Título: STJ aprova casamento gay
Autor: Braga, Juliana
Fonte: Correio Braziliense, 26/10/2011, Política, p. 6

Corte autoriza o matrimônio civil de casal de gaúchas e cria precedente favorável às relações homoafetivas. Decisão permite adotar o nome do companheiro e interfere no direito a herança

Em decisão histórica, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) aprovou ontem, por 4 x 1, o casamento civil de duas gaúchas. Foi a primeira vez que a Corte se debruçou sobre o assunto — e não houve unanimidade na Quarta Turma.

O julgamento, que havia se iniciado na semana passada, foi interrompido porque o ministro Marco Aurélio Buzzi pediu vista. Apesar de se aplicar somente ao casal que pleiteou a ação, e ainda caber recurso por parte do Ministério Público, a decisão abre precedente para interpretações semelhantes.

"É um passo significativo no nosso caminho de reconhecimento da diversidade de gênero", comemora o advogado do casal, Bernardo Amorim. "Quando um tribunal do peso do STJ profere uma decisão, os juízes tendem a respeitar. Vai incentivar vários juízes a reconhecerem o casamento homoafetivo", acredita Paulo Roberto Iotti, representante do Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual.

Na prática, tribunais de instâncias inferiores e até cartórios podem usar a decisão do STJ para conceder o direito ao casamento a casais homoafetivos que solicitarem o matrimônio. Nesses casos, o direito ainda pode ser contestado e depende da avaliação de cada juiz.

A diferença entre a união estável e o casamento é que a primeira pode ser estabelecida apenas pelo tempo de convivência e, quando formalizada, é feita por meio de contrato. O casamento tem caráter de estabilidade maior, porque só pode ser suspenso por meio de processo de divórcio. "Com o casamento, a vida é menos burocrática. Quando a união estável não é recente, às vezes é necessário comprovar que ela ainda existe. Para conseguir uma pensão no INSS, por exemplo, podem pedir o depoimento de testemunhas, ou de um plano de saúde em que um dos companheiros seja dependente", explica o advogado Paulo Roberto.

Há diferença também no direito a herança. Ao cônjuge cabe parcela maior que ao companheiro, no caso de ter de dividi-la com pais ou filhos do falecido. Na união estável, se o parceiro que morrer tiver um filho de outro relacionamento, o companheiro tem direito a metade do valor destinado ao descendente. No casamento, a parcela é a mesma.

Outra diferença importante é que, com o casamento, o cônjuge tem direito a adotar o nome do parceiro. O primeiro casal que teve o casamento reconhecido no Distrito Federal, por exemplo, usou esse direito.

Regulamentação O deputado federal Jean Wyllys (PSol-RJ) acompanhou o julgamento e, apesar de comemorar a decisão, afirma que o parecer não substitui a necessidade de regulamentar o casamento civil homoafetivo por meio de lei. "Se o Legislativo é omisso em estender a cidadania a todos os brasileiros, um dos Três Poderes tem que fazer isso", avalia. Segundo ele, a decisão do STJ vai gerar uma pressão para que o Congresso Nacional analise o assunto. O deputado elaborou um projeto de lei que não foi protocolado ainda por falta de assinaturas dos colegas.

Direitos Em maio, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a união estável de pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. A Corte decidiu que não havia elementos jurídicos para não estender às uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo os mesmos direitos das uniões estáveis heterossexuais. O entendimento foi de que a orientação sexual não é argumento suficiente para negar direitos a uma parcela da população. A decisão do STF tem caráter vinculante, ou seja, obriga as instâncias inferiores a adotarem a mesma postura em casos semelhantes, no que diz respeito à união estável. Apesar de se tratar de casamento (instituição diversa), o STJ adotou interpretação parecida.