Perícia vê ato de Dilma em créditos, mas isenta pedalada 

Isabela Bonfim e Julia Lindner

28/06/2016

 

 

Senadores aliados e contrários usam trechos do documento da junta técnica tanto para defender quanto para atacar presidente afastada

O corpo técnico do Senado responsável por elaborar uma perícia do processo de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff entregou ontem, 27, laudo que responsabiliza a petista pela edição de decretos de créditos suplementares, mas que a isenta da atuação nas chamadas pedaladas fiscais.

A perícia teve dez dias para responder a 99 perguntas, tanto da defesa quanto da acusação. O laudo final consta de 224 páginas e divide a análise dos atos da presidente afastada entre os quatro decretos avaliados no processos e as operações de crédito realizadas relativas ao Plano Safra, conhecidas como pedaladas fiscais.

No que diz respeito aos créditos suplementares, a perícia aponta que três dos quatro decretos assinados pela presidente afastada são incompatíveis com a meta fiscal vigente na época de sua edição, no caso a meta estabelecida pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Mais à frente, entretanto, os técnicos afirmam que o que deve ser considerado é a meta fiscal que foi revisada pelo PLN 5/2015.

“Esta Junta identificou que pelo menos uma programação de cada decreto foi executada orçamentária e financeiramente no exercício financeiro de 2015, com consequências fiscais negativas sobre o resultado primário”, afirma a perícia, alegando ainda que a abertura dos decretos demandaria autorização legislativa prévia.

Por outro lado, a perícia também argumenta que apesar de os decretos não estarem em conformidade com a LDO, a meta foi revista pelo PLN 5/2015, convertido em lei em 3 de dezembro de 2015.

“Contudo, a meta considerada à época, inclusive para fins de definição e operacionalização das limitações de empenho e movimentação financeira, foi a constante no PLN 5”, diz o texto.

A perícia aponta ainda que, conforme informações apresentadas pela Secretaria de Orçamento Federal (SOF), no processo de formalização dos decretos que viriam a ser assinados pela presidente afastada, não houve qualquer alerta de incompatibilidade com a meta fiscal. Ainda assim, a perícia não isenta Dilma da autoria dos decretos. “Há ato comissivo da presidente da República na edição dos Decretos, sem controvérsia sobre sua autoria.”

Interferência. O laudo diz exatamente o oposto em relação às pedaladas fiscais. Embora tenham considerado que os atrasos de pagamentos constituam operação de crédito, o que afronta a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), os peritos avaliaram que não houve interferência da presidente. Neste caso, portanto, não haveria crime de responsabilidade.

“Pela análise dos dados, dos documentos e das informações ao Plano Safra, não foi identificado ato comissivo da Presidente da República que tenha contribuído direta ou indiretamente para que ocorressem os atrasos de pagamentos”, continuam os peritos.

Os atrasos de pagamento do Tesouro ao Banco do Brasil somam R$ 3,5 bilhões. Os peritos avaliam que a operação configura crédito e aponta, inclusive as correções feitas nos pagamentos. Ainda assim, avalia que há conformidade com portarias publicadas pelo Ministério da Fazenda.

“Os atrasos de pagamentos devidos ao Banco do Brasil constituem operação de crédito, tendo a União como devedora, o que afronta ao disposto no artigo 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal”, diz o documento.

Repercussão. Ao longo do dia, os parlamentares usaram trechos do documento para discursar conforme seus interesses políticos. Enquanto a base do presidente em exercício Michel Temer preferiu se concentrar nos decretos de crédito suplementar, os aliados de Dilma se apegaram às pedaladas.

“Para se caracterizar um crime de responsabilidade de um presidente da República, é necessário que haja sua participação direta. Essa denúncia que já era frágil, se torna um pretexto para afastar uma presidente eleita pelo povo”, afirmou o ex-líder do governo Dilma, Humberto Costa (PT-PE).

Já Ricardo Ferraço (PSDB-ES) defendeu que a comissão partisse direto para a votação da culpabilidade da petista, alegando que a perícia é clara quanto aos crimes de Dilma. “Os fatos revelados pela perícia permite que a gente vá direto para a conclusão dos nossos trabalhos. Está mais do que evidente agora quais os crimes cometidos pela presidente”, disse Ferraço.

O líder do PSDB, Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), argumentando que o documento se tornou uma peça favorável à acusação. “A perícia era um instrumento da defesa e passa a ser ferramenta da acusação. Fica caracterizado o crime de responsabilidade com relação aos decretos de crédito, suprimindo as prerrogativas do Congresso”, afirmou Cunha Lima.

Hoje,  defesa e acusação poderão pedir esclarecimentos sobre a perícia. Os técnicos terão até a sexta-feira para responder aos questionamentos. A junta de peritos deve ser ouvida pela comissão no dia 5 de julho.

Pelo cronograma, Dilma poderá depor no colegiado no dia 6 de julho. Ela não é obrigada a comparecer e pode ser representada pelo seu advogado, José Eduardo Cardozo.

Discursos

“Para se caracterizar um crime de responsabilidade, é necessário que haja sua (Dilma) participação direta”

Humberto Costa (PT-PE)

EX-LÍDER DE GOVERNO NO SENADO

“Fica caracterizado crime de responsabilidade com relação aos decretos”

Cássio Cunha Lima (PSDB-PB)

LÍDER DO PARTIDO NO SENADO