Perplexidade e autoproteção

Cristiane Jungblut, Simone Iglesias e Eduardo Bresciani

08/06/2016

 

Partidos opostos como PT e PSDB criticam os pedidos de prisão de Renan, Sarney e Jucá

A notícia dos pedidos de prisão de integrantes da cúpula do PMDB enviados pelo Ministério Público ao Supremo Tribunal Federal (STF) deixou ontem o meio político em polvorosa. Preocupados com a repercussão nos trabalhos do Senado, onde tramita processo de impeachment contra a presidente afastada, Dilma Rousseff, integrantes do governo Temer e seus partidos aliados assumiram a linha de defesa do presidente do Senado, Renan Calheiros, do senador Romero Jucá e do ex-presidente José Sarney, que, como revelou O GLOBO, foram alvos dos pedidos de prisão sob a acusação de tramarem contra a Lava-Jato. No caso de Sarney, Janot pede prisão domiciliar, com uso de tornozeleira eletrônica, por ele ter 86 anos.

Janot também pediu a prisão do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (RJ), acusado de continuar a obstruir as investigações contra ele no Conselho de Ética da Casa, como mostrou a TV Globo.

Os pedidos preocupam o Palácio do Planalto, mas a aposta é de que o Supremo não deve aceitar os pedidos de prisão. Integrantes do governo Temer disseram ter recebido “sinalizações” de que ministros da Corte consideram não haver indícios suficientes para configurar o crime de obstrução de Justiça, como sustenta o pedido de Janot.

Gravadas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, as gravações envolvendo os peemedebistas, porém, mostram que eles buscavam meios de se aproximar do relator da Lava-Jato, ministro Teori Zavascki, e discutiam a alteração de leis para, entre outras coisas, impedir que acordos de delação sejam feitos com pessoas presas e para alterar a regra que prevê prisão após condenação em segunda instância, aprovada recentemente pelo Congresso.

No Senado, o líder do governo interino Temer, senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB), disse que não havia fatos nas gravações que caracterizam obstrução de Justiça. O líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB), fez discurso na mesma linha, afirmando que não há provas de atuação indevida, e sim opiniões. Na prática, os tucanos saíram em defesa de Renan, Jucá e Sarney.

— Não vi naquelas gravações divulgadas sequer tentativas, atos preparatórios. Não posso aceitar a ideia de vazamentos por pílulas. O próprio Renan agiu com cautela, afirmando que vai esperar a decisão do Supremo — disse Aloysio Nunes.

— O pedido se fundamenta única e exclusivamente nas gravações? Se for, não há requisitos que possam justificar um pedido de prisão. Não podemos entender que opinião seja crime. Porque criminalizar a opinião de quem quer que seja poderemos estar enveredando para um Estado policialesco. Devagar com o andor que o santo é de barro, e o Brasil não aguenta — reforçou Cássio Cunha Lima.

O tucano disse que, no caso do ex-senador Delcídio Amaral, as conversas revelaram fatos concretos, mostrando que ele tentou obstruir as investigações ao planejar a fuga do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. Ele disse que não se pode usar “dois pesos e duas medidas”, lembrando ainda que não considera que havia fatos para a prisão de Dilma, do ex-presidente Lula ou do ex-ministro Aloizio Mercadante, que também apareceram em gravações.

Até mesmo no PT, o discurso foi de cautela. O líder do partido no Senado, Paulo Rocha (AP), disse não concordar com o uso indiscriminado do processo de delação. O petista tem sido um crítico do uso deste recurso jurídico.

— Estamos analisando com cautela, embora seja grave a questão. Mas não há informações concretas e esse negócio da delação está sendo usado politicamente para desgastar os partidos e a oposição. Não se tem clareza de onde isso vai chegar — disse Paulo Rocha.

— É uma situação extremamente grave. Para o procurador ter colocado esse pedido deve ter algo a mais, não apenas as gravações — disse o senador Humberto Costa (PT-PE).

Apesar de o governo Temer avaliar que Janot “pesou a mão” ao pedir a prisão dos peemedebistas, o cenário político fica ainda mais instável. Mesmo que o governo espere a rejeição das prisões, um efeito colateral imediato causado por Janot, qualquer chance de Jucá voltar a ser ministro do Planejamento foi sepultada. Segundo o núcleo político do Planalto, mesmo que as prisões não venham a se confirmar, a insegurança que ronda o Congresso preocupa o governo porque dificultará o andamento da pauta de votações nas duas Casas.

Quanto ao Ministério do Planejamento, o cenário está tão tumultuado, que a escolha de um nome definitivo não está no horizonte do governo. Dyogo Oliveira será mantido no posto até que Temer tenha condições de se dedicar ao assunto.

O ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, afirmou que os pedidos não causam “nenhum constrangimento” para o governo interino. Perguntado se o pedido não poderia inviabilizar uma volta de Jucá para o Planejamento, respondeu:

— Não acho nada. Estou aguardando os desdobramentos dos acontecimentos para aí eu achar alguma coisa.

Eliseu Padilha, da Casa Civil, afirmou que só Janot poderá responder:

— Só quem pode responder é o doutor Janot. Ele que sabe por que fez, o que fez, o que ele escreveu, o que ele pediu.

Perguntas e respostas

– Existe algum prazo para o ministro Teori Zavascki decidir?

Os ministros do STF não têm prazo para tomar qualquer tipo de decisão. Fica a cargo do ministro priorizar ou não o caso a ser julgado.

- Todos os pedidos serão analisados juntos?

Essa é uma decisão que precisa ser tomada por Teori. Ele pode analisar todos os pedidos de prisão no mesmo momento ou decidir de forma separada. Além disso, o ministro tem a opção de tomar a decisão sozinho ou de levar os casos para a análise conjunta, com a participação de outros ministros do Supremo.

- Se Teori não quiser decidir sozinho os pedidos de prisão, quem tomará a decisão?

Os pedidos de prisão contra os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ),e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), serão julgados no plenário do Supremo, composto por onze ministros. Já os pedidos de prisão contra Romero Jucá (PMDB-RR) e José Sarney (PMDB-AP) serão analisados pela Segunda Turma do Tribunal, composta por cinco ministros. Essa regra está no Regimento Interno do Supremo.

- Parlamentares podem ser presos como qualquer cidadão?

A Constituição Federal de 1988 determina que parlamentares não podem ser presos antes de uma decisão final, a não ser em caso de flagrante de crime inafiançável.

- Se o STF decretar as prisões, o que acontece?

Primeiro, eles serão presos. Depois, o Senado precisará referendar essas prisões no plenário, que votará sobre a decisão do Supremo. Se o Senado concordar com o STF, eles continuarão presos. Caso contrário, serão libertados.

- Uma eventual prisão de José Sarney também poderá ser controlada pelo Legislativo?

Não. Como José Sarney não está em nenhum cargo atualmente, o Poder Legislativo não tem como interferir em sua prisão.

- Se Renan Calheiros for preso, o que ocorre com a presidência do Senado? E se for afastado?

Nas duas hipóteses, assumirá a presidência do Senado o vice-presidente, Tião Viana (PT-AC).

 

 

O globo, n. 30256, 08/06/2016. País, p. 3.