Governo recua e desiste de liberar capital estrangeiro no setor aéreo 

André Borges, Isabela Bonfim, Julia Lindner, Carla Araújo, Lu Aiko Otta e Marina Gazzoni 

30/06/2016

 

 

Acordo. Diante de reação negativa no Senado, governo Temer fez acordo e se comprometeu a vetar artigo que elevava de 20% para 100% o limite de capital estrangeiro nas empresas aéreas; decisão foi tomada para salvar projeto de lei que sustentava concessões

O governo recuou e desistiu no último instante da decisão de abrir 100% do setor aéreo para companhias estrangeiras. Em votação simbólica, o Senado aprovou ontem a medida provisória que libera a participação do capital estrangeiro nas aéreas, após um acordo com senadores de que o presidente em exercício Michel Temer vetará o artigo com essa resolução. A atual regra, que impõe um teto de 20% para o capital estrangeiro, continua a valer.

Por trás da decisão que surpreendeu o mercado e levou a uma queda de 7,34% das ações da Gol está o lobby puxado diretamente pelo ex-ministro de Minas e Energia da presidente afastada Dilma Rousseff, senador Eduardo Braga (PMDB-AM).

Em encontro reservado com o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, Braga relatou que a MP, como chegou ao Senado, tem impacto direto nos investimentos em aeroportos e novos destinos previstos para a aviação regional. Os planos de expansão da aviação desenhados pelo governo priorizam exatamente o seu berço político, o Amazonas. Braga argumentou que tinha receio de que as linhas em regiões menos desenvolvidas do País poderiam ficar abandonadas, com os estrangeiros interessados apenas no “filé” do mercado brasileiro.

Para evitar riscos de perder qualquer voto a poucas semanas da votação do processo de impeachment de Dilma, o governo decidiu recuar de algo que, até agora, defendeu abertamente.

“Foi um teste político do novo governo. E o resultado foi que a Câmara incorporou sua proposta, mas o Senado não”, disse uma fonte a par das discussões. O presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas, Eduardo Sanovicz, classificou o resultado como “frustrante”. “Após diversas discussões, o limite de capital estrangeiro permanece em 20% e outras medidas, como o fim da cobrança indireta de taxa de conexão, não passaram.” O texto original, elaborado pela equipe da presidente afastada Dilma Rousseff, previa a elevação do limite para 49%, mesmo patamar defendido pela Abear, entidade que representa TAM, Gol, Azul e Avianca. Na Câmara, o texto foi alterado e o limite subiu para 100%, uma proposta defendida pelo governo Temer.

Entre as empresas, há consenso de que é necessário elevar o limite de capital estrangeiro no setor, mas não sobre a liberação total, apurou o Estado. De um lado, seus acionistas poderiam vender 100% de suas companhias, mas, de outro, o fim do limite abriria caminho para a entrada de novos concorrentes.

Concessões. A decisão de seguir adiante com o projeto, mesmo sem a liberação do setor aéreo para estrangeiros, procurou preservar dispositivos importantes para as próximas concessões de aeroportos: Fortaleza, Salvador, Florianópolis e Porto Alegre. Os estudos econômicos que servem de base para as concessões foram feitos levando em conta definições do o projeto de lei.

A alteração mais importante é a que, na prática, aumenta a receita dos operadores de aeroportos em 30%. Hoje, um terço da tarifa paga pelos passageiros é entregue ao governo, por meio do Fundo Nacional de Aviação Civil (Fnac). O texto aprovado ontem acaba com essa destinação, ao extinguir a taxa chamada Ataero. Segundo fontes, essa alteração tornou aeroportos pouco rentáveis em negócios interessantes, pois elevou em 30% o potencial de receitas deles.