Pílula do câncer é ineficaz, mostra teste

01/06/2016

Paula Felix

 

A fosfoetanolamina sintética, mais conhecida como “pílula do câncer”, teve sua eficácia no combate à doença mais uma vez contestada pelo resultado de um novo estudo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), que mostrou que a substância não apresentou atividade em células tumorais em cobaias. Em março deste ano, a substância já tinha sido reprovada em testes in vitro.

O composto foi testado em dois tipos de câncer. O carcinossarcoma 256 de Walker foi analisado em ratos e o sarcoma 180, em camundongos. Ambos os grupos continham 45 animais, que receberam doses diárias da substância.

“Fizemos o teste com tumores de crescimento rápido para verificar se (a substância) tinha alguma atividade anticancerígena. O que a gente notou é que ela não mata as células tumorais”, explica Manoel Odorico de Moraes Filho, professor titular de Farmacologia Clínica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará e um dos coordenadores do estudo do MCTI.

Apesar do resultado, Moraes Filho diz que não significa que a fosfoetanolamina sintética não tem atividade contra nenhum tipo de câncer. “Também só poderemos dizer que não tem efeito em humanos quando fizermos testes em pacientes com tumores. Tendo ou não esse efeito (de curar o câncer), é importante que os testes prossigam, pelo clamor público que a substância causou.” Segundo o especialista, os primeiros testes com voluntários sadios devem ser feitos a partir de agosto. “Vamos verificar a toxicidade e, só depois, fazer com os portadores de câncer”, diz.

Em curto prazo, a substância não demonstrou ser tóxica. “O que a gente não observou foram efeitos tóxicos ao animal. Ainda estão sendo realizados experimentos para verificar se é tóxico em doses prolongadas.” Órgãos como cérebro e coração das cobaias estão sendo avaliados pelos pesquisadores.

 

Especialistas. Presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, Gustavo Fernandes diz que os resultados reforçam os pedidos para que os pacientes não parem o tratamento convencional para tomar a substância. “Parece que não é tóxico e não funciona. Todo tratamento precisa ter uma comprovação clínica. Se fosse um rito normal de pesquisa, pararia por aqui. Se não funciona em cobaia, não seria levado para humanos.”

A opinião é compartilhada por Helano Freitas, oncologista clínico e diretor de pesquisa clínica do A.C. Camargo Cancer Center. “Precisamos dar uma resposta para as pessoas.” Mas ele diz que o resultado dos testes do MCTI pode ser considerado desanimador para quem acredita na eficácia da substância. “O que não é animador é que há poucos estudos mostrando sinal de atividade e grupos independentes não estão achando o mesmo resultado.  Esses dados divergentes só reforçam que devemos ter desconfiança em relação a essa substância.”

A reportagem tentou contato com os detentores da patente da substância, mas eles não foram encontrados até as 20h.

 

Pacientes. Para a artista plástica Elfriede Galera, de 60 anos, o resultado não foi uma surpresa. Com câncer de mama agressivo e em estágio terminal, ela afirma nunca ter acreditado na eficácia da fórmula, que decidiu não experimentar. “Eu não tomaria e não sou contra quem quer tomar, mas já esperava por esse resultado, porque é uma substância que está há tanto tempo em discussão e não vai para frente.”

Ela diz que gostaria que a substância conseguisse combater o câncer, mas que prefere o tratamento convencional. “Quero ter uma morte digna e, enquanto medicamentos testados estiverem disponíveis, a minha esperança são eles.”

A advogada Marisa de Fátima Benelli Acete, de 49 anos, não teve a confiança na substância abalada com o resultado da pesquisa. Filha de um paciente com câncer de próstata com metástase óssea, ela diz que acompanhou a recuperação do pai nos últimos três anos, quando ele fez uso da fosfoetanolamina sintética.

“Se isso foi passado de boca em boca por 20 anos, é porque fazia efeito. Esse resultado não afeta o que eu penso sobre a fosfoetanolamina por meu pai usar e estar bem.”

Grupos de pacientes estão se mobilizando nas redes sociais para fazer uma manifestação pela liberação da lei federal que permitia a distribuição e o uso da substância, suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no último dia 19. O ato será no próximo sábado, às 14 horas, na frente do Masp.

 

PARA LEMBRAR

Substância não está disponível

Como fim da produção pela USP, hoje a pílula do câncer não está disponível no mercado. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação está investindo R$ 10 milhões em pesquisas, desde novembro, para avaliar a eficácia da fosfoetanolamina. No mesmo mês, a realização de testes em 1mil pacientes foi anunciada pelo Estado de São Paulo. O laboratório autorizado a produzir a fosfoetanolamina sintética para análises clínicas, em Cravinhos, no interior paulista, finalizou a produção do primeiro lote há cerca de um mês – 35 quilos da chamada pílula do câncer serão destinados à Fundação para o Remédio Popular (Furp) para serem transformados em 70 mil cápsulas. A substância em seguida será testada em pacientes de hospitais, em um trabalho coordenado pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp). Mais cinco remessas da fórmula serão encaminhadas nos próximos meses.

 

MAIS DE 20 ANOS DE POLÊMICAS

Fim dos anos 1980

Por mais de duas décadas, o pesquisador Gilberto Orivaldo Chierice distribuiu as pílulas de graça.

 

2014

Uma portaria da USP São Carlos suspendeu a entrega de substâncias experimentais.

 

2015

Pacientes começaram a ir à Justiça e conseguiram liminares para manter o tratamento.

 

2016

Lei que permite distribuição é suspensa por ordem do Supremo Tribunal Federal.

 

O Estado de São Paulo, n.  44787, 01/06/2016. Metrópole, p. A15