Operação apura desvios de R$ 180 mi na Lei Rouanet

Fausto Macedo, Julia Affonso e Mateus Coutinho

29/06/2016

 

 

‘Boca Livre’. Polícia Federal prende 14 suspeitos por fraudes na legislação de incentivo desde 2001 e faz buscas no Ministério da Cultura; investigação aponta falha na fiscalização

A Polícia Federal deflagrou ontem a Operação Boca Livre, que apura desvio de R$ 180 milhões em 250 contratos de projetos culturais que captaram recursos a partir da Lei Rouanet desde 2001. A descoberta de fraudes no mecanismo de incentivo fiscal para estimular o apoio privado a atividades artísticas, criado em 1991, fez o governo anunciar que os Ministérios da Cultura e da Justiça vão preparar uma portaria revendo a legislação e adotando novos parâmetros de auditoria.

A PF realizou buscas no Ministério da Cultura (MinC) e indicou falha de fiscalização da pasta. Interceptações telefônicas apontaram “indícios de corrupção” envolvendo servidores da pasta. Ao todo foram cumpridos 14 mandados de prisão temporária e mais de 30 de buscas em dez empresas de grande porte de São Paulo, Rio e Brasília.

Segundo a investigação, os suspeitos teriam se beneficiado de um esquema montado pelo Grupo Bellini Eventos Culturais, de São Paulo. O dono do grupo, Antônio Carlos Bellini Amorim, foi preso. A 3.ª Vara Federal Criminal em São Paulo deferiu o pedido de bloqueio de valores e o sequestro de bens de alguns dos investigados, como imóveis e veículos de luxo.

O juiz Hong Kou Hen determinou ainda a inabilitação temporária das empresas pertencentes ao grupo investigado perante o MinC e a Secretaria de Cultura de São Paulo.

A suspeita é de crimes como formação de organização criminosa, peculato, estelionato contra União, crime contra a ordem tributária e falsidade ideológica.

“As investigações constataram que eventos corporativos, shows com artistas famosos em festas privadas para grandes empresas, livros institucionais e até mesmo uma festa de casamento foram custeados com recursos de natureza pública, obtidos por meio da Lei Rouanet”, afirmou a PF.

Cerimônia. O casamento de Felipe Amorim – filho do dono do Grupo Bellini –, na praia Jurerê Internacional, em Florianópolis, no dia 25 de maio deste ano, seria um dos eventos bancados com verba da Lei Rouanet. Valores desembolsados com a produção da cerimônia não foram revelados. O artista convidado pelos noivos, o sertanejo Leo Rodriguez, cobraria entre R$ 50 mil e R$ 70 mil por show.

O inquérito policial foi instaurado em 2014, após a PF receber documentos da Controladoria- Geral da União sobre desvio de recursos em projetos aprovados com o benefício fiscal da Lei Rouanet. Segundo a PF, há indícios de que as fraudes ocorriam de várias maneiras, como inexecução de projetos, superfaturamento, apresentação de notas fiscais relativas a serviços fictícios, projetos simulados e duplicados, além da promoção de contrapartidas ilícitas às empresas patrocinadoras.

“A investigação mostrou que eles (os projetos) não foram fiscalizados.

A razão vamos determinar nessa segunda fase do inquérito, a partir da análise do material apreendido e dos depoimentos”, disse o delegado Rodrigo de Campos Costa.

Além do Bellini e do Ministério da Cultura, são citados nas investigações o escritório de advocacia Demarest e as empresas Scania, KPMG, Roldão, NotreDame Intermédica, Laboratório Cristália, Lojas Cem, Nycomed Produtos Farmacêuticos, Intercapital e Cecil.

A operação indica que o grupo captava recursos “com facilitações” no MinC. “O Ministério não só propiciava as condições ideais para a aprovação desses projetos forjados como exercia uma fiscalização pífia ou nenhuma de uma forma dolosa para que esses projetos plagiados, copiados, repetidos, não fossem identificados como tais”, disse a procuradora Karen Kahn. 

COMO FUNCIONAVA O ESQUEMA

● Investigação de fraudes em contratos aprovados pelo Ministério da Cultura de agentes culturais por meio da Lei Rouanet

O esquema

1 Produtor inscreve projeto cultural no site do MinC

2 MinC aprova o projeto dentro da Lei Rouanet

3 O artista começa a captar o orçamento do projeto no mercado. Uma empresa ou várias fornecem o dinheiro ao artista

PROCEDIMENTO NORMAL

A EMPRESA PATROCINADORA DEDUZ O VALOR INVESTIDO NO IMPOSTO DE RENDA

O artista começa a executar seu projeto com a verba

O artista faz a prestação de contas ao MinC

CAMINHO DO DESVIO

EMPRESA SE BENEFICIA DUPLAMENTE POR TER DEDUÇÃO NO IR E OBTER VANTAGENS DE CONTRATOS SUPERFATURADOS

O fraudador embolsa o dinheiro captado no mercado para seu projeto inicialmente aprovado no MinC

O fraudador divide o dinheiro captado com a empresa que lhe patrocinou

Projetos aprovados pelo MinC de 2001 a 2016 87.140

Projetos investigados com indícios de fraude 250

FONTE: MINC E PF