O Estado de São Paulo, n. 44789, 03/06/2016. Economia, p. B4

Analistas criticam aprovação de reajuste

Para economistas, aumento dos servidores públicos federais neste momento vai contra o discurso de ajuste fiscal feito pelo governo

Por: Francisco Carlos de Assis / Gustavo Porto

 

O reajuste médio de 21,5% para o funcionalismo público federal, em quatro ano, aprovado na madrugada de quinta feira na Câmara dos Deputados, recebeu críticas de economistas, que consideram o aumento um sinal negativo em meio ao esforço de ajuste fiscal prometido pelo governo.

Os cálculos são de que os projetos têm impacto nos cofres públicos de pelo menos R$ 56 bilhões até 2019. Só neste ano, o impacto seria de cerca de R$ 7 bilhões.

Para Zeina Latif, economista- chefe da XP Investimentos, a aprovação dos reajustas mostra o quanto a classe política está insensível aos problemas econômicos brasileiros. "Mostra que a classe política no Brasil não é madura. Aumenta salários do funcionalismo público quando a iniciativa privada está com o pires na mão."

Ela disse entender que a situação está difícil para todos, que há limite para postergação de reajustes salariais quando se tem uma inflação que pode chegar a 7% ao ano, mas que deveria ser levado em conta que funcionário público tem estabilidade e não perde seu emprego.

Zeina lembra que, até agora, a taxa de desemprego está acima de u% e que poderá chegar a 13% no final do ano. "E claro que avançamos bastante no debate.

Hoje não se fala mais que não se deve fazer ajuste fiscal em período de recessão, mas aprovar fácil um reajuste de salários públicos neste momento confirma a falta de maturidade", disse. Segundo o economista Gesner Oliveira, sócio da GO Associados, a aprovação dos reajustes foi um "elemento estranho" dentro do conjunto de medidas

de ajuste fiscal proposto pelo governo do presidente em exercício Michel Temer. "A aprovação do reajuste é algo contraditório com o ajuste fiscal e é um aspecto que não é positivo. A expectativa é que isso ainda venha ser discutido de uma melhor maneira após a Câmara", afirmou.

De acordo com Oliveira, os investidores olham com atenção a profundidade e seriedade das medidas de ajuste fiscal e, de uma maneira geral, reconhecem que governo Temer formulou as primeiras ações na direção correta. "Isso (reajuste) é um elemento estranho em um conjunto de medidas que tem sido apresentado. Não está em linha com o projeto de ajuste fiscal", disse.

De acordo com economista Felipe Salto, especialista em contas públicas, o reajuste do funcionalismo público já estava embutido no déficit primário de R$ 170,5 bilhões do Governo Central aprovado pela Câmara na semana passada.

Mesmo assim, ele afirmou que não havia espaço para este aumento agora, quando a economia está em queda, podendo fechar o ano com um PIB vo da ordem de 4% e a iniciativa

privada demitindo.

"Se olharmos friamente para os números, não vemos espaço para esse reajuste. Mas a lógica dos números não segue ames a mesma lógica da política", disse.

 

Pressão. Apesar das críticas de economistas, a Confederação dos Trabalhadores do Serviço Público Federal (Condset) promete manter a pressão sobre o governo Michel Temer.

Ligada à Central Única dos Trabalhadores (CUT), a entidade reúne 36 sindicatos e diz representar cerca de 850 mil funcionários públicos do Poder Executivo Federal.

Segundo o secretário de Administração da Condesef, Josemilton Costa, a pressão para aprovação dos reajustes será  transferida para o Senado Federal,

onde os projetos ainda precisam ser votados. Na Câmara, ele diz que os servidores do Executivo Federal continuarão pressionando o governo Temer contra a aprovação do Projeto de Lei Complementar 257/2016. A proposta trata de renegociação da dívidas dos Estados com a União, exigindo contrapartidas dos Estados que atingem o funcionalismo público.

"A intenção dele ao orientar a Câmara a votar os reajustes foi tentar distensionar o movimento dos servidores, mas não vai conseguir. Vamos transferir a pressão para o Senado e, na Câmara, existe o projeto 257/2016, que acaba, destrói com o serviço público", afirmou Costa.

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Votação do aumento causou 'desconforto'

Por: Igor Gadelha / Erich Decat

 

A decisão sobre o reajuste para os servidores públicos foi tomada de forma "unilateral" pelo presidente em exercício, Michel Temer. Em meio aos desgastes com a queda de dois ministros, o objetivo do Palácio com o aumento do funcionalismo, segundo auxiliares, é "manter a Esplanada limpa de protestos".

Líderes de partidos da base aliada na Câmara demonstraram desconforto em ter de orientar voto favorável ao pacote bilionário de reajuste dos servidores públicos federais, aprovado na madrugada de quinta-feira.

Nos bastidores, muitos deles criticaram a falta de "timing" do governo.

Reclamaram por ter de defender os reajustes no mesmo dia em que o governo tentava votar a prorrogação da Desvinculação de Receitas da União (DRU) e na semana seguinte à aprovação da previsão de déficit fiscal de R$ 170,5 bilhões. Para eles, os reajustes contradizem a defesa do ajuste fiscal. "Não entendi por que votar tantos projetos a toque de caixa", disse uma liderança.

Na reunião com o líder do governo, deputado André Moura (PSC-SE), deputados aliados questionaram o parlamentar do porquê da votação dos reajustes.

"Ele só repetia: o Michel está pedindo", conta outro líder aliado. Na hora da votação, algumas lideranças não conseguiam esconder o desconforto e a pressão de suas bancadas contra a matéria. / ERICH DECAT e IGOR GADELHA

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Governo já fala em 'flexibilizar' medidas fiscais

Segundo ministro do Planejamento,Oyogo Oliveira, serão preservados os recursos para Saúde e Educação

Por: Murilo Rodrigues Alves / Carla Araújo

 

A equipe econômica do presidente em exercício Michel Temer nem sequer mandou ao Congresso o projeto que estabelece o teto de gastos públicos - tendo como limite a inflação do ano anterior - e já admite flexibilizar'' a medida considerada o principal ponto do pacote fiscal.Seguindo orientação do presidente, o ministro interino do Planejamento, Dyogo Oliveira, disse que serão preservados os recursos da Saúde e da Educação.

No anúncio do pacote, o ministro Henrique Meirelles, reforçou que as duas áreas seguiriam o teto que deve ser estipulado.

"O presidente Temer nos dá orientação e cumprimos", resumiu o ministro.O limite para as despesas de Saúde e Educação foi bastante criticado. No mesmo dia do anúncio, o governo explicou que tio orçamento das duas áreas até poderia ter aumento real, com o teto em vigor, desde que outras despesas crescessem menos.

O ministro do Planejamento foi na mesma direção ontem."Há uma série de outras despesas que podem ser objeto de contenção, de tal modo que o limite seja atendido", afirmou.

Segundo ele, o limite fará o comportamento da despesa ser compatível com a capacidade do Estado de se financiar. O piso será o mínimo constitucional previsto para este ano. A partir de 2017, caso a proposta de emenda à Constituição seja aprovada pelo Congresso, está assegurada às duas áreas, no mínimo, a correção pela inflação.

Oliveira disse que a União já gasta mais do que os 18%da arrecadação dos impostos federais que é obrigada a comprometer com Educação. Em 2016, o gasto previsto para Saúde será equivalente a 13,2% das receitas líquidas.

Esse valor segue uma regra que entrou em vigor neste ano.Antes, o piso era estabelecido de acordo com o que foi desembolsado no ano anterior, corrigido com a variação do PIB.

 

Prazo. Oliveira também admitiu que o governo deve estipular um prazo para a vigência do teto. "Não tem como ser indefinidamente para todo o sempre. Estamos discutindo a questão de tempo e prazo. Ainda não há uma definição", afirmou. Segundo o ministro, a discussão tem como premissa que a regra deve implicar uma redução, ao longo do tempo, da despesa total em relação ao PIB.

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  • Congresso Nacional

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Reajustes elevam pressão sobre Estados

Por: Eduardo Rodrigues

 

O reajuste dos salários dos servidores federais aprovado na madrugada de ontem colocou mais pressão sobre os cofres dos governos estaduais, que vêm sendo forçados pela União a fechar as torneiras de gastos com a folha de pagamento. Com os aumentos, o teto dos salários dos servidores estaduais também sobe e os governadores já se preparam para enfrentar a pressão dos sindicatos por aumento de salários represados.

Diante da quebradeira geral dos Estados, o argumento das administrações regionais será o de que é melhor manter a folha atual do que prometer reajustes que depois não poderão ser honrados. O secretário de Fazenda de São Paulo, Renato Vilella, explica que, ainda que o impacto direto nas contas estaduais agora não seja "terrível", o reajuste para os servidores federais alimentará as reivindicações por reajustes estaduais.

Ele lembrou que várias categorias estão sem aumento real desde 2014. "O impacto depende de cada Estado, mas certamente é um ponto a mais de pressão que dificulta as negociações (de ajuste fiscal) com a União."

Uma das contrapartidas aceitas pelos Estados nas tratativas com a União era justamente a limitação de gastos com pessoal à inflação por um prazo de dois anos. / EDUARDO RODRIGUES