'Ai, meu Deus! Me dei mal'

Thiago Herdy e Renato Onofre

09/06/2016

 

Famoso por prender alvos da Lava-Jato, ‘Japonês da Federal’ vai para a cadeia por contrabando, ganha as redes sociais e nova versão de marchinha

E a PF bateu na porta do “Japonês da Federal”. O agente Newton Ishii, que ganhou fama por escoltar os principais presos da Operação Lava-Jato, está preso em Curitiba, condenado a quatro anos e dois meses por facilitação de contrabando. Ishii foi fotografado ao lado de presos como o empresário Marcelo Odebrecht, o pecuarista José Carlos Bumlai, o extesoureiro do PT João Vaccari Neto e o ex-ministro José Dirceu. Sua prisão, anunciada ontem, inspirou uma série de memes nas redes sociais e teve repercussão internacional. Também foram republicadas na internet as selfies que políticos tiraram ao lado de Ishii em uma visita que fez ao Congresso Nacional, entre eles o deputado federal Jair Bolsonaro.

O policial foi presença constante nas ruas no último carnaval. Ganhou até uma marchinha sobre a Lava-Jato que diz: “Ai, meu Deus! Me dei mal. Bateu na minha porta o Japonês da Federal”. Desde 2014, seu rosto estampou as principais páginas de jornais no Brasil e no exterior. Ele também virou máscaras e bonecos — uma febre não só durante o carnaval como nos protestos contra a corrupção e contra o governo da presidente afastada, Dilma Rousseff, e o PT.

O motivo do encarceramento de Ishii, no entanto, precede sua fama. Em 2003, o agente foi um dos alvos da Operação Sucuri, da própria Polícia Federal, que desbaratou um esquema de contrabando em Foz do Iguaçu, na fronteira entre Brasil e o Paraguai. Ishii chegou a ficar preso preventivamente por quatro meses. Além dele, outros 22 agentes da PF, além de sete técnicos da Receita, três policiais rodoviários federais, sete agenciadores e seis contrabandistas foram detidos.

Em 2009, Ishii foi condenado à prisão em regime semiaberto. Desde então, recorria da sentença em liberdade. Em março passado, o Superior Tribunal de Justiça negou o recurso e manteve a condenação. Na época, sua defesa disse que ele foi condenado a pagar apenas cestas básicas e informou que já recorreu da decisão, mas, na verdade, a sentença era de prisão.

Na mesma época, Ishii se afastou da Lava-Jato. Já não era mais visto em operações, nem estampava capas dos jornais. Em Curitiba, chegou a ficar de licença médica e passou a cumprir funções administrativas.

Na última terça-feira, Ishii se apresentou espontaneamente à Superintendência da Polícia Federal, depois de tomar conhecimento da ordem de prisão expedida pela 4ª Vara de Execuções Penais da Justiça Federal de Foz do Iguaçu. O agente está perto dos alvos da Lava-Jato que ajudou a prender. Ocupa uma sala reservada na mesma Superintendência da PF, mas afastada da carceragem.

Ontem, o juiz Matheus Gaspar determinou que Newton seja transferido para o Centro de Operações Policiais Especiais (Cope) da Polícia Civil do Paraná, local onde os policiais do estado permanecem sob custódia. Até a noite, ele não havia sido transferido.

Nas redes sociais, a prisão do “Japonês da Federal” foi destaque. O assunto chegou ao topo dos mais comentados no Twitter. O jornal “Guardian”, da Inglaterra, e a rede CNN, dos Estados Unidos, destacaram a prisão. A selfie tirada por Jair Bolsonaro foi muito compartilhada. Em montagens, Ishii também aparece prendendo a si mesmo. Até mesmo a marchinha foi readaptada com o novo verso: “Ah, meu Deus, se deu mal! Foi preso em Curitiba o Japonês da Federal!”

Em nota, a Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef ) declarou “total apoio” ao agente. A Fenapef informou que o departamento jurídico do Sindicato dos Policiais Federais do Paraná está acompanhando de perto o caso para “tomar todas as medidas necessárias” para tentar sua liberdade.

Ishii chegou a ser citado na LavaJato. O agente apareceu na gravação que levou à prisão o senador Delcídio Amaral, em novembro de 2015. Em trecho da conversa entre Bernardo Cerveró (filho de Nestor Cerveró) e o advogado Edson Ribeiro, Ishii é apontado como o responsável pelo vazamento de informações para a imprensa e chamado de “japonês bonzinho”. Posteriormente, Bernardo afirmou que não tinha como provar nenhuma de suas declarações sobre Ishii e que falou com base em informações que leu na internet.

 

 

O globo, n. 30257, 09/06/2016. País, p. 5.