Austeridade por decreto

Carina Bacelar

09/06/2016

 

Dornelles publica hoje pacote com extinção de cinco secretarias e dois programas sociais

O estado publica hoje cinco decretos com ajustes que, segundo o governador em exercício Francisco Dornelles, vão permitir uma economia de R$ 800 milhões a R$ 1,4 bilhão ao ano. Dois programas sociais de transferência de renda serão extintos (o Renda Melhor e o Renda Melhor Jovem), cinco secretarias vão acabar, e cada pasta será obrigada a economizar 30% de suas despesas operacionais. Os cem maiores contratos mantidos pelo Poder Executivo também serão revisados, e ao menos dez imóveis do estado vão ser vendidos para gerar receitas para o Rioprevidência. Além disso, a exploração do sistema de água e esgoto na Baixada Fluminense será concedida por meio de uma parceria público-privada (PPP).

O déficit previsto para o governo este ano é de R$ 19 bilhões. Segundo Dornelles, os cortes nas secretarias ficarão a critério de cada pasta. Poderão atingir as despesas de custeio ou de pessoal, incluindo cargos comissionados. As secretarias de Educação, Saúde, Segurança e Administração Penitenciária não terão que cumprir a redução de 30%, mas também serão obrigadas a diminuir gastos.

— Cada secretaria pode fazer como quiser. Há secretarias que só têm comissionados, outras têm poucos. Uma secretaria pode não cortar nenhum, porque não tem comissionados. E a que só tem comissionados ficaria em uma situação difícil. Para mim, cortar um comissionado ou a despesa com telefone é a mesma coisa — disse o governador.

CONCURSOS PÚBLICOS SÃO SUSPENSOS

Serão extintas as secretarias de Habitação (que passa a integrar a de Obras), de Proteção e Defesa do Consumidor (que se une à de Governo), de Prevenção à Dependência Química e a de Envelhecimento Saudável e Qualidade de Vida (ambas absorvidas pela pasta da Saúde). Por fim, a Secretaria de Desenvolvimento Regional será desmembrada — o Programa de Artesanato do Estado fica com a pasta de Turismo; já as Centrais de Abastecimento (Ceasa) e a Fundação Instituto de Pesca passam para o controle da Secretaria de Agricultura e Pesca.

Segundo interlocutores do governo, a fim de evitar desgastes políticos, o estado esperou, para anunciar a extinção das pastas, o fim do prazo (2 de junho) de desincompatibilização dos secretários que vão se candidatar nas próximas eleições.

Um dos decretos vai suspender por um ano a realização de novos concursos públicos, além de proibir a maioria das viagens oficiais internacionais e vedar o uso de carros de representação, exceto para o governador e para o vice. O pacote determina ainda que todos os programas sociais sejam reavaliados. Segundo Dornelles, o Bilhete Único pode ser limitado a pessoas de baixa renda. E os restaurantes populares, progressivamente, serão transferidos aos municípios.

Questionado sobre um possível desgaste maior com o corte de programas sociais, Dornelles disse:

— Do que adianta manter os programas, se não temos dinheiro para pagar? Se tivéssemos, faríamos daqui um estado de bem-estar social. Mas não temos dinheiro. O Renda Melhor só é dado para quem recebe o Bolsa Família, que aumentou. Não tem sentido criar uma expectativa e não pagar, como está acontecendo.

O Renda Melhor transfere recursos do estado a famílias que já recebem o Bolsa Família, mas que, ainda assim, vivem com menos de R$ 100 per capita por mês. O valor do benefício varia entre R$ 30 e R$ 300. A Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos estima que o programa atinja até 160 mil famílias que vivem abaixo da linha da pobreza. O programa foi criado em 2011, no governo de Sérgio Cabral.

MAIS PRIVATIZAÇÕES ESTUDADAS

Além do saneamento da Baixada, devem ser firmadas parcerias com a iniciativa privada para tirar do papel a construção da Linha 3 do metrô (entre Niterói e São Gonçalo) e para explorar comercialmente o parque natural da Ilha Grande. Sem dinheiro nem mesmo para concluir a construção da Linha 4 do metrô, o estado faria a Linha 3 com recursos privados, segundo o governador:

— Na Linha 3, estuda-se uma PPP. Até para a construção. Não sei como estão as propostas.

Segundo Dornelles, apesar da intenção do governo de firmar uma PPP para a Cedae, a companhia não será privatizada, e as obras de melhorias do sistema de abastecimento da Baixada continuam tocadas pela empresa estatal:

— Ainda não temos estudos concluídos, mas ele (o projeto) está bem avançado. Vamos avaliar qual é a função da Cedae nessa política de saneamento.

Ele voltou a definir como “trágica” a situação do estado e disse ter consultado o governador Luiz Fernando Pezão — afastado para tratar um câncer — a respeito do pacote:

— Isso eu discuti nos últimos 30 dias com ele, e ele demonstrou apoio integral. Terminamos essas medidas e vamos pensar em outras. O governo tem um movimento permanente de reforma.

O presidente da Alerj, deputado Jorge Picciani (PMDB), também se reuniu com o governador. Ele aprova o pacote, mas afirma que cortaria mais secretarias.

— O governo está imerso na tarefa de reorganizar o estado. Acho pouco o corte de cinco secretarias, mas o governo garantiu que cortará mais, só precisa de tempo. Eu considero que está sendo prudente e eficaz nessas medidas. E tenho certeza de que tomará outras.

Para Mauro Osório, economista e professor da UFRJ, o ajuste é um “gesto simbólico”:

— Acho que, do ponto de vista da gestão, até melhora, porque diminuir o número de secretarias pode permitir uma administração mais arrumada. Já o corte de políticas sociais é ruim. Mas precisamos discutir a questão das aposentadorias, renegociar a dívida com a União e ampliar o planejamento e adensamento produtivo.

 

 

O globo, n. 30257, 09/06/2016. País, p. 10.