Título: Gastos da Câmara ferem austeridade
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Fonte: Correio Braziliense, 26/10/2011, Opinião, p. 12

Certas decisões do Congresso fazem presumir que se trata de instituição não integrada à realidade nacional, mas poder político situado em esferas siderais. De outra forma, não é possível entender a decisão da Câmara dos Deputados de promover reforma milionária nas suas instalações. Ainda que houvesse razoável justificação para a iniciativa — e não há —, a conjuntura reclama severa austeridade no manuseio dos dinheiros públicos. Sabe-se que as acomodações para deputados e múltiplos órgãos da Casa podem não ser as mais bem aparelhadas, mas são suficientes e satisfatórias. Nem sequer se pode alegar, em favor do projeto perdulário, que houve aumento do número de representantes.

A prática republicana não foi capaz, até agora, de imprimir na consciência das maiorias parlamentares contemporâneas o sentido do compromisso com a solução dos problemas cruciais do país. Antes, prevalece a busca de condições privilegiadas para o exercício dos mandatos. Aí está a ânsia que impulsiona os dirigentes da Câmara, sob forte pressão das bancadas, de sacar R$ 314,7 milhões para erguer, ao lado do Anexo 3, mais cinco pisos. São edificações consideradas necessárias para acolher a transferência de 84 deputados que desejam ambiente maior e mais confortável. A orgia de gastos contempla, inclusive, cobertura, terraço, jardim, área de alimentação, espaços para eventos e uso público.

Nas rubricas da despesa insólita, R$ 44,7 milhões se destinam à reforma de apartamentos funcionais localizados na SQN 302, blocos C, D, E. Não faz muito, seis foram renovados ao custo de R$ 66 milhões. Eles são 400. Muitos deputados, todavia, preferem o auxílio-moradia. Outra mordomia associada ao desempenho do mandato, como se os eleitos, destinatários de vantagens e verbas especiais, não pudessem, como qualquer outro servidor público, alugar imóveis para residir.

A maioria da população brasileira sobrevive com escassos orçamentos domésticos. São milhões os que engrossam o contingente pouco acima da pobreza extrema. Os levantamentos do IBGE mostram que 12 milhões de pessoas situam-se no último estágio do infortúnio social — a miséria absoluta. Contam-se em expressão numérica de cinco dígitos os cidadãos que morrem nas filas ou no chão da rede pública hospitalar por falta de assistência. O quadro aterrador, ao qual se pode incluir a baixa qualidade do ensino, resulta tanto da indiferença dos governantes quanto da carência de recursos oficiais.

Mas enquanto o país braceja em meio a cenário ultrajante, a incontinência da Câmara, na administração das somas tomadas ao sacrificado contribuinte, não vai além de acinte ao povo e da alienação política. A justificação é a de que a cobertura de gastos procederá da entrega ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica da folha de pagamento de funcionários. Não convence: é como se tal soma não fosse dinheiro público.