Maranhão tenta salvar Cunha com manobra

Isabel Braga

01/06/2016

 

 

Presidente interino da Câmara faz consulta que abrir brecha para livrar deputado da perda do mandato

Opositores do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), criticaram ontem o que consideram mais uma manobra para tentar livrar o deputado do risco de ter o mandato cassado em plenário. Consulta enviada ontem pelo presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara faz questionamentos sobre as regras para a votação do processo contra Cunha em plenário, e poderá abrir uma janela para mudanças, como a apresentação de penas alternativas em plenário.

Ontem, o relator do processo contra Cunha, deputado Marcos Rogério (DEM-RO), entregou o parecer e o voto em que pede a cassação do mandato e a sessão de leitura foi marcada para hoje à tarde. A tendência é de que haja pedido de vista, adiando a votação para semana que vem.

Aliados de Cunha negam que a consulta enviada por Maranhão à CCJ seja uma manobra, e sustentam que a intenção é tirar dúvidas sobre a votação de processos por quebra de decoro parlamentar. A consulta original é de autoria do deputado Wellington Roberto (PR-PB), que integra o conselho e é um dos aliados de Cunha. Maranhão, também aliado de Cunha, recebeu a consulta e enviou-a à CCJ ontem.

No mesmo dia, o presidente da comissão, Osmar Serraglio (PMDB-PR), escolheu como relator o ex-presidente da comissão, Artur Lira (PPAL), amigo próximo de Cunha. Lira foi presidente da CCJ com o apoio de Cunha. Serraglio também foi indicado para a presidência da CCJ pela ala do PMDB que era a favor do impeachment de Dilma desde o início e teria tido as bençãos de Cunha. Serraglio nega.

A consulta faz quatro perguntas: se o que vai a votação no plenário é o relatório ou o projeto de resolução que formaliza a pena; se podem ser feitas emendas a esse projeto; se essas emendas podem ser prejudiciais ao representado; e se, em caso de rejeição do projeto de resolução, é votada a representação originalmente oferecida ao Conselho de Ética ou se ele será considerada prejudicada. As respostas benéficas a Cunha poderiam permitir a alteração de regras durante a votação no plenário, beneficiando-o.

ARAÚJO DIZ SER ALVO DE CUNHA

Pela manhã, durante o ato de entrega do relatório e voto de 84 páginas, o presidente do Conselho de Ética, José Carlos Araújo (PR-BA), acusou os aliados de Cunha de tentarem manobrar para tirá-lo da presidência do órgão. Ele fez questão de assinar, diante das câmeras, a notificação de cinco representações contra ele feitas por adversários políticos no estado na Corregedoria da Câmara. As acusações são de compra de votos e uso de laranja para compra de imóvel.

— Se a Mesa entender que as acusações são válidas, terei que me afastar do conselho por estar sendo investigado. Não vim aqui para cassar Eduardo Cunha, mas para cumprir minha obrigação. É mais uma manobra para me tirar da presidência — disse Araujo, negando as acusações feitas contra ele.

A consulta feita por Maranhão intrigou integrantes o Conselho de Ética que veem nela uma tentativa dos aliados de Cunha de tentar “castrar” o plenário, definindo regras que poderiam salvar seu mandato. Acreditam que a intenção é dizer que cabem emendas ao projeto que estipula a pena, desde que não sejam prejudiciais ao representado (Eduardo Cunha). E que, se for derrotado, não poderá ser votada a representação do PSOL e da Rede que pede a cassação do mandato.

O deputado Júlio Delgado (PSB-MG) diz que na sessão de votação do processo contra o deputado Carlos Alberto Lereia (PSDB-GO), em abril de 2014, o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) questionou o que aconteceria caso o parecer que pedia a suspensão do mandato fosse derrotado ou não obtivesse os 257 votos exigidos regimentalmente. A representação pedia a perda do mandato, mas o conselho rejeitou relatório neste sentido e aprovou a pena alternativa. Lereia era julgado por suas ligações com o bicheiro Carlinhos Cachoeira.

Henrique Alves (PMDB-RN) respondeu, então, em plenário, que se o parecer pela suspensão fosse rejeitado, seria votada imediatamente a representação que pedia a cassação.

— É mais uma manobra dos aliados de Cunha que tentam, cotidianamente, fazer com que o processo não ande. Já tem uma decisão do Henrique Alves sobre isso. Agora querem mudar para beneficiar o Cunha? Será que alguns, além de chegar com ele até a beira da cova, querem pular juntos? Ainda bem que o voto é aberto e a sociedade poderá acompanhar — diz Delgado.

O presidente da CCJ diz que indicou Artur Lira porque ele pediu a relatoria do processo primeiro e nega ter havido jogo combinado na escolha de um amigo de Cunha:

— Quem aqui não é aliado de Cunha? Ele solicitou primeiro, eu designei. Mas ele é um mero relator, isso será discutido e votado pelo plenário da CCJ. Eu quero que vote logo, senão vão dizer que estou cozinhando o processo.

Na avaliação de assessores da Câmara, a manobra pode ser arriscada, já que dependerá do entendimento da CCJ e do resultado no Conselho de Ética. No processo legislativo, destacam, o que pode ser remédio, também pode ser veneno. Os dois lados contam os votos no conselho. A saída de Fausto Pinato (PRBSP) e a entrada de Tia Eron (PRB-RJ) podem mudar o placar que era contrário a Cunha. Se perderem no Conselho, os aliados de Cunha devem tentar barrar o processo na CCJ, onde já há recursos dele questionando aspectos formais do processo. Por meio de sua assessoria, Eduardo Cunha rebateu as acusações de Araújo, que vê nas representações feitas contra ele na Corregedoria mais uma manobra de aliados de Cunha para tentar tirá-lo da presidência do Conselho de Ética.

— Estou afastado e esse ato não é meu. Assim como desconheço as razões das representações, não conheço os seus supostos adversários políticos. Ao invés de procurar culpados, deveria responder aos fatos denunciados. Quero celeridade no processo e isso não afeta em nada o andamento. Pode, quando muito, afetar a ele que terá de se explicar e responder às denúncias — disse Cunha.

 

 

O globo, n. 30249, 01/06/2016. País, p. 8.