Meta fiscal de 2017 deve ser lançada com passivo realista

23/06/2016

O governo brasileiro poderá propor uma meta fiscal para 2017 quanto tiver em mãos uma melhor avaliação de seus passivos e principalmente da sua receita. Ainda que tenha sinalizado não estar em pauta a capitalização de estatais, como Banco do Brasil e Petrobras, a Caixa Econômica Federal poderá precisar de algum alívio financeiro. O portador da mensagem é o Eurasia Group, mas essa é uma questão que caberá ao presidente interino Michel Temer decidir com sua equipe econômica.

A maior consultoria de riscos políticos do mundo - presente em 90 países e que tem entre seus clientes bancos, investidores, agências governamentais e empresas - adotou um tom mais conservador em relação ao Brasil em sua análise sobre o acordo firmado entre o governo federal e governos estaduais em torno das dívidas que essas administrações têm com a União.

A avaliação do Eurasia para o Brasil não mudou, confirma o relatório distribuído nesta semana. A perspectiva segue 'positiva' no curto prazo e 'neutra' no longo prazo. A consultoria reconhece que o acordo é uma "boa notícia", uma vez que pode impedir um resultado potencialmente muito pior equivalente a uma perda para o governo federal estimada entre R$ 320 bilhões e R$ 380 bilhões.

O Eurasia esclarece que o custo desse acordo, que prevê moratória de seis meses, equivale a R$ 50 bilhões ou cerca de US$ 15 bilhões nos próximos três anos, mas atenua o risco de ocorrência de batalhas jurídicas entre o governo federal e os Estados. E lembra que uma das suas condicionalidades é incluir os Estados na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que congela osgastos nos níveis de 2016 - uma espécie de garantia para a União de que o Congresso Nacional, que deve votar a PEC, não seja suscetível a diluir o limite de gastos, sobretudo nas áreas de Saúde e Educação.

Do ponto de vista político, afirma o Eurasia, e considerando a resistência dos governadores em negociar, Michel Temer fez um acordo de "relativo sucesso" que ajuda a mitigar o risco fiscal decorrente de batalhas judiciais que poderiam ocorrer e a derrubar uma ação temporariamente suspensa no Supremo Tribunal Federal (STF) desde abril. A ação questiona a cobrança de juros compostos pela União e foi interrompida para dar espaço à formulação do entendimento que agora se confirma, ante a possibilidade real de a decisão final da corte [a favor de um Estado que reivindica o cálculo de sua dívida por juros simples] ser estendida a todos os Estados.

O acordo também reforça a percepção de que o governo interino tem uma estratégia diferente do anterior, que será "incrivelmente difícil" estabilizar a dinâmica da dívida pública brasileira no curto prazo e indica, ainda, que não é claro o tamanho do "rombo fiscal" das contas públicas do país. "Enquanto parte do custo do acordo das dívidas foi incluído no déficit primário deste ano - de R$ 170 bilhões - a negociação dá forte indicação de que o novo governo ainda não avaliou a dimensão da crise fiscal", afirma o relatório.

O Eurasia acrescenta que o acordo com os Estados e a recente decisão de aceitar uma ampla proposta de reajuste salarial são exemplos dos "esqueletos fiscais" que o governo Temer está disposto a assumir. "Consequentemente, o caminho para uma consolidação do Orçamento pode se mostrar mais instável do que antecipam os participantes do mercado financeiro."

A equipe econômica de Temer, avalia a consultoria, tem provado ser mais hábil em negociações de bastidores, em grande medida pela boa vontade que o governo interino tem com os líderes políticos centristas, "dispostos a ceder quando necessário". Há poucas semanas, cita o Eurasia, a disposição dessas lideranças foi demonstrada com a decisão da Câmara dos Deputados que aprovou um abrangente reajuste de salários.Os analistas entendem que essa abordagem é útil para lubrificar as engrenagens políticas do Congresso, mas aumenta a expectativa com o ajuste fiscal. "O governo adota essa postura esperando aprovar uma robustaredução de despesas em troca, embora reformas estruturais representem o grande desafio do momento."

 

Valor econômico, v. 16, n. 4032, 23/06/2016. Brasil, p. A3