Claudia Cruz vira ré e cai o álibi de Cunha

Thiago Herdy e Renato Onofre

10/06/2016

 

 

 A força-tarefa da Lava-Jato e a Justiça Federal em Curitiba tornaram ontem ré em processo penal a jornalista Claudia Cruz, mulher do presidente afastado da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), desqualificando tecnicamente o argumento do político para tentar escapar da cassação no Conselho de Ética: a de que ele não tinha contas no exterior, mas apenas um trust.

Claudia é acusada de receber de Cunha em conta da offshore Köpek, registrada em seu nome na Suíça, US$ 1 milhão que foram desviados de um contrato da Petrobras. Os repasses mapeados pelos investigadores da Lava-Jato — e revelados ontem — colocam em xeque o estratagema montado por Cunha e seus advogados para tentar salvar o seu mandato.

“O álibi de que as contas e os valores eram titularizados por trusts ou offshores é bastante questionável, já que aparentam ser apenas empresas de papel, sem existência física ou real”, escreveu o juiz da 13ª Vara Federal, Sérgio Moro, no despacho em que aceitou a denúncia contra Claudia (por lavagem de dinheiro e evasão de divisas) e outras três pessoas que participaram do esquema. “A Köpek, aliás, menos (real) do que isso”, completou.

Ontem, o coordenador da força-tarefa Deltan Dallagnol afirmou que a utilização da trust pela família Cunha foi apenas uma forma de ocultar recursos desviados da Petrobras para o exterior.

— Para esconder quem é o verdadeiro proprietário do dinheiro, criminosos mais antiquados e defasados usavam laranjas e testas de ferro. Os mais modernos e sofisticados usam offshores e trusts — afirmou.

Representante da Receita na Lava-Jato, Roberto Leonel de Oliveira Lima lembrou que o trust é apenas um grupo de bens e ativos, sem personalidade jurídica própria, com três partes envolvidas em sua constituição: o instituidor, que detém a real propriedade de valores ou imóveis; uma instituição financeira autorizada por ele a custodiar esses ativos; e o beneficiário de lucros resultantes da administração dos bens.

— Quando o instituidor se auto indica como o beneficiário (caso de Cunha), não se há de falar em transferência de bem para terceiro, porque o beneficiário passa ser o próprio — afirmou.

Deltan Dallagnol citou a demora da Câmara em cassar Eduardo Cunha como “um dos maiores problemas que o Brasil enfrenta hoje”.

— É uma situação que extrapola qualquer limite do razoável, mas cabe ao Congresso resolver. Cada instituição deve dar uma resposta dentro dos limites de sua atribuição. Nós hoje estamos dando como Ministério Público.

Além de Claudia Cruz, a Justiça aceitou denúncia contra o empresário Idalécio de Castro Rodrigues de Oliveira, acusado de corrupção ativa e lavagem de dinheiro; o operador João Augusto Rezende Henriques, denunciado por lavagem de dinheiro, evasão de divisas e corrupção passiva; e o ex-diretor da Petrobras, Jorge Luiz Zelada, por corrupção passiva.

Segundo a denúncia, Claudia se beneficiou de parte de valores de propina de cerca de US$ 1,5 milhão que Cunha teria recebido para viabilizar a compra, pela Petrobras, de um bloco para exploração de petróleo na costa do Benin, na África, em 2011.

O negócio foi fechado por US$ 34,5 milhões, dos quais US$ 10 milhões teriam sido repassados como propina pelo empresário português ao operador João Augusto Rezende Henriques. Do operador, parte da propina foi parar nas contas de Cunha na Suíça e, em seguida, transferida para Claudia. Para Moro, a mulher de Cunha agiu “por dolo eventual ou com cegueira deliberada”.

“A ocultação desses valores em conta secreta no exterior, por ela também não declarada, a aparente inconsistência dos gastos efetuados a partir da conta com os rendimentos lícitos, aliada ao afirmado desinteresse em indagar a origem dos recursos, autorizam, pelo menos nessa fase preliminar (...), o reconhecimento de possível agir com dolo eventual ou com cegueira deliberada”, afirmou o juiz. Segundo Dallagnol, o MP não pediu a prisão de Claudia Cruz por entender que ela não era “agente central da trama criminosa” e não trazia “risco à ordem pública ou econômica, e à aplicação da instrução ou da lei penal”.

A defesa de Claudia Cruz afirmou que ela está “colaborando com a Justiça e entregando os documentos necessários à apuração dos fatos”. Em nota, reiterou que ela “não tem qualquer relação com atos de corrupção ou de lavagem de dinheiro”. Eduardo Cunha afirmou que sua mulher “possuía conta no exterior dentro das normas da legislação brasileira” e que o dinheiro depositado nela não tem origem ilícita.

“Os criminosos antiquados usavam laranjas e testas de ferro; criminosos modernos e sofisticados usam offshores e trusts” Deltan Dallagnol

Procurador da Lava-Jato

 

 

O globo, n. 30258 , 10/06/2016. País, p. 3.