O Estado de São Paulo, n. 44788, 02/06/2016. Política, p. A4

Lava Jato sustenta pedido pela cassação de Cunha

Investigações da força-tarefa embasam relatório de Marcos Rogério, que acusa o deputado afastado de controlar contas no exterior e de receber propina

Por: Daiene Cardoso / Ana Fernandes

 

O relator Marcos Rogério (DEM-RO) utilizou ontem as investigações da Operação Lava Jato para, num voto contundente, recomendar a perda do mandato do deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) por ter mentido à CPI da Petrobrás no ano passado ao negar que tivesse contas no exterior. Rogério disse que há provas fartas que comprovam a prática de condutas graves e ilícitas do peemedebista, incluindo o recebimento de propina do esquema de corrupção na Petrobrás. Como os aliados de Cunha pediram vista, o pedido de cassação será discutido e votado na terça-feira.

“Há provas robustas, amparadas em evidências documentais, extratos bancários, declarações de autoridades e bancos estrangeiros e diversos depoimentos convergentes, que demonstram ter o representado recebido vantagens indevidas de esquemas relacionados à Petrobrás e deliberadamente mentido perante a Comissão Parlamentar de Inquérito e a Câmara dos Deputados”, disse relator.

Em 86 páginas, Rogério enfatiza que Cunha era, indiscutivelmente, o controlador das contas de trustes na Suíça e que não era possível separar a intenção de omitir as contas da fonte dos recursos, denunciados por oito delatores da Lava Jato como dinheiro do esquema de corrupção. O relator afirmou que Cunha escondeu as contas porque não tinha como comprovar que os recursos eram lícitos e lembrou que da alegada venda de carne enlatada para a África na década de 1980, “não sobrou nenhuma latinha”.

Para Rogério, os trustes foram usados por Cunha como instrumentos para viabilizar a prática de fraudes, “uma escancarada tentativa de dissimular a existência de bens, sendo isso tudo feito de modo a criar uma blindagem jurídica para esconder os frutos do recebimento de propinas cujos valores foram relatados por testemunhas”.

Embora tenha ressaltado que respeitaria a decisão do presidente da Câmara interino Waldir Maranhão (PP-MA) de focar o relatório na omissão de informação relevante à Casa, Rogério insistiu que Cunha teve posição de destaque no recebimento de propina. Ele citou a senha utilizada por Cunha com o nome da mãe, “Elza”, e concluiu que o deputado era garantidor da conta na Suíça da mulher, Cláudia Cruz.

“Já há provas suficientes de que o deputado Eduardo Cunha usou do cargo de deputado federal para receber vantagens indevidas, ora praticando atos privativos de parlamentares, ora usando seu prestígio e poder para indicar aliados a postos-chave da Administração Pública, o que torna censurável sua conduta perante a CPI da Petrobrás no sentido de negar peremptoriamente fatos que, logo depois, viriam a lume à saciedade”, diz o relator.

O parecer final do processo, que se arrasta por sete meses, menciona o uso de requerimentos em uma comissão da Câmara para pressionar delatores da Lava Jato a pagar propina, traz trechos de depoimentos das delações premiadas e diz que Cunha só foi espontaneamente à CPI em 2015 para colocar o Parlamento contra as investigações da Procuradoria-Geral da República.

 

Defesa. Enquanto o relator e o presidente do conselho, José Carlos Araújo (PR-BA), se emocionavam ao fim da leitura do parecer, o advogado de Cunha, Marcelo Nobre, deixou a sessão acusando Rogério de “manobrar” no parecer ao pedir a cassação do mandato e de confundir “razão com emoção”. Nobre disse que Rogério não encontrou provas materiais de que Cunha tem contas no exterior. A defesa vai aguardar a votação do relatório para decidir quais recursos vai impetrar.

 

Ato. Manifestação contra Cunha durante leitura do parecer do relator Marcos Rogério, sobre processo contra deputado

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‘Só sobrou o papa’, diz deputado sobre a quem recorrer

Por: Daiene Cardoso

 

O presidente do Conselho de Ética da Câmara, deputado José Carlos Araújo (PR-BA), se encontrou ontem com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para denunciar novas manobras postas em prática na Casa para favorecer o deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). No encontro, o presidente do colegiado disse que fez um apelo a Janot.

“Eu disse: só tem o senhor e o papa para me queixar. Aí ele disse para eu ficar com o papa”, disse. Segundo Araújo, Janot recebeu os documentos e se limitou a dizer que está acompanhando os últimos acontecimentos. / D.C.

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Grupo beneficiado por emenda pagou mulher do deputado

Segundo a força-tarefa, operador portuário Libra fez pagamento de R$ 591 mil a empresa que está em nome de Cláudia Cruz

Por: Isadora Peron

 

A força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba detectou um pagamento feito pelo Grupo Libra de mais de R$ 591 mil à Claudia Cruz, mulher do presidente da Câmara afastado, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Como mostrou o Estado em janeiro, foi graças a uma emenda parlamentar incluída por Cunha na nova Lei de Portos que o grupo obteve uma vantagem inédita para administrar uma área do Porto de Santos, em São Paulo. O Grupo Libra também foi um dos principais doadores de campanha do presidente em exercício Michel Temer em 2014.

O pagamento foi feito a uma empresa que está no nome de Cláudia, a C3 Produções Artísticas, e que seria usada por ela para receber pela prestação de serviços, como a apresentação de eventos. Durante depoimento prestado por Cláudia à força-tarefa, em 28 de abril, Cláudia afirmou não se recordar do motivo de ter recebido o dinheiro do Grupo Libra. O pagamento teria sido feito em 2007.  Ela disse também que não tinha relação comercial com nenhum dos acionistas da empresa, mas que conhecia "socialmente" Gonçalo Torrealba. A filha de Cunha, Danielle Dytz, classificou Gonçalo como "amigo" de seu pai. Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa do Grupo Libra disse que não havia conseguido contato com nenhum dos sócios para comentar o assunto.

 

 

Suíça. No depoimento, Cláudia afirmou que a conta que estava em seu nome na Suíça era “abastecida” pelo peemedebista, mas que ela nunca perguntou ao marido de onde vinha o dinheiro para custear os gastos da família no exterior. A jornalista declarou ainda que não fazia ideia de quanto ganhava um deputado federal e “auferia a renda com a atuação no mercado financeiro e empresarial” desenvolvida pelo marido antes de entrar para a política. Cláudia acrescentou que“ não declarou as contas às autoridades brasileiras porque quem era o responsável por isso” era Cunha. A filha de Cunha, Danielle Dytz, também prestou depoimento. Assim como Cláudia, ela disse nunca ter questionado Cunha sobre a origem do dinheiro.

À Lava Jato, Danielle afirmou que, apesar de ter uma empresa em seu nome e rendimento mensal que variava entre R$ 5 mil e R$ 10 mil, seu pai “sempre gerenciou a sua vida financeira, mesmo quando foi casada, não vendo nenhum problema nesse fato”.

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