Congresso recorre para dar aval a afastamentos

 
 
11/06/2016

Isabela Bonfim

Isadora Peron

 

O Senado enviou ontem um parecer ao Supremo Tribuna Federal com o entendimento de que o afastamento de qualquer parlamentar precisa ser aprovado pelo plenário da Casa legislativa respectiva, ou seja, pela Câmara ou pelo Senado. A posição com efeito retroativo pode reverter, por exemplo, o afastamento do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), aprovado pelo Supremo no dia 5 de maio.

A sugestão é que esse tipo de decisão seja referendado pelo plenário da Casa em até 24 horas. Esse já é o trâmite adotado para quando o Supremo determina a prisão de um parlamentar, como aconteceu com o senador cassado Delcídio Amaral (sem partido-MS) em novembro do ano passado. A nova interpretação, entretanto, abre espaço para que o Congresso revogue qualquer afastamento decidido pelo STF.

“É mais razoável concluir-se que o afastamento das funções parlamentares deve ser excepcional e ter por base uma das hipóteses constitucionais. Por consequente, isso quer dizer que a aplicação das medidas cautelares diversas da prisão devem ser submetidas à decisão da Casa Legislativa respectiva quando elas representarem afastamento das funções parlamentares”, diz o texto enviado Senado.

A manifestação acontece na mesma semana em que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou ao Supremo o pedido de prisão do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e do segundo vice-presidente da Casa, senador Romero Jucá (PMDB-RR).

Em resposta à divulgação do parecer, Renan divulgou uma nota para esclarecer que o documento não expressa sua opinião particular. “As manifestações da Advocacia-Geral do Senado Federal não espelham opinião do presidente da instituição”, diz a única frase da nota. O documento é assinado pelo advogado adjunto. Entretanto, o advogado-geral do Senado, Alberto Cascais, é o chefe de gabinete de Renan.

 

Aliados. O parecer do Senado foi enviado a uma ação direta de inconstitucionalidade, que tramita no Supremo e foi apresentada pelo PP, PSC e Solidariedade, partidos aliados de Cunha. O objetivo da ação é justamente questionar o afastamento do presidente da Câmara.

A ação é ainda mais ampla e pede que outras medidas cautelares também sejam submetidas à apreciação do Senado e da Câmara, como, por exemplo, o monitoramento eletrônico e as proibições de manter contato com determinada pessoa e de frequentar certos lugares. No parecer do Senado, entretanto, essas medidas cautelares contra parlamentares não precisariam ser submetidas à apreciação do Congresso.

O caso está sob a relatoria do ministro do STF Edson Fachin e, apesar da manifestação do Senado, o Supremo não precisa acatar a sugestão. Ontem, durante evento no Rio de Janeiro, o ministro do Supremo Gilmar Mendes também defendeu que é o Congresso quem tem a última palavra para deliberar sobre a prisão de parlamentares.

“Para que haja prisão, é preciso que se caracterize como um flagrante delito. Depois tem que se comunicar à Câmara ou ao Senado, se for o caso, para que deliberem sobre o tema. Claro que eles podem negar a autorização e relaxar a prisão”, afirmou Mendes. O ministro lembrou que somente no caso de condenação definitiva o Congresso não tem poder de decidir sobre a prisão de senadores ou deputados. / COLABORARAM LUCIANA NUNES LEAL e MARIANA DURÃO

 

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Garantias constitucionais

 

11/06/2016

Eloísa Machado de Almeida

 

 

A Constituição estabelece uma série de medidas de proteção aos parlamentares, como a inviolabilidade de suas opiniões, o julgamento com foro privilegiado e a vedação de prisão antes da condenação, exceto em flagrante de crime inafiançável.

Nesse caso, Câmara dos Deputados ou Senado poderão, ainda, rever a decisão de prisão em flagrante e determinar a liberdade do parlamentar. Não são garantias pessoais, mas institucionais, voltadas a proteger o exercício do mandato eleitoral e sua função pública.

Coma sistêmica crise política alimentada pela Operação Lava Jato, uma série de ações no Supremo Tribunal Federal tem alterado o alcance dessas garantias parlamentares.

Se a prisão do então senador Delcídio Amaral (sem partido-MS) faz nova interpretação sobre inafiançabilidade, a suspensão do exercício do mandato do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDBRJ), inova o tipo de controle judicial a ser exercido sobre parlamentares.

No caso de Cunha, fazendo o que o Conselho de Ética da Câmara não fez, o Supremo parece estar reafirmando que as prerrogativas constitucionais são voltadas à proteção da função pública do mandato e não podem servir de escudo para falcatruas. Porém, ao fazê-lo para além dos parâmetros constitucionais, o Supremo desequilibra a relação entre os poderes e mostra que, talvez, a Constituição tenha sido ingênua quanto à motivação pública e espírito republicano dos representantes políticos.

 

O Estado de São Paulo, n. 44797, 11/06/2016. Política, p. A5