Dólar abaixo de R$ 3,40

João Sorima Neto

09/06/2016

 

Câmbio tem menor cotação em 11 meses, R$ 3,37, com cenário externo e troca no BC

Pressionado por fatores externos e pela mudança de comando no Banco Central brasileiro, o dólar comercial voltou a cair ontem e atingiu o menor patamar em quase um ano. A moeda americana fechou o dia com desvalorização de 2,34%, cotada a R$ 3,37 — menor valor desde 29 de julho de 2015, quando foi negociada a R$ 3,33. Na mínima do dia, o dólar foi negociado a R$ 3,36, enquanto na máxima atingiu R$ 3,41. De acordo com analistas, o dólar reage à mudança no comando do BC — Ilan Goldfajn foi aprovado pelo Senado na terça-feira — e também a fatores externos, como a queda menor que o esperado nas importações na China. No mercado internacional, a moeda americana também se desvalorizou, e o Dollar Index, da Bloomberg, recuou 0,4% frente a uma cesta de dez moedas.

Dados divulgados ontem mostraram que as importações chinesas caíram em maio apenas 0,4% na comparação anual, para US$ 131,084 bilhões, enquanto em abril tinham despencado 10,9%. Com a percepção de que a demanda interna da segunda maior economia do mundo — e segundo maior parceiro comercial do Brasil — está se recuperando, ainda que lentamente, cria-se um cenário que favorece moedas de economias ligadas a commodities, entre elas o real brasileiro.

— O mercado começa a testar um novo patamar para o dólar, depois da nomeação do economista Ilan Goldfajn para o Banco Central. A percepção é que o BC será menos intervencionista no câmbio e deixará a moeda flutuar livremente — explicou Reginaldo Galhardo, gerente de câmbio da corretora Treviso.

Ele observa que Ilan, durante sua sabatina no Senado, defendeu o “respeito ao regime de câmbio flutuante” e afirmou que o “câmbio não é ancora para a inflação”, o que foi bem recebido pelo mercado.

— O movimento de queda da moeda frente ao real também é resultado de um desmonte de posições de investidores que apostavam na alta do dólar. O boletim Focus do fim do ano passado previa um dólar a R$ 3,68 este ano, por exemplo. E o mercado começa a antecipar que podem entrar muitos recursos estrangeiros com a expectativa de retomada de novas concessões — disse Galhardo.

A expectativa de ingresso de divisas referentes à emissão de US$ 1,25 bilhão em bônus da Vale, anunciada na noite de terça-feira, também ajudou a derrubar a cotação do dólar ontem. Os especialistas avaliam que, se houver trégua no campo político, a moeda americana pode recuar ainda mais.

 

SEM AÇÃO DO BC NO MERCADO

De acordo com o operador de câmbio da corretora H. Commcor, Cleber Alessie, o BC reduziu sua posição de swaps tradicionais (quando vende contratos de dólar ao mercado) de US$ 108,1 bilhões, em 18 de maio, para US$ 62,1 bilhões atualmente, uma redução de quase US$ 46 bilhões. O último leilão de swap reverso (quando retira do mercado contratos de dólar) foi feito pelo BC em 18 de maio, ainda segundo Alessie.

— Hoje (ontem) o dólar se desvalorizou frente às moedas ligadas a commodities, devido às notícias de que as importações na China caíram menos, à valorização do preço do petróleo (que chegou a US$ 52 o barril), à expectativa de que os juros nos EUA não subam em junho e a melhores notícias da economia do Reino Unido — afirmou Alessie.

Outro fator que contribuiu para a queda global do dólar foi o movimento do Banco Central Europeu (BCE), que deu início a seu programa de compra de títulos de dívida corporativa. O montante não foi divulgado. Com a ação do BCE, o euro subiu 0,3% frente à moeda americana, cotado a US$ 1,1393.

O assessor econômico da Federação do Comércio de São Paulo, Fabio Pina, afirma que o recuo do dólar neste início de ano contribui para segurar a inflação. A moeda americana acumula queda de 14,5% frente ao real: passou de R$ 3,95 em dezembro de 2015 para R$ 3,37.

— É difícil dizer se o dólar vai se estabilizar no patamar de R$ 3,30, mas a desvalorização apresentada desde janeiro até agora é deflacionária. Embora o IPCA ainda esteja elevado por conta da alta dos alimentos, o câmbio está ajudando a derrubar a inflação neste momento — afirmou Pina, que projeta um câmbio de R$ 3,50 no fim do ano.

A economista da consultoria Tendências, Gabriela Szini, observa que, com o dólar flutuando entre R$ 3,60 e R$ 3,70, no início do ano, o país ganhou competitividade nas exportações, especialmente em setores como material de transporte e agropecuária, que são bastante sensíveis ao câmbio. No primeiro trimestre, as exportações brasileiras cresceram 17%, em volume, em comparação ao mesmo período de 2015.

— Em termos de valores exportados, houve um recuo de 1,6% por causa da queda no preço das commodities. Mas, em quantidade exportada, houve crescimento. Mesmo com o dólar recuando abaixo de R$ 3,40, ainda estamos em um patamar favorável às exportações, que devem crescer 15,7% este ano em relação a 2015, em termos de quantidade, segundo nossas estimativas — explicou Szini.

Ela acredita que, neste momento de “baixo estresse” no mercado, o dólar pode se manter no nível atual, abaixo de R$ 3,40, mas quando o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) fizer o primeiro movimento de alta de juros, haverá reflexos no dólar, que deve se valorizar frente ao real. A Tendências espera elevação dos juros nos EUA em julho e em dezembro. Com isso, projeta o dólar a R$ 3,72 no fim deste ano.

 

 

O globo, n. 30257, 09/06/2016. Economia, p. 19.