Título: Brasília e a Copa do Mundo
Autor: Corrêa, Maurício
Fonte: Correio Braziliense, 23/10/2011, Opinião, p. 21
Brasília novamente volta ao cenário de escândalos com as ocorrências verificadas no Ministério do Esporte. Ninguém sabe ao certo até que ponto os fatos em toda a sua extensão são verdadeiros ou não. Sabe-se apenas que o denunciante e a ONG que dirige são da cidade, e que o alvo principal atingido até agora seja o ministro da pasta. Mais uma vez é a capital brasileira que se coloca no centro da notícia como sede de desmandos funcionais na administração pública.
O ministério nomeado pela presidente da República já sofreu várias baixas. Com exceção do ministro da Defesa, que caiu do posto por dificuldades de acomodação, os outros saíram mal de seus cargos ou os deixaram com uma aura de dúvida a pairar sobre a cabeça. Apesar de medidas saneadoras tomadas pelo governo em oportunidades similares, é indiscutível que o desgaste se manifesta evidente. Têm sido repetitivos os casos em que ministros se veem em situações embaraçosas, mas que não deixam de afetar o exercício presidencial.
Quando ministros de Estado ou outros servidores de nível mais elevado do escalão governamental são denunciados publicamente por práticas ilícitas, fica difícil para o superior hierárquico despedi-los sem que antes tenha um melhor conhecimento da questão. A presidente da República tem sido prudente com relação às demissões de servidores exercentes de cargos de confiança que se encontrem nessa situação. Não se pode precisar se uma injustiça perpetrada é pior para quem a sofre ou se para quem a mande executar. Talvez com receio de que possa ferir esse princípio, tenha sido ela cautelosa em despedir servidores quando apanhados em denúncias de escândalos. O problema é que a prudência em demasia pode gerar efeitos contrários. Há casos em que a decisão tem que ser imediata.
É preciso distinguir servidores que gozam de estabilidade estatutária — hoje só passível de adquiri-la os que se submetem a concurso público — dos que exercem simples cargos de confiança. Ministros de Estado ocupam cargos políticos demissíveis ad nutum, portanto, quando perdem a confiança do chefe, podem ser sumariamente mandados embora. Entretanto, ainda que se trate de cargo de confiança, conforme a natureza das acusações de que o servidor padeça, a dispensa corresponde a uma verdadeira pena grave; enquanto que, para os acusadores, a reprimenda é prêmio. A equação desse paroxismo é que leva o agente superior consciente de seus deveres a esperar que o tempo amadureça o deslinde do impasse.
O número de ministérios, secretarias e órgãos equiparados, que já chega a 37, é inexplicável para um país como o Brasil. É muita despesa que toda a máquina traz aos cofres públicos. Cada um dos titulares dos cargos de ministro pode ter à disposição moradia, carros oficiais, seguranças, além de aviões do Grupo de Transporte Especial (GTE), da FAB, para que possam se deslocar para dentro do território nacional e, em algumas circunstâncias, até para o exterior, com acompanhantes, diárias pagas, e a cobertura de outras despesas que os deslocamentos acarretam. Com tanta gente sob o comando da presidente, é de esperar que os problemas sob sua responsabilidade direta aumentem. É até complicado saber o nome de cada um dos que ocupam a direção desses órgãos de tantos que são. Não há quem não diga que não seja necessário enxugar o oneroso complexo.
Quase sempre é traumática a demissão de servidores desses níveis. Tem-se adotado o recurso de que eles próprios encaminhem pedido de exoneração dos cargos que ocupem. A medida ameniza as complicações com os partidos políticos aos quais se acham filiados ou dos quais receberam indicação ou apoio. No que tange ao governo federal, essas providências têm sido custosas e modorrentas, o que lhe tem provocado implícito prejuízo. O critério oficial tem sido o de segurar as pessoas nos cargos até onde for possível, só agindo com o ânimo de demiti-las ou forçá-las à exoneração quando os fatos tomam conta do noticiário e as cobranças se avolumam. O bom é saber que, com as pressões da mídia, da oposição e da sociedade, a presidente tem conseguido se livrar de alguns desses auxiliares que lhe têm criado problemas.
Nem sempre as denúncias encampadas pela imprensa sob os aplausos da sociedade contra agentes do poder público são procedentes. Alguns episódios passados a esse respeito são exemplares. Não pode o administrador, com base simplesmente em pressões, cometer com afoitezas atos que se provem depois infundados. Daí a serenidade com que deve agir diante de fatos dessa ordem. Faz bem a presidente em seguir esses parâmetros de atuação, como, aliás, tem afirmado acerca das acusações ultimamente dirigidas contra o ministro do Esporte. Tudo, porém, tem limite. O país não pode mais pagar os ônus pelo desgaste por causa de querelas entre membros de um partido em que o móvel da questão se resume, como se tem dito, a ferida. Em contrapartida, em razão da necessidade de tratativas com os órgãos da Fifa, não há como o país se apresentar com o seu ministro do Esporte alvejado pelas críticas expostas na mídia mundial.
É preferível supor que todos esses fatos parem por aqui. E que Brasília descanse dos muitos reveses pretéritos que a consternaram.