Odebrecht age como se só agora entendesse o recado subliminar do nome da fase da operação que o colocou atrás das grades: Erga Omnes – do latim “vale para todos”.

Na cela de 12 metros quadrados da Custódia da Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, sem luz no teto e um buraco de latrina no chão, algumas convicções que Marcelo sustentou publicamente perderam solidez. “Para dedurar tem de ter o que dedurar”, disse a deputados da CPI da Petrobrás, três meses após ser preso, no dia 19 de junho de 2015.

Desde quarta-feira, o presidente afastado do Grupo Odebrecht passou a negociar formalmente com procuradores da República aquilo que pode “dedurar” no esquema de corrupção na Petrobrás. Parte de uma estratégia de defesa que ele mesmo concebeu – sobretudo nos últimos três meses, depois que voltou para a carceragem da PF, com a prisão do marqueteiro do PT João Santana.

Sobre o colchão fino na cama de concreto, Marcelo passou e repassou orientações aos advogados – uma banca de notáveis encabeçada pelo criminalista Nabor Bulhões.

Nos tribunais, as arguições montadas partindo de suas diretrizes foram caindo uma a uma – e com elas a convicção de que alguém rico e tão próximo do poder não fica preso no Brasil. Enquanto isso, na 13.ª Vara Federal em Curitiba, novos pedidos de prisões foram autorizados – pelo menos um deles em resposta à atuação agressiva e de confronto com as investigações. “Ele nunca deixou de acreditar que porque é rico e poderoso sairia logo da cadeia”, disse uma autoridade, em reservado.

 

Cárcere. Marcelo é o único empresário do grupo “VIP” de empreiteiras acusadas de cartel ainda preso em Curitiba. Transformou a cela – que divide com três outros presos – em academia, escritório e biblioteca.

Duas rotinas obsessivas tomam os seus dias: escrever e exercitar-se. Como os demais presos, Marcelo tem direito a uma hora de sol por dia na custódia da PF. As celas não têm luz, só a do corredor, nem TV, nem rádio. As visitas da família são às quartas-feiras – a irmã e a mulher são as mais frequentes.

A maior parte do período de cárcere, “o príncipe” – como passou a ser tratado pelos demais presos – ficou detido no Complexo Médico-penal, em Pinhais, na região metropolitana de Curitiba.

Na unidade, administrada pelo Estado, Marcelo virou o interno 118065, um dos presos do Pavilhão 6 – que no fim de 2014 passou a abrigar a população crescente de encarcerados de colarinho branco.

Perto das acomodações da carceragem da PF, o presídio médico é um “paraíso”, contam os presos que já passaram para regime domiciliar. O espaço é maior, o banho de sol não é restrito a uma hora diária e o uso de televisores e rádios é liberado. Há ainda regalias como a permissão para entrada de alimentos especiais.

Marcelo voltou à carceragem da PF por causa da negociação da delação, mas graças a uma decisão do juiz da Lava Jato, que aceitou um ofício encaminhado pela defesa em que uma médica particular atestou que o “príncipe” estava com saúde “preocupante”, o retorno não foi tão ruim. Marcelo obteve direito a uma dieta especial fortalecida com frutas secas, biscoitos e torradas sem glúten.

 

Negócio. Forjado pelo avô Norberto Odebrecht e pelo pai, Emílio, a assumir o império empresarial construído pela família, Marcelo tem em seu portfólio negociações bilionárias que levaram o grupo à sua era de ouro – nos governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

Mas, longe do comando das empresas há um ano, seu principal negócio hoje é obter com a Procuradoria da República uma redução da pena – quem sabe, voltar para casa, como fizeram outros empresários delatores.

Aos 47 anos e depois de passar aniversário, Natal e réveillon de 2015 na cadeia, Marcelo foi condenado no mês passado pelo juiz federal Sérgio Moro a 19 anos de prisão. Há ainda outras duas ações penais em andamento na Lava Jato e outras a caminho. O cenário obrigou o empresário a dar sua cartada final.

O conteúdo da delação-bomba pode determinar os rumos da Lava Jato e do Grupo Odebrecht. Marcelo Bahia Odebrecht não é só mais um preso – entre os 157 – da Lava Jato. É o maior troféu para os investigadores da força-tarefa criada em 2014 para desmontar o estruturado e bilionário esquema de cartel e corrupção na Petrobrás.

“A lei deve valer para todos ou não valer para ninguém”, disse o procurador da República Carlos Fernando de Santos Lima, da força-tarefa da Lava Jato, no dia da prisão de Marcelo.

 

UM ANO NO SUFOCO

 

2015

 

JUNHO -DIA 19

Marcelo Odebrecht e outros três executivos são presos

JULHO - DIA 7

Agroindustrial relata prejuízo de R$ 1,19 bi na safra 2014/2015

AGOSTO

Banqueiros começam a travar crédito, aumentando exigências

SETEMBRO - DIA 1º

Marcelo diz na CPI da Petrobrás que não fará delação

DIA 25

Petrobrás encerra contrato com sonda da Odebrecht Óleo e Gás

OUTUBRO

Área de Defesa busca comprador para Mectron

DIA 27

Empresa conquista contrato de US$ 1,72 bi para construir metrô em Quito

DEZEMBRO - DIA 10

Odebrecht anuncia saída de Marcelo Odebrecht do cargo de presidente da holding. Newton Souza é efetivado no cargo

 

2016

FEVEREIRO

Braskem anuncia lucro de R$ 3,1 bi

Odebrecht negocia para evitar calote em bônus

DIA 22

Deflagrada operação Acarajé que vasculha empresa

MARÇO

DIA 08

Marcelo condenado a 19 anos de prisão

DIA 22

Operação Xepa revela área para pagamento de propinas

DIA 23

Empresa anuncia delação definitiva

ABRIL

DIA 1º

Presidente anuncia venda geral de ativos para arrecadar R$ 12 bi

MAIO

DIA 1º

Odebrecht atrasa balanço porque não entra em acordo com auditor sobre como registrar efeito Lava Jato

DIA 10

Empresa deixa de pagar outorga do Galeão

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‘Tudo o que a gente quer é virar a página’

Funcionários depositam todas as esperanças nos acordos de delação e de leniência a serem firmados pela empresa
Por: Alexa Salomão / Josette Goulart

 

Trabalhar no Grupo Odebrecht sempre foi como entrar para uma grande família. Não à toa, a empresa se gabava de ter como política para novas contratações a indicação feita pelos próprios funcionários. Se fosse parente, melhor ainda. E foi como família que a corporação enfrentou a prisão de Marcelo Odebrecht. Um sentimento de injustiça se abateu sobre todos, que se uniram para combater o inimigo externo que tentava acabar com a reputação da família. No fim do ano, a tradicional festa foi abolida. Não havia o que comemorar.

A cada nova notícia, a empresa negava “veemente” qualquer acusação. Mas a Lava Jato foi adentrando a empresa, levando seus principais executivos. Foram mais de uma dúzia de executivos. Em fevereiro deste ano, os funcionários, já ressabiados, passaram a se questionar e questionar a empresa.

Era dia 22, quando a Operação Acarajé foi acionada para prender o BJ, Benedicto Barbosa da Silva Júnior, diretor-presidente da construtora. Com ele veio à tona a “planilha da Odebrecht”: uma lista de mais de 200 políticos e de valores a eles repassados. Alguns apelidos viraram piada nacional, como “Passivo”, para o ex-ministro da Casa Civil Jaques Vagner, ou Viagra para o deputado do PMDB de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos. Tinha ainda o “Caranguejo”, em referência a Eduardo Cunha, que foi presidente da Câmara dos Deputados. Na Odebrecht, porém, a lista causou desconforto.

Ainda na Acarajé, causou estranhamento entre os funcionários a prisão da secretária Maria Lúcia Tavares. Um mês depois veio a revelação, com a Operação Xepa. Maria Lúcia estava há seis anos no Setor de Operações Estruturadas que, segundo os investigadores, nada mais era do que “um departamento da propina”, comandado por Hilberto Mascarenhas Alves da Silva Filho, executivo da holding. O moral da turma se abalou. “Até certo ponto, eles entendiam que faziam parte do jogo empresarial algumas irregularidades, mas a propina institucionalizada os pegou de surpresa”, diz um ex-executivo do grupo. As cobranças para a direção, já esfacelada, chegaram a galope. No dia seguinte à Xepa, a Odebrecht decidiu anunciar oficialmente que faria “a delação premiada definitiva” e um acordo de leniência em que a empresa e seus executivos presos, incluindo o líder Marcelo Bahia Odebrecht, entregariam todo e qualquer esquema que a empresa tivesse participado.

Os funcionários agora depositam todas as suas expectativas no sucesso desses acordos. Esperam ver os financiamentos de volta para pagar as contas sem malabarismos ou que conquistem novos projetos para que os empregos também voltem. Esperam ainda poder a sentir orgulho da companhia e dizer que a empresa mudou seus padrões de governança, com os novos departamentos de compliance que começou a implantar. Um alto executivo do grupo resume bem o sentimento geral: “tudo o que a gente quer é virar a página”.

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