Transporte de órgãos terá avião exclusivo

Catarina Alencastro, Eduardo Barreto e Vinicius Sassine

07/06/2016

 

 

Temer assina decreto determinando que FAB mantenha aeronave à disposição para transplantes

O transplante no Brasil contará com pelo menos uma aeronave da Força Aérea Brasileira (FAB) destinada exclusivamente ao transporte de órgãos ou de pacientes. A decisão foi tomada ontem pelo presidente interino, Michel Temer, em resposta à reportagem publicada pelo GLOBO no domingo que revelou recusas da FAB em transportar 153 corações, fígados, pulmões, pâncreas, rins e ossos entre 2013 e 2015.

Temer assinou o decreto que inclui novas atribuições do Ministério da Saúde e da FAB no transporte de órgãos. Pelo decreto, que será publicado hoje no “Diário Oficial da União”, o ministério deve requisitar o apoio da FAB, e a Aeronáutica, por sua vez, “manterá permanentemente disponível, no mínimo, uma aeronave que servirá exclusivamente a esse propósito”.

Nos mesmos dias em que deixou de fornecer aeronaves para buscar órgãos destinados a transplantes, a FAB atendeu a 716 requisições de transporte de ministros do Executivo e de presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF), do Senado e da Câmara. Em 84 casos, ministros e parlamentares voltavam de Brasília para suas casas nas cidades de domicílio ou faziam o caminho inverso. Esses voos transportaram 4,5 mil pessoas — as autoridades e seus caronas. Não há registros de negativas para o transporte de autoridades. Já o índice de recusas para transportar órgãos aumentou de 52,7% em 2013 para 77,5% dos pedidos feitos em 2015.

Um decreto de 2002, que tem força de lei, obriga a FAB a transportar autoridades. O deslocamento de órgãos, por sua vez, não tinha arcabouço legal — havia apenas acordos de cooperação técnica que envolvem Ministério da Saúde e empresas aéreas privadas. As empresas fazem o transporte de graça, quando as rotas comerciais se encaixam nas demandas surgidas, e não há casos de recusas a pedidos da Central Nacional de Transplantes (CNT). Na edição de ontem, o jornal revelou que problemas de logística levaram a CNT a recusar 982 órgãos em cinco anos, um a cada dois dias. Na lista estão 347 corações ofertados, que não puderam ser transportados.

Em pronunciamento no Planalto, Temer disse sentir “tristeza cívica” com as informações da reportagem. Ele não falou sobre medidas relacionadas ao uso das aeronaves por autoridades.

— Para nossa tristeza cívica, nós verificamos que a notícia registrava que não havia avião da FAB para transportar aquele material. Acabei de assinar um decreto onde se determina à Aeronáutica, com a sua absoluta concordância, que se mantenha permanentemente um avião no solo, à disposição, para qualquer chamado para o transporte destes órgãos. Ou ainda, se for para transportar aquele paciente para o local onde está o órgão ou o tecido, que assim também se faça. Portanto, não haverá mais, a partir de agora, essa deficiência. O número apontado era um número muito significativo e, portanto, preocupante. Esta é a primeira comunicação, que me parece que leva em conta a ideia de que saúde é vida. E nós precisamos estar atentos a esse fato que parece, ou pode parecer, de menor relevância, mas tem uma relevância extraordinária — disse Temer.

A reportagem revelou que, em 21 de dezembro de 2015, um coração deixou de ser transportado de Cascavel (PR) para Brasília. O paciente que o receberia só conseguiu um coração novo em 11 de janeiro — ele morreu um mês depois. No intervalo entre o preenchimento da ficha da doadora e o horário previsto para a captação do órgão, aviões da FAB transportaram o presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e outras quatro autoridades.

O decreto do presidente interino diz que o Ministério da Saúde deve “requisitar apoio da FAB para o transporte de órgãos, tecidos e partes, até o local onde será feito o transplante, ou, quando assim for indicado pelas equipes especializadas, para transporte do receptor até o local do transplante”. O texto altera decreto de 1997 que regulamentou a lei de remoção de órgãos. Também está no decreto que, quando equipes especializadas indicarem que o receptor deva ser transportado ao local da retirada de órgãos, este poderá ser acompanhado por familiares, pessoas indicadas e profissionais de Saúde. A assessoria de imprensa do Planalto explicou que os custos dessas viagens devem ser arcados pela FAB, que será notificada a manter a aeronave sempre apta, com combustível, para os trajetos para os quais for solicitada.

 

“Nós precisamos estar atentos a esse fato (falta de avião para transporte de órgãos) que tem uma relevância extraordinária”

 

 

O globo, n. 30255, 07/06/2016. País, p. 7.