Título: Choque em casos extremos
Autor: Araújo, Saulo
Fonte: Correio Braziliense, 15/10/2011, Cidades, p. 31

Algumas forças de segurança são autorizadas a portar armas não letais, mas, até agora, elas foram utilizadas somente em situações raras. GDF criou um grupo de estudo para decidir se agentes do Detran poderão usar o equipamento nas fiscalizações e blitzes.

O uso dos tasers por agentes do Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF) provocou uma grande discussão durante a semana, mas os equipamentos capazes de imobilizar uma pessoa em poucos segundos, por meio do choque elétrico, não são novidade na capital. Departamentos de segurança de diversas instituições públicas utilizam as armas não letais. No Congresso Nacional, por exemplo, o instrumento já foi empregado para reprimir uma invasão, em 2006. Na ocasião, cerca de 500 integrantes do Movimento pela Libertação dos Sem Terra (MLST) furaram o esquema de vigilância e, ao chegarem ao salão verde da Câmara dos Deputados, os manifestantes se deparam com vários policiais do Senado posicionados com as tasers em punho. Assustados, os sem-terra recuaram.

Outra força que adotou recentemente o taser foi a Polícia Rodoviária Federal. Desde o fim do ano passado, as operações em rodovias passaram a contar com o armamento chamado não letal. Mesmo realizando dezenas de blitzes por semana, em apenas cinco ocasiões os policiais foram obrigados a sacar o aparelho da cintura para conter motoristas exaltados. Apesar de ser considerado pelo fabricante como um instrumento eficaz no enfrentamento da violência, pesquisas internacionais mostram um número elevado de óbitos causados por tasers.

Somente nos Estados Unidos, pelas contas da organização não governamental (ONG) Anistia Internacional, 334 pessoas morreram entre 2001 e 2008 ao receberem a descarga. De acordo com o Detran, no entanto, um relatório do Instituto Nacional de Justiça dos Estados Unidos investigou cerca de 50 mortes que poderiam ter sido provocadas pelos tasers e concluiu que a arma não foi responsável pelos óbitos.

O chefe da Comunicação Social da PRF, inspetor Daniel Bonfim, explica que todos os agentes da corporação passaram por um rigoroso treinamento antes de manusearem os equipamentos. Para conhecer os efeitos que as ondas eletromagnéticas provocam em uma pessoa, os policiais, voluntariamente, aceitaram receber o choque. "Quase todos os agentes se submeteram ao teste. Eles puderam perceber que, apesar de ser uma arma de menor potencial ofensivo, não deve ser usada indiscriminadamente", afirmou Bonfim.

Ele ressalta que os instrutores orientam sobre os procedimentos que devem ser adotados na hora de tirar o taser do coldre. "O servidor, diante de uma situação em que se faça necessário o emprego do taser, deve evitar mirar no rosto ou na região pubiana, até porque os dardos disparados vão perfurar a pele da pessoa atingida e pode provocar queimaduras de até segundo grau. A recomendação é mirar no peito ou nas pernas."

Os homens responsáveis pela segurança dos parlamentares na Câmara dos Deputados também têm à disposição as armas de choque. O agente de Polícia Legislativa Alex Cruxen afirma que, desde 2008, quando as pistolas foram compradas, não foi preciso usá-las, o que prova, segundo ele, o caráter emergencial no emprego do armamento não letal. "É um instrumento de dissuasão, que deve ser usado como recurso extraordinário. Só vamos usar em caso de real ameaça, quando alguém tentar atacar um servidor com pau, pedra, ou qualquer objeto que coloque em risco a integridade dos funcionários da Casa", ressaltou.

Suspensão Os agentes do Detran do Distrito Federal esperavam testar os tasers nas ruas já no fim deste mês, mas na quinta-feira o governo anunciou a suspensão do plano, pelo menos até as autoridades da área avaliarem melhor os benefícios e prejuízos das armas de choque em blitze. O processo de compra dos 220 equipamentos teve início no governo-tampão de Rogério Rosso (PMDB) e custou US$ 176 mil (R$ 334 mil).

O Detran justifica a aquisição das pistolas elétricas como mais uma forma de inibir condutores agressivos. Levantamento da autarquia aponta que, a cada três dias, dois agentes são atacados verbal ou fisicamente nas ruas. De acordo com o diretor-geral do departamento, José Alves Bezerra, o taser pode servir mais para intimidar um eventual agressor. "O motorista que tem a intenção de agredir um agente sabe que ele não usará a arma de fogo, eventualmente apenas como um último recurso. Mas a arma não letal pode servir de desistímulo para um eventual agressor", explica.

Outro argumento defendido pela categoria é que as armas não oferecem risco à saúde. No entanto, o Conselho Regional de Medicina (CRM) contesta e promete recorrer à Justiça para impedir que os aparelhos sejam usados. A Ordem dos Advogados do Brasil — seção DF (OAB-DF) também ameaça entrar com ação, caso os instrumentos sejam utilizados pelo Detran.

Os simpáticos à ideia se baseiam na Portaria Interministerial nº 4.226, aprovada no apagar das luzes do governo Lula, em 31 de dezembro de 2010. Ela estabelece novas diretrizes sobre o uso da força pelos servidores da área de segurança pública em todo o território nacional. Um dos artigos diz que todo agente que "em razão da sua função, possa vir a se envolver em situações de uso da força, deverá portar no mínimo dois instrumentos de menor potencial ofensivo e equipamentos de proteção necessários à atuação específica, independentemente de portar ou não arma de fogo".

As regras mencionadas na portaria valem para as entidades federadas descritas no artigo 144 da Constituição Federal. O detalhe é que a Carta Magna não coloca os Departamentos de Trânsito no rol das instituições de segurança pública. Portanto, no entendimento de vários especialistas, os agentes do Detran nem mesmo poderiam andar armados. Hoje, por força de lei distrital, todos os fiscais têm posse de arma de fogo.

Regras A Secretaria de Segurança Pública do DF criou um grupo constituído por representantes do Detran e das polícias Civil e Militar para que discutam a utilização dos tasers adquiridos nos Estados Unidos. Além disso, o governo defende uma regulamentação, por meio de uma lei, que vai definir quem e como poderá ser usado esse tipo de arma chamada de não letal.