Em guerra com Janot e Lava-jato, Renan articula mudar lei de delação

21/06/2016

Para além dos disparos públicos contra o Procurador-Geral da República (PGR), Rodrigo Janot, e integrantes da Força-Tarefa da Operação Lava-Jato, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) articula um passo além em resposta às seguidas ações do poder Judiciário que o tem como alvo. Renan, que responde a nove inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito da Lava-Jato, tentará articular mudanças na lei que dispõe sobre a delação premiada.

Renan já tem, segundo aliados, um desenho de quais alterações pretende fazer e seu caminho no Legislativo: há pelo menos nove projetos tramitando no Congresso que tratam de alterações nesta lei.

Renan pretende enxertar em um deles pelo menos três mudanças: fixar um prazo, possivelmente de 45 dias, para que delatores apresentem provas documentais do que contaram às autoridades; proibir delação no caso de réu ou investigado que esteja preso; e revogar automaticamente o segredo de justiça ou mesmo anular delações cujo conteúdo seja vazado para a imprensa.

Dois projetos que estão parados na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado são os principais candidatos a abrigar as mudanças defendidas pelo presidente: o PLS 283/2014, que visa originalmente o compartilhamento, com Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), de informações prestadas por delatores, cujo autor é o hoje ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Vital do Rêgo Filho (PMDB-PB) - citado na Lava-Jato, cuja indicação para o cargo, feita pela presidente afastada Dilma Rousseff há um ano e meio, teve influência decisiva de Renan.

O outro é o PLS 123/2016, da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) - igualmente alvo de inquérito na Lava-Jato - que determina a "revogação do segredo de justiça na hipótese de divulgação indevida, nos meios de comunicação", de trechos dos processos que estejam classificados como sigilosos.

Os dois textos aguardam designação de relator na CCJ, mas Renan dispõe de uma ferramenta legislativa para acelerar a tramitação: a comissão especial da chamada Agenda Brasil, via rápida para propostas consideradas estratégicas - e que tenham as bençãos de Renan e do grupo de pemedebistas que comanda as articulações do Senado, composto pelo líder do PMDB, EunícioOliveira (CE) e Romero Jucá (PMDB-RR).

Não é de hoje que Renan está incomodado com a maneira como investigadores utilizam o instituto da delação premiada. Nas conversas gravadas pelo ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, utilizadas em seu acordo de colaboração com os investigadores, Renan já defendia mudanças na legislação.

O delator sugere ao pemedebista um "pacto" para "passar uma borracha no Brasil". Renan responde: "antes de passar a borracha, precisa fazer três coisas. Primeiro, não pode fazer delação premiada preso (...). Primeira coisa. Porque aí você regulamenta a delação".

Janot embasou em trechos desta conversa seu pedido ao Supremo Tribunal Federal (STF) de prisão para Renan, Jucá e o ex-presidente José Sarney - o ministro Teori Zavascki, relator do caso, rejeitou.

Questionado se o gesto não suscitaria reação do Ministério Público Federal, que vê tentativas de modificação na lei como "interferência na Lava-Jato", Renan reagiu. "Não serei acuado", disse em conversas reservadas. "Se não puder fazer as mudanças que acho necessárias enquanto sou presidente do Senado, de que adianta eu estar sentado nessa cadeira?".

Publicamente, Renan também usou exemplos duros para condenar as colaborações feitas no modelo atual. "A narrativa de Machado repete as anteriores, sem nenhum indício, nenhuma franja de prova, nada. É uma narrativa para botar uma tornozeleira, ficar preso em casa e limpar mais de um bilhão roubado do povo brasileiro", atacou. "Nessas condições, não deveria prestar depoimento. No desespero, ele envolve até a mãe, quanto mais um amigo", disse.

Machado era do círculo íntimo de Renan e Sarney há muitos anos e foi senador pelo PSDB do Ceará entre 1995 e 2003, quando virou pemedebista e passou a ocupar a presidência da Transpetro, onde permaneceu por onze anos.

Amanhã, Renan tornará pública sua decisão em relação a uma petição mais recente que pede abertura de processo para cassar o mandato de Janot. Há outras quatro na fila, três delas protocoladas pelo senador Fernando Collor (PTC-AL).

Apesar dos ataques públicos - entre eles dizer que "quando as pessoas perdem o limite da Constituição, perdem também o limite do ridículo", ao ser perguntado sobre o pedido de prisão - aliados avaliam que o mais provável é que o presidente do Senado se declare impedido de decidir o caso, já que estaria citado na denúncia.

A atribuição passaria para o vice-presidente da Casa, senador Jorge Viana (PT-AC). A tendência, de acordo com as articulações, seria mandar o pedido ao arquivo, sob alegação de não haver causa objetiva e não colocar os poderes em confronto. Caso a denúncia seja aceita, será formado um colegiado especial para analisar o caso, nos moldes da comissão do impeachment dapresidente afastada.

 

Valor econômico, v. 16, n. 4030, 21/06/2016. Política, p. A6