Teto de despesas teria tirado R$ 1,8 trilhão do Orçamento desde 2007

23/06/2016

Se já estivesse em vigor, a proposta de emenda à Constituição (PEC) pela qual o governo pretende fixar um teto para os gastos públicos teria exigido corte de despesas de R$ 430,3 bilhões no Orçamento da União do ano passado e de R$ 1,82 trilhão desde 2007.

É o que mostra um estudo da Diretoria de Análise de Políticas Públicas (Dapp/FGV) que refaz a trajetória das despesas da União, caso a regra estivesse valendo desde 2007, ou seja, há nove anos, mesmo período de vigência previsto na PEC. A proposta prevê que o teto valha por 20 anos, mas permite revisão a partir do nono ano.

A PEC estabelece que a despesa pública não pode crescer acima da inflação do ano anterior, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O estudo, de acordo com a Dapp, tem por objetivo fazer uma simulação do impacto da PEC a partir de dados já conhecidos, e não em projeções que até o momento se baseiam em "chutes".

O corte de R$ 430,3 bilhões teria representado redução de 31,8% da despesa primária total de 2015 e 19,6% do total do orçamento (que inclui as despesas financeiras). Ou 7,3% do Produto Interno Bruto (PIB) do ano passado.

No acumulado do período, desde 2007, as diferenças, para cada ano, entre a despesa primária obrigatória verificada e a despesa primária total estimada, caso o teto estivesse em vigor, são de R$ 1,82 trilhão, a preços de 2015. O montante representa 30,8% do PIB do ano passado. A simulação parte de uma premissa conservadora, pois mostra que o teto de gastos está em "tensão" com, no mínimo, a despesa que é obrigatória.

Para o diretor da Dapp, Marco Aurélio Ruediger, a PEC não estabelece ainda, na prática, como se pretende lidar com a redução de despesas obrigatórias, isto é, gastos não passíveis de cortes por disposições legais, caso de grande parte da despesa com pessoal.

Ruediger destaca que a despesa obrigatória observada no estudo é maior do que seria o total da despesa se valesse o teto, tanto no universo da despesa primária total quanto em pastas como previdência, saúde, educação e assistência social. "Em outras palavras, a implementação do teto não será possível sem, de alguma forma, cortar despesas obrigatórias", diz.

Cerca de R$ 271,8 bilhões - ou quase dois terços (63,2%) dos R$ 430,3 bilhões - dos cortes que teriam sido exigidos no Orçamento de 2015 estariam concentrados nestas quatro áreas, com despesas sujeitas a vinculações obrigatórias: Previdência (R$ 194,7 bilhões), educação (R$ 21,6 bilhões), saúde (R$ 21,1 bilhões) e assistência social (R$ 34,4 bilhões).

Por outro lado, afirma Ruediger, o resultado esperado da implementação da PEC, no curto prazo, é que afete mais fortemente áreas que possuem baixo percentual de gasto obrigatório, ou seja, pastas com recursos manejáveis, discricionários, como o caso de Ciência e Tecnologia.

"Considerando os desafios que o país possui nessa área, e também em áreas como saúde e educação, que são estratégicas e de resultados de longo prazo, o corte de despesas de forma linear representaria um limitador da capacidade do Estado brasileiro de atuar em vetores centrais do desenvolvimento nacional, caso não seja feita uma discussão sobre como a alocação da despesa pública irá se acomodar dentro do teto proposto", alerta o pesquisador.

 

Valor econômico, v. 16, n. 4032, 23/06/2016. Brasil, p. A5