Na infraestrutura, entrave para investimentos está nos projetos

Rennan Setti e Geralda Doca

05/06/2016

 

 

BNDES terá novo papel nas privatizações, afirma Moreira Franco

 

Governo, mercado e especialistas concordam que mudar a forma como são oferecidos os projetos de infraestrutura à iniciativa privada é a chave para destravar os investimentos no Brasil. Na sexta-feira, o secretário executivo do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Moreira Franco, criticou a “tendência de a taxa de retorno (dos projetos) ser fixada pela própria autoridade”, o que motivou alguns dos fracassos no programa de concessões promovido no governo Dilma Rousseff. Analistas defendem também uma “melhoria na qualidade dos projetos”, que precisariam contar com mais garantias de longo prazo e apoio do BNDES.

‘DINHEIRO AOS MONTES LÁ FORA’

Um dos exemplos de fracassos do Programa de Investimento em Logística (PIL) é o do trecho entre Minas Gerais e Espírito Santo da Rodovia BR-262, que não encontrou interessados no leilão de 2013 devido a uma taxa de retorno estipulada pelo governo considerada baixa pelos investidores.

— No caso da infraestrutura, na minha opinião, o problema nunca foi de crédito. Foi um problema de política. Oferecer os projetos da maneira correta é importante. A gente viu no passado o governo querer arbitrar o retorno do investimento. É o mercado que deve definir isso. O cerne da questão, no passado, foi que o governo decidiu substituir o mercado no momento de decidir como seria a alocação de capital — afirexecutado ma Evandro Buccini, economista-chefe da Rio Bravo. — O governo, é claro, precisa se envolver em infraestrutura, mas o mercado só vai aplicar onde houver racionalidade.

Luis Souza, sócio-fundador do escritório Souza, Cescon, Barrieu & Flesch Advogados, concorda que capital não é o maior obstáculo:

— Os ativos brasileiros estão baratíssimos. Dinheiro há aos montes para eles lá fora. Só que, para investimento em infraestrutura, poucas coisas têm mais valor do que estabilidade institucional e jurídica. É isso que precisa ser resolvido.

Segundo Carlos Rocca, diretor do Centro de Estudos de Mercado de Capitais do Ibmec (Cemec), o primeiro passo é assegurar uma “altíssima garantia de que o projeto vai ser e o que o prazo, cumprido”.

— Além disso, você precisa transmitir para o investidor que os contratos serão respeitados em um horizonte de 20 ou 30 anos, com base em um arranjo institucional sólido — completa.

Moreira Franco reconheceu que o mercado de capitais está paralisado e admitiu que este é um dos principais desafios do governo do presidente interino, Michel Temer. Segundo o secretário, os agentes financeiros se retraíram em função da crise de confiança e, no caso das concessões, de problemas na modelagem. Os concessionários dos aeroportos, por exemplo, enfrentam dificuldades em obter empréstimos de longo prazo dos bancos, que estão recusando garantias dos sócios envolvidos na Operação Lava-Jato, da Polícia Federal. Os operadores privados, como Galeão e Guarulhos, pediram à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) para não pagar as outorgas este ano.

— Um dos grandes desafios que temos é essa questão do financiamento, em função da metodologia aplicada anteriormente, em função dos compromissos assumidos pelo BNDES nos processos de parcerias e intervenções, sobretudo na área de infraestrutura, e não cumpridos. São as consequências de uma modelagem financeira que gerou uma apreensão muito grande por parte dos agentes financeiros. O mercado está paralisado e nós temos que elaborar regras que retomem a confiança para que as operações voltem a rodar — diz Moreira Franco.

Ele ressalta que a consistência do modelo de concessão adotado pelo governo anterior está sendo analisada. A tendência é que as estatais dos setores a serem privatizados — como Infraero (aeroportos), Valec (ferrovias) e Dnit (rodovias) — fiquem fora da disputa. Os editais que estão na praça também serão alterados para atrair os investidores. Serão examinados alguns investimentos obrigatórios, como a segunda pista do aeroporto de Salvador, devido à existência de dunas, e as obras de expansão do aeroporto de Florianópolis, em função da existência de áreas de mangue. Tudo indica que esses editais retornarão ao Tribunal de Contas da União (TCU).

ABSORÇÃO DE RISCOS

Moreira disse ainda que está conversando com o BNDES para que o banco passe a coordenar e participar diretamente do processo de privatizações, não como agente financeiro, mas na área de elaboração de projetos e assessoria. Também estão sendo ouvidos dirigentes de outros bancos públicos e privados, além de investidores institucionais, como grandes fundos de pensão, nacionais e estrangeiros.

— O BNDES deve ter um papel fundamental, mas diferente. Deve, por exemplo, cobrir o que o mercado tem dificuldade, como a possibilidade de absorver o risco do período de construção — diz Rocca, do Cemec. — Caso o projeto estimule a emissão de debêntures de prazos mais longos, como 25 anos, o BNDES poderia atuar como comprador desses papéis para, depois da fase de construção, recolocá-los no mercado com custo menor, sem deságio.

 

 

O globo, n. 30253, 05/06/2016. Economia, p. 36.