O Estado de São Paulo, n. 44810, 24/06/2016. Política, p. A6

Custo Brasil

Por: Eliane Cantanhêde

 

Ministério Público Federal e Polícia Federal acreditam que o roubo no Ministério do Planejamento na gestão Paulo Bernardo (PT), durante o governo Lula, chegou a R$ 100 milhões, desviados de contratos com a empresa Consist, responsável pelo sistema de crédito consignado dos servidores federais.

Em delação premiada, Sérgio Machado (PMDB) disse que, nos seus cerca de dez anos na presidência da Transpetro, subsidiária da Petrobras, repassou mais de R$ 100 milhões para integrantes da cúpula do seu partido: José Sarney, Renan Calheiros, Edison Lobão, Romero Jucá...

Um único gerente da Petrobras, que nem diretor era, se comprometeu na delação premiada a devolver aos cofres públicos a bagatela de US$ 100 milhões: Pedro Barusco, ex-gerente executivo da Diretoria de Serviços da maior, mais simbólica e mais querida companhia brasileira.

Nestor Cerveró, ex-diretor da Área Internacional da Petrobras, disse em depoimento que transferiu uns US$ 100 milhões de propina ao governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) com a venda da empresa petrolífera Pérez Companc.

De grão em grão, a galinha enche o papo. Pois, de 100 milhões em 100 milhões (de reais ou de dólares), o País vai empobrecendo em saúde, educação, habitação, costumes, ética e o que, talvez, seja o mais assustador: em política.

O PT passou 20 anos na oposição, vendendo-se como puro contra todos os demais, os impuros, até assumir o poder e não apenas se embolar e se confundir com os impuros, como chegar ao ponto de disputar com eles em diferentes modalidades: “Quem dá mais?”; “É dando que se recebe”; “Toma lá, dá cá.”

Depois de 20 anos de uma disputa sangrenta, PT e PSDB, os dois partidos mais respeitados do País, se veem não diante, mas dentro de um cenário de terra arrasada. Se houvesse eleição antecipada, como alguns insistem em defender, quem seria candidato do PT? Lula, atingido em cheio pelos filhos, pelo partido, por sítios e tríplex? E quem seria o do PSDB? Aécio Neves, arroz de festa em delações sobre Furnas?

Nessa situação um tanto desesperadora, o mundo se divide em dois: a sociedade vibra com gravações, delações e prisões, mas o universo político começa assumir movimentos de autoproteção.

Quando o ex-tucano e ex-petista Delcídio Amaral viveu o ineditismo de um senador preso no exercício do mandato, o plenário do Senado aprovou e votou a favor da sua prisão. Quando o ex-tucano e peemedebista Machado entregou 20 políticos e fez um strike no PMDB de Michel Temer, o PT foi contido e discreto. Agora, quando o MP e a PF fazem busca e apreensão no apartamento funcional da senadora petista Gleisi Hoffmann, enquanto prendiam Paulo Bernardo, seu marido, o PSDB não ficou apenas contido e discreto, mas partiu para vibrante defesa.

Segundo o líder tucano, Cássio Cunha Lima, foi “um absurdo” um juiz de primeira instância mirar no apartamento funcional de uma senadora, pois só o Supremo Tribunal Federal poderia fazê-lo. “Apesar de políticos, somos gente (sic). É preciso ter um mínimo de compreensão com a dor alheia. O silêncio dos senadores é um silêncio respeitoso”, disse ele.

Trata-se do velho espírito de corpo, quando a Lava Jato escancara tudo, expõe todos e cada um. Aparentemente, nenhum partido sobrevive e todos os políticos caem na mesma vala comum, na percepção cruel e destruidora de que “todos são iguais”. O problema é que isso tudo dispara o espírito de corpo dos políticos, mas o brasileiro está cada dia mais espírito de porco - no bom sentido.

 

Ausência: O líder natural na América do Sul é o Brasil, que tem o maior território, a maior economia, a maior planta industrial, a maior população. Mas, apesar disso, o Brasil ficou totalmente fora do acordo histórico entre Farc e governo na Colômbia. Por quê? Por ideologia.

 

Leia mais em:

http://digital.estadao.com.br

Senadores relacionados:

Órgãos relacionados:

_______________________________________________________________________________________________________

Do interior do Paraná ao centro do poder

Ex-ministro de Lula e Dilma formou a chamada ‘República de Londrina’ na década de 1990

Por: Pedro Venceslau / Lu Aiko Otta / Eduardo Rodrigues

 

Ministro do Planejamento no governo Luiz Inácio Lula da Silva e das Comunicações na gestão Dilma Rousseff, Paulo Bernardo era até a manhã de ontem, 23, o último integrante em liberdade de um grupo que ficou conhecido no Estado do Paraná como a “República de Londrina”.

Foi na cidade de pouco menos de 500 mil habitantes que o ex-deputado José Janene (PP), um dos pivôs do escândalo do mensalão (morto em 2010), o ex-deputado André Vargas (PT), preso por corrupção passiva e lavagem de dinheiro na Operação Lava Jato, e o doleiro Alberto Yousseff, principal elo do esquema de corrupção na Petrobras, começaram suas bem sucedidas carreiras.

A relação entre esses personagens remonta à construção de uma aliança local formada nos anos 1990, quando o ex-ministro, então um líder sindical dos bancários, elegeu-se deputado federal pela primeira vez.

Em 1992, Bernardo ajudou a unir no mesmo palanque local Assad Jannani (PDT), irmão de Janene, e Luis Eduardo Cheida (PT).

O petista foi eleito prefeito de Londrina e o pedetista seu vice, mas Bernardo não conseguiu emplacar o correligionário André Vargas, então uma promissora liderança ligada aos movimentos sociais da cidade, como vereador.

Em 1994, foi a vez de Janene ser eleito deputado federal. Uma vez em Brasília, ele teria apresentado a Yousseff os caminhos do dinheiro público. Pouco mais de uma década depois, em 2009, a Polícia Federal começou em Londrina uma investigação de rotina para rastrear dinheiro de quatro doleiros, entre eles Alberto Yousseff. Esse foi o embrião da Operação Lava Jato.

A conexão entre Bernardo Youssef foi citada pela primeira vez na Lava Jato em setembro de 2014, quando o ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto Costa disse que o doleiro o procurou afirmando ter recebido um pedido de Bernardo no valor de R$ 1 milhão para a campanha de sua mulher, Gleisi Hoffmann (PT-PR), ao Senado.

O outro membro da “República de Londrina”, Janene, foi apontado como mentor do esquema na Petrobrás, enquanto André Vargas foi preso após a revelação de sua relação com Youssef em abril de 2015.

 

Fiscalista. Bernardo começou sua carreira em São Paulo, mas mudou-se para o Paraná após ser aprovado em concurso do Banco do Brasil em 1982. Filiou-se ao PT em 1985, quando já era uma liderança regional da categoria.

Entre três legislaturas na Câmara dos Deputados, foi uma espécie de curinga para o PT e exerceu os cargos de secretário da Fazenda do Estado de Mato Grosso do Sul entre 1999 e dezembro de 2000 e de secretário da Fazenda da prefeitura de Londrina de 2001 a 2002. Foram essas credenciais que chamaram a atenção do presidente Luiz Inácio da Silva em 2005. Naquele ano, Bernardo se licenciou do mandato de deputado e assumiu o Ministério do Planejamento.

Ele é lembrado como um ministro de linha mais próxima da fiscalista. Em 2005, Bernardo formulou, junto com o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, um plano de ajuste fiscal de longo prazo que, levado ao Planalto para avaliação da então ministra-chefe da Casa Civil Dilma Rousseff, foi chamado de “rudimentar”.

O plano tinha o mesmo objetivo das diversas medidas de ajuste fiscal apresentadas depois, inclusive as atuais, formuladas pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles: reduzir o estoque da dívida bruta como proporção do Produto Interno Bruto (PIB).

A linha fiscalista foi abandonada no segundo mandato de Lula (2007-2010). Transferido no governo de Dilma Rousseff (2011-2014) para as Comunicações, a primeira missão de Bernardo foi criar meios de popularizar o acesso à internet, por meio de tablets mais baratos.

Também foi sob sua gestão que o governo tentou transformar a operadora Oi em uma “supertele” nacional. A empresa pediu recuperação judicial nesta semana e é o maior caso do tipo da história.

No Ministério das Comunicações, Bernardo foi criticado por setores do PT por ter cortado recursos de blogueiros ligados ao partido e “privilegiado” os grandes grupos de comunicação.

 

Discrição. Após a prisão, foram poucas e discretas as manifestações de apoio no PT ao ex-ministro. “Ele é um fundador do PT. Sempre teve militância e muita capacidade política”, disse o paranaense Florisvaldo de Souza, secretário nacional de organização da legenda. A defesa mais enfática partiu de um adversário político local, o senador Roberto Requião (PMDB-PR). “A prisão foi um espetáculo a favor do impeachment”, afirmou. / COLABOROU RICARDO GALHARDO

 

Espetáculo

“O que houve (a prisão e busca e apreensão na sede do PT) foi um espetáculo a favor do impeachment. E por que a vistoria na sede do PT? Só um asno poderia achar que havia algo lá”

Roberto Requião (PMDB-PR)

SENADOR E ADVERSÁRIO POLÍTICO DE PAULO BERNARDO (PT-PR)

Senadores relacionados:

Órgãos relacionados:

_______________________________________________________________________________________________________

Defesa de Paulo Bernardo afirma que prisão é ilegal

Advogados do ex-ministro dizem que medida não cumpriu requisitos; senadora Gleisi Hoffmann sai em defesa de marido

 

Os advogados Verônica Sterman e Rodrigo Mudrovitsch, que defendem o ex-ministro Paulo Bernardo, afirmaram ontem que a sua prisão foi ilegal e não preencheu os requisitos para que fosse autorizada.

Bernardo foi preso preventivamente sob a suspeita de ter recebido propina de R$ 7 milhões sobre um contrato vinculado ao Ministério do Planejamento durante sua gestão.

“A defesa não teve acesso à decisão ainda, mas adianta que a prisão é ilegal, pois não preenche os requisitos autorizadores e assim que conhecermos os fundamentos do decreto prisional tomaremos as medidas cabíveis”, afirmaram os criminalistas no comunicado.

“O Ministério do Planejamento se limitou a fazer um acordo de cooperação técnica com associações de entidades bancárias, notadamente a ABBC e SINAPP, não havendo qualquer tipo de contrato público, tampouco dispêndios por parte do órgão público federal. Ainda assim, dentro do Ministério do Planejamento, a responsabilidade pelo acordo de cooperação técnica era da Secretaria de Recursos Humanos e, por não envolver gastos, a questão sequer passou pelo aval do ministro”, ressaltaram os advogados.

Segundo eles, o inquérito instaurado “para apurar a questão há quase um ano não contou com qualquer diligência, mesmo tendo o ministro se colocado à disposição por diversas vezes tanto em juízo como no Ministério Público e Polícia Federal”.

 

‘Vida modesta’. Após a prisão preventiva do marido, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) fez duras críticas à Polícia Federal.

A parlamentar acusou a PF de usar a operação para desviar a atenção de supostos erros do presidente em exercício Michel Temer, a fim de “garantir” o impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff.

Em nota, Gleisi  saiu em defesa do marido e disse que ele foi injustiçado. “Conheço o pai dos meus filhos. Sei das suas qualidades e do que não faria, por isso sei da injustiça que sofreu”, afirmou.

A senadora negou que Bernardo tenha recebido propina, e disse que o patrimônio da família foi comprado com os salários do casal. “Quem nos conhece sabe que não fizemos fortuna, não temos conta no exterior, levamos uma vida confortável, porém modesta.” “Desde que esse processo começou, Paulo se colocou inúmeras vezes à disposição da Justiça, sempre esteve totalmente disponível, tem endereço conhecido”, afirmou Gleisi.

 

Fundamentos

“A defesa (do ex-ministro) não teve acesso à decisão ainda, mas adianta que a prisão é ilegal, pois não preenche os requisitos autorizadores e assim que conhecermos os fundamentos do decreto prisional tomaremos as medidas cabíveis”

Verônica Sterman e Rodrigo Mudrovitsch

ADVOGADOS DO EX-MINISTRO PAULO BERNARDO, EM NOTA

Senadores relacionados: