O BC e seus dilemas
Míriam Leitão
08/06/2016
Ilan falou também de crescimento, como decorrência da melhora geral da economia que poderá ser conseguida com ajuste fiscal e inflação na meta. “Estou certo que esse objetivo poderá ser conquistado por meio do funcionamento harmônico e complementar das instituições brasileiras. É amplamente registrada na literatura econômica a importância do fortalecimento das instituições para o crescimento econômico sustentável”, disse.
O economista explicou como é importante manter a inflação na meta para absorver os “choques” que sempre acontecem. Ressaltou que estava feliz em voltar ao setor público, como forma de retribuir ter estudado em universidade pública.
O discurso estava perfeito, mas o grande debate lá no Senado foi sobre se alguém que vem de banco — e a senadora Vanessa Grazziotin chegou a falar que o Itaú era o banco que ele dirigia — poderia ser presidente do Banco Central. Primeiro era preciso explicar que ele não dirigia o Itaú. A função de economista-chefe é totalmente distante do trabalho de administração de recursos, aplicações financeiras, de operação do banco. É o setor de análise e estudos. Segundo, e isso foi dito por alguns senadores, nos 13 anos petistas vários diretores do BC foram recrutados no mercado e o presidente do Banco Central dos dois mandatos de Lula fora anteriormente presidente de um banco estrangeiro. Política não é mesmo a arte da coerência.
Uma proposta da neo-oposição foi a de que houvesse uma quarentena de entrada como tem a de saída. Ilan explicou que, ao sair, é preciso ter a quarentena porque o funcionário teve acesso a informações que precisam perder a validade. Ao entrar, explicou, não faz sentido, porque não há informação do setor privado que o setor público não possa saber. Se o Banco Central é o órgão regulador e fiscalizador dos bancos, evidentemente sabe da situação das instituições financeiras. Um completo nonsense essa ideia.
O senador Cristovam Buarque, como sempre, levantou uma questão relevante sobre qual é o nível ótimo das reservas cambiais. Elas estão altas e isso é um seguro, mas o custo de carregá-las é muito elevado. Ilan disse que esse assunto tem sido debatido e não há consenso. Que neste momento é importante ter reservas neste nível de 20% do PIB do país, mas que, em outro momento, quando não houver a crise vivida agora, pode ser bom retomar o debate sobre o nível ótimo de reservas. O fato é que o Brasil sempre teve falta de dólar nas crises e o fator cambial foi um enorme complicador. É uma tranquilidade não ter também escassez de dólar.
Muitos senadores falaram dos altos juros brasileiros e dos spreads elevados. E este é mesmo um insistente problema em todos os governos. Mas nada funcionou no país para reduzir esse diferencial entre o custo de captação e empréstimo que chega a níveis bizarros em algumas modalidades de crédito. O governo Fernando Henrique tentou ampliar as informações sobre as taxas de diferentes bancos achando que isso incentivaria a competição e as derrubaria. Não funcionou. O governo Lula tentou com o consignado reduzir a taxa para alguns segmentos, isso ampliou o acesso ao crédito, mas aumentou a parte do mercado que não é afetada pela política monetária, criando mais uma dificuldade para o Banco Central. É um desafio para qualquer presidente do BC trabalhar para que o spread bancário seja menor do que os níveis praticados no país.
Ilan, aprovado ontem por 56 a 13 e uma abstenção, assumirá o Banco Central com problemas graves de curto prazo. A inflação está muito acima do teto da meta, e a recessão é a pior da nossa história. O presidente do Senado, Renan Calheiros, ao proclamar o resultado, defendeu a autonomia do Banco Central e com estabelecimento de mandato. Nem Ilan tinha ido a tanto. Ele defendeu a autonomia e disse que mandato deveria ser discutido quando o país estivesse preparado para isso.
O globo, n. 30256, 08/06/2016. País, p. 22.