Ex-coordenador da Receita é preso por corrupção

Gabriela Valente e Marlen Couto

04/06/2016

 

 

Marcelo Fisch é acusado de fraudar licitações da Casa da Moeda

A Polícia Federal prendeu ontem o ex-coordenador-geral de Fiscalização da Receita Federal Marcelo Fisch e sua mulher, Mariangela Defeo Menezes, por corrupção ativa em licitações e contratos da Casa da Moeda. O órgão fabrica os lacres e selos de controle de recolhimento de impostos pelos setores de bebidas e cigarros, respectivamente. A Operação Esfinge desarticulou uma quadrilha que fraudava certames, desviava recursos públicos e lavava dinheiro desde 2008. Os crimes movimentaram mais de R$ 6 bilhões. Somente as propinas teriam ultrapassado R$ 70 milhões, de acordo com a PF.

Cerca de 30 policiais federais e 12 servidores da Corregedoria Geral do Ministério da Fazenda cumpriram seis mandados de busca, cinco em São Paulo e um em Brasília. As duas prisões preventivas ocorreram na capital federal. Não foram realizadas buscas na Casa da Moeda.

Um dos alvos da operação foi o escritório de consultoria Enigma, que teria recebido cerca de R$ 70 milhões de uma empresa investigada por fraude a uma licitação na Casa da Moeda sem prestar os serviços contratados. Para a Polícia Federal, a Enigma teria servido de fachada para intermediar o pagamento de propina aos envolvidos no esquema.

Segundo agentes da PF, a consultoria é propriedade de Mario Nicoli Filho, especialista em autenticação de selos fiscais. Ele foi preso em flagrante e indiciado ontem, durante cumprimento de mandado de busca e apreensão, por posse ilegal de arma de fogo de uso restrito, cuja pena pode variar de três a seis anos de reclusão.

A Operação Esfinge é um desdobramento da Operação Vícios, que, em julho passado, cumpriu mandados de busca em 23 endereços em empresas e gabinetes do edifício sede da Receita Federal, em Brasília, e na Casa da Moeda. Na época, a PF já sabia do esquema de corrupção em contratos de R$ 6 bilhões com a Casa da Moeda e previa que o pagamento de propina poderia chegar a R$ 100 milhões, distribuídos a 12 funcionários públicos.

Os policiais apuravam o direcionamento num processo licitatório do sistema que calcula o imposto que tem de ser pago por fábricas de bebidas. Na época, o alvo principal já era Marcelo Fisch. Ele comandou a fiscalização da Receita Federal por seis anos. E foi na gestão dele que o primeiro contrato que teria sido direcionado para uma empresa do esquema foi assinado.

 

FRAUDES COMEÇARAM EM 2008

Desde então, os policiais investigaram como o dinheiro da propina foi lavado. Ontem, Fisch e a mulher foram indiciados e denunciados por crimes de corrupção ativa e passiva. Desde julho do ano passado, ele e os demais suspeitos já estavam com os bens sequestrados por ordem da Justiça Federal. Os principais envolvidos na investigação também tiveram os sigilos fiscais e bancários quebrados

O foco do contrato investigado é o Sistema de Controle da Produção de Bebidas, o Sicobe. Ele prevê a instalação — nas linhas de produção de bebidas como cervejas, refrigerantes, sucos e água mineral — de equipamentos contadores de produção. Esse mecanismo controla, registra, grava e transmite os dados da produção à Receita Federal, para que seja feita a tributação do produto.

Fisch foi um dos responsáveis pela contratação da empresa Sicpa, que assinou, em 2008, um primeiro contrato, com dispensa de licitação, para o Sicobe, vigente a partir de 2009, quando ele ainda ocupava a função de coordenador-geral da Fiscalização.

De acordo com as investigações, em 2009, sua mulher, Mariangela, abriu a empresa MDI Consultoria em Gestão de Pessoas LTDA. Foram rastreados repasses de US$ 15 milhões destinados a MDI realizados por outra empresa de consultoria, sediada nos EUA, e que seria de propriedade de um representante da Sicpa.

O GLOBO apurou que a Sicpa possui outros contratos com a Casa da Moeda também investigados.

Em fevereiro de 2015, quando Jorge Rachid reassumiu a secretaria da Receita Federal, Fisch foi nomeado chefe da Divisão de Controles Fiscais Especiais da Coordenação-Geral de Fiscalização. A assessoria de Rachid ressalta que ele era chefe de um departamento de um homem só. Em resposta ao GLOBO, os assessores da Receita disseram que ele era o único auditor fiscal lotado na divisão naquele momento.

“Ao tomar conhecimento de que este (Fisch) constava como investigado na Operação Vícios, o secretário o exonerou da função em 3/7/2015. Desde então, o auditor fiscal se desligou da Receita Federal e passou a ter exercício na Escola de Administração Fazendária, a Esaf”, afirmou a secretaria, que ressaltou que Rachid não é investigado.

Segundo a PF, para reunir provas e desbaratar a quadrilha, os investigadores usaram métodos “extraordinários”, como grampo telefônico.

 

 

O globo, n. 30252, 04/06/2016. Economia, p. 23.