Título: Boa intenção não debela crise mundial
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Fonte: Correio Braziliense, 07/11/2011, Economia, p. 11

O futuro da União Europeia continua tão incerto quanto depois da reunião dos líderes em outubro e da do G-20 na última semana. Saudadas como avanços, as cúpulas terminaram com "detalhes" a serem decididos posteriormente. A questão é que o desate do nó está nesses "detalhes". A estratégia coordenada não subsiste sem eles. E uma ação global é imprescindível para a estabilidade da Zona do Euro e, por tabela, do resto do mundo. Mais grave é que, por ora, os debates se concentram em torno de medidas pontuais, apenas para resolver a emergência presente. E se o atendimento de urgência atrasa, a gravidade da situação aumenta e a terapêutica posterior se complica.

O processo é sabidamente custoso. Desde o Tratado de Paris, de 1951, o continente europeu deu passos importantes na direção da união de forças, com a aproximação entre seus diversos países. Da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço aos dias de hoje, a inclusão certamente foi a marca mais forte. Na atual conjuntura, a UE se divide entre nações que adotam a mesma moeda, o euro, e outras que preferem (ou são obrigadas, por questões conjunturais) manter unidades monetárias próprias. A tendência é formatar uma conjuntura em que todos se enquadrem. Nessa cruzada, a redução das disparidades é imposição. Se o tecido apresenta pontos esgarçados, passa da hora de cerzi-los.

Deixar cada qual com seu problema não resolve a questão. Pelo contrário. Dada a interdependência de um mundo globalizado, a queda de uma peça fragiliza as demais, quando não as derruba, em efeito dominó. Exigências draconianas aos mais fracos vão nesse mesmo sentido. É o caso da Grécia. O país, há uma década no bloco, acumulou dívidas 160% maiores que a soma de suas riquezas. Ajustes fiscais certamente são necessários, mas a irresponsabilidade passada não pode ser cobrada da população com a imposição de sacrifícios ilimitados. Afinal, a estabilidade econômica prescinde da estabilidade política.

Em outubro foi decidido que, até 2020, os bancos renunciariam a 50% dos investimentos em títulos gregos, perdão estimado em 100 bilhões de euros. Como operacionalizar a medida é o "detalhe" a decidir. Na semana passada, em Cannes, sul da França, o G-20 aprovou a concessão de recursos adicionais ao Fundo Monetário Internacional (FMI), de modo a dar à instituição financeira meios de enfrentar não só a crise atual, mas também se preparar para outras que porventura surjam. O "detalhe" é que a decisão é vaga, reles pauta de mais uma reunião a ser realizada ainda no mês que vem pelo segundo escalão — os ministros de Finanças dos países que integram o fórum.

Ou seja, falta às lideranças mundiais cumprir o papel que lhes cabe e partir para o plano das ações em vez de ofertarem cartas de intenções que dificilmente sairão do papel. Outro "detalhe" é a concordância em torno de sistemas de câmbio flexíveis, que sejam determinados pelo mercado. Vamos ver se — e em que ritmo — a China deixará de manipular sua moeda.