MPF se insurge contra fim de exigência de licença ambiental

Chico Otavio

05/06/2016

 

 

Passada a surpresa inicial, causada pela aprovação em abril, auge da crise política, de um projeto que praticamente revoga a necessidade de licenciamento ambiental para obras públicas, organizações da sociedade civil se juntaram ao Ministério Público Federal e aos MPs estaduais para lançar uma ofensiva contra a PEC 65/2012, considerada um retrocesso na legislação para o setor. Eles aproveitaram o pretexto da Semana do Meio Ambiente para iniciar um movimento contrário à PEC, que está nas mãos da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado.

Se passar, a proposta revoga a exigência de licenciamento ambiental ao prever que a mera apresentação de estudo de impacto (EIA) pelo empreendedor é suficiente para a execução e operação dos projetos. Na prática, dispensa a necessidade de análise e autorização de órgãos ambientais em obras que podem afetar a fauna e a flora, as comunidades locais e os sítios arqueológicos.

Os defensores da PEC alegam a necessidade de acelerar e fazer economia de recursos nas obras. O senador Blairo Maggi (PR-MT), primeiro relator da proposta e atual ministro da Agricultura, alegou que o excesso de prazos e exigências impede, por exemplo, que um prefeito consiga executar um projeto dentro do mandato de quatro anos.

— A proposta é surreal. Não podemos mudar uma legislação por causa do mandato de um prefeito. Com uma redação ruim, a PEC diz que basta ao empreendedor apresentar o estudo que está autorizado a iniciar a execução do projeto. Sendo assim, a obra só poderá ser interrompida por ‘fator superveniente’, como está redigido. Mas ninguém sabe ao certo que fator é esse — diz a procuradora da República Zani Cajueiro, do núcleo ambiental da Procuradoria no Rio.

De autoria do senador Acir Gurgacz (PDT-RO), a PEC 65 será apreciada pela CCJ do Senado pela segunda vez. Em abril, no calor dos debates sobre o impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff, a proposta passou sem alarde e por ampla maioria. Mas um requerimento do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que apontou conflitos com outra PEC em tramitação, a 153, relativa a ações de sustentabilidade, convenceu os senadores a submetê-la à nova apreciação.

— De tão esquisita, essa PEC me deixa desconfiado. Suspeito que seja uma espécie de boi de piranha. Enquanto as forças contrárias estão mobilizadas para rejeitá-la, outras mudanças na legislação ambiental podem estar em andamento sem que percebamos — alerta Cristiano Vilardo, diretor sênior de Política e Estratégia Institucional da ONG Conservação Internacional.

Além da PEC 65, outros projetos de lei que tramitam no Congresso também preocupam os ambientalistas, como o PL 1.546/15, que limita a exigência de estudos de impacto ambiental segundo a matriz de risco, e o PL 654/15, que estabelece prazos exíguos para os órgãos ambientais e elimina etapas do processo de licenciamento para obras estratégicas, criando o fast track, licenciamento ambiental rápido. Há ainda uma proposta de alteração da Resolução Conama 01/86, para criar a figura do licenciamento por adesão, bastando a mera entrega de documentação pelo empreendedor.

— A pior de todas é mesmo a PEC 65, que é de uma excrescência total. Não tem pé e nem cabeça. Ela não flexibiliza, mas acaba simplesmente com o processo de regulação. Isso não quer dizer que as outras sejam boas. Nenhuma delas se aproxima dos caminhos de aprimoramento da legislação, que passam por um processo mais participativo, mais transparente e mais seguro — disse Cristiano Vilardo.

SIMPLIFICAR SEM EVITAR RIGOR

A campanha contrária à PEC começou com um “tuitaço”, #PEC65não, na semana passada. De acordo com a procuradora Zani Cajueiro, foi a segunda hashtag mais “tuitada” no dia do lançamento nas redes sociais. Depois de fazer um corpo a corpo no Senado, o Ministério Público Federal lançou desde quinta-feira uma série de audiências públicas pelo país. Em Brasília, a audiência teve a participação do ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, que declarou ser contrário a qualquer retrocesso no rigor das regras de proteção ambiental e defendeu a criação de uma Lei Geral sobre o licenciamento.

Sarney Filho disse que o licenciamento, como é feito hoje, enfrenta problemas tanto no Ibama como nos órgãos estaduais e municipais de meio ambiente, responsáveis por emitir a maioria das licenças. Para o ministro, os processos são demasiadamente longos e os estudos, complexos, mesmo para empreendimentos mais simples, que geralmente, garante Sarney Filho, beneficiam apenas as empresas de consultoria e expedição de condicionantes não conectadas claramente com os efeitos do empreendimento. Outros problemas são a falta de conexão entre diagnóstico, avaliação de impacto e medidas compensatórias.

— A ideia é simplificar processos sem descuidar da atenção à proteção ambiental e assegurar a segurança jurídica. Mesmo com a aprovação de uma lei como essa, deve ser mantida a prer rogativa do Conselho Nacional do Meio Ambiente de regulamentar o tema, observadas as normas gerais estabelecidas pelo legislador — disse o ministro.

Como Blairo Maggi assumiu o Ministério da Agricultura, a relatoria da PEC foi assumida por Randolfe Rodrigues, que deverá trabalhar para arquivá-la. Procurado, o autor da PEC, Acir Gurgacz, não retornou.

 

 

O globo, n. 30253, 05/06/2016. País, p. 10.