Ministro do STF rejeita pedido de prisão de Renan, Sarney e Jucá

Carolina Brígido e André de Souza

15/06/2016

 

 

O ministro Teori Zavascki, relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), negou nesta terça-feira o pedido de prisão feito pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra três integrantes da cúpula do PMDB: o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), o senador Romero Jucá (RR) e o ex-presidente da República José Sarney (PP). Ele também negou pedidos de busca e apreensão que seriam realizados nas residências e nos escritórios dos políticos.

Também nesta terça, Teori também deu prazo de cinco dias para que o presidente afastado da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), se manifeste sobre o pedido de prisão feito por Janot contra ele. Em um curto despacho, o ministro criticou o vazamento do pedido e determinou o fim do sigilo do caso. “Diante da indevida divulgação e consequente repercussão do pedido ora formulado, intime-se o requerido para, querendo, manifestar-se em até 5 (cinco) dias”.

As duas decisões foram tomadas em processos diferentes. As prisões de Renan, Jucá e Sarney foram pedidas com base em indícios surgidos a partir da delação do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado. Gravações ambientais feitas por Machado mostram tentativa do grupo de atrapalhar as investigações da Lava-Jato. Teori derrubou o sigilo da delação, a pedido do próprio Janot. A prisão de Cunha foi pedida por outro motivo. Segundo o procurador-geral, o parlamentar estaria tentando interferir no processo aberto contra ele no Conselho de Ética da Câmara. Nesta terça-feira, o Conselho de Ética aprovou parecer que pede a cassação de Cunha.

Teori negou as prisões porque, segundo ele, as supostas infrações dos políticos não configuram flagrante. A Constituição Federal confere imunidade parlamentar aos deputados e senadores, a não ser que haja flagrante delito. “Ao contrário do que sustenta o Procurador-Geral da República, nem se verifica — ao menos pelos elementos apresentados — situação de flagrante de crimes inafiançáveis cometidos pelos aludidos parlamentares, nem há suficiência probatória apta, mesmo neste momento processual preliminar, a levar à conclusão de possível prática de crimes tidos como permanentes”, escreveu o ministro.

O ministro também ponderou que, embora reprováveis, as condutas descritas não são graves o suficiente para justificar as prisões. “Por mais graves e reprováveis que sejam as condutas supostamente perpetradas, isso não justifica, por si só, a decretação da prisão cautelar”, escreveu.

Teori explicou que é preciso relativizar o fato de que as declarações de Renan, Sarney e Jucá foram dadas em contexto privado, sem a ciência de que estavam sendo gravados. “É fato que as gravações realizadas pelo colaborador revelam diálogos que aparentemente não se mostram à altura de agentes públicos titulares dos mais elevados mandatos de representação popular. Mas não se pode deixar de relativizar a seriedade de algumas afirmações, captadas sem a ciência do interlocutor, em estrito ambiente privado”, ponderou o relator.

Segundo o ministro, a prisão só se justifica “em situações em que ela for o único meio eficiente para preservar os valores jurídicos que a lei penal visa a proteger”. Teori explicou que, “fora dessas hipóteses excepcionais, a prisão preventiva representa simplesmente uma antecipação da pena, o que tem merecido censura pela jurisprudência desta Suprema Corte, sobretudo porque antecipa a pena para acusado que sequer exerceu o seu direito constitucional de se defender”.

Teori determinou o fim do sigilo da delação de Sérgio Machado e de seus três filhos — Daniel Firmeza Machado, Sério Firmeza Machado e Expedito Machado da Ponte Neto. O ministro destacou que o segredo de uma colaboração premiada é necessário para proteger o delator e pessoas próximas, e garantir o êxito da investigação. “No caso, todavia, a manifestação do órgão acusador (PGR) revela não mais subsistirem razões a impor o regime restritivo de publicidade”, escreveu Teori.

Janot pediu acesso a agendas; ordens e comprovantes de pagamento; documentos relativos à manutenção de contas no Brasil e no exterior, em nome próprio ou de terceiros; computadores e "quaisquer outros tipos de meio magnético ou digital de armazenamento de dados", como telefones e tablets.

Ao negar a busca e apreensão, o ministro criticou o pedido de Janot, baseado "exclusivamente no conteúdo das conversas gravadas pelo colaborador e em seu próprio depoimento". Assim, concluiu Teori, "apesar do esforço do Ministério Público em tentar extrair do conteúdo das conversas gravadas pelo próprio colaborador fundamentos para embasar a cautelar requerida, as evidências apresentadas não são suficientemente precisas para legitimar a medida excepcional".

A decisão de Teori também reproduz longos trechos do pedido de Janot. “O conteúdo dessas conversas revela a existência de um plano, em plena execução, para embaraçar a Operação Lava Jato. O plano tem uma vertente tática e outra estratégica, ambas de execução imediata. A vertente tática consiste no manejo de meios espúrios para persuadir o Poder Judiciário a, além de não desmembrar inquérito específico da Operação Lava Jato, a fim de que o investigado Sérgio Machado, que não é titular de prerrogativa de foro, não se tornasse, como se tornou, colaborador", escreveu Janot, segundo texto reproduzido na decisão do ministro Teori.

"A vertente estratégica se traduz na modificação da ordem jurídica, tanto pela via legislativa quanto por um acordo político com o próprio Supremo Tribunal Federal, com o escopo de subtrair do sistema de justiça criminal instrumentos de atuação que têm sido cruciais e decisivos para o êxito da Operação Lava Lato", concluiu Janot.

Os depoimentos da delação premiada de Sérgio Machado e dos três filhos foram prestados entre 4 e 11 de maio. No dia 13, a delação foi encaminhada a Teori para homologação. Os depoimentos descrevem “manobras dos senadores Renan Calheiros e Romero Jucá, bem como do ex-presidente José Sarney, para embaraçar a Operação Lava-Jato”, conforme escreveu o procurador-geral.

Na delação, Sérgio Machado revelou que o pagamento de propina aos caciques do PMDB totalizou R$ 71,7 milhões, como antecipou O GLOBO. Teriam sido repassados de forma ilegal, a partir de contratos da Transpetro, R$ 32,2 milhões para Renan; R$ 21 milhões para Jucá; e R$ 18,5 milhões para Sarney.

“Os Senadores Renan Calheiros, Romero Jucá e o ex-presidente José Sarney estão, tecnicamente, em estado de flagrância, uma vez que, em conjunto com José Sérgio de Oliveira Machado, além integrarem organização criminosa, estão executando meios para embaraçar, no plano da Operação Lava Jato, a investigação criminal que envolve a organização criminosa”, argumentou Janot no pedido de prisão.

Ainda segundo o procurador-geral, as negociações mostram que Sérgio Machado funcionou, enquanto presidiu a Transpetro, “como ponta-de-lança dessa organização”. Para Janot, ele tinha a função de “arrecadar e repassar em fluxo constante vantagens indevidas para os políticos que apoiavam sua investidura”.



O globo, n. 30263 , 15/06/2016. País, p. 7.