Bradesco na mira da Zelotes

André de Souza, Gabriela Valente, Danilo Fariello e Ana Paula Ribeiro

01/06/2016

 

 

PF indicia presidente do banco, que nega ter tentado alterar decisão do tribunal da Receita

A Polícia Federal (PF) indiciou dez pessoas em inquérito que apura o envolvimento do banco Bradesco em irregularidades no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf ), órgão ligado ao Ministério da Fazenda. Entre elas aparece o próprio presidente da instituição financeira, Luiz Carlos Trabuco. A investigação faz parte da Operação Zelotes, que apura o pagamento de propina a conselheiros e ex-conselheiros do Carf por empresas interessadas em reverter multas milionárias. O relatório relativo ao Bradesco já foi encaminhado ao Ministério Público Federal (MPF) no Distrito Federal e traz indiciamentos por cinco crimes: corrupção passiva, corrupção ativa, organização criminosa, tráfico de influência e lavagem de dinheiro.

A notícia fez com que as ações preferenciais (PN, sem direito a voto) do Bradesco despencassem até 7,37% na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Os papéis terminaram o dia em queda 5%, a R$ 22,80. Como o setor bancário tem forte peso no Ibovespa, este recuou 1,01%, aos 48.471 pontos.

TRABUCO NÃO FOI OUVIDO, DIZ BANCO

Escutas da PF, reveladas no ano passado, mostram que a organização que supostamente vendia sentenças do Carf teria continuado a negociar com o Bradesco mesmo após o banco perder por seis a zero no julgamento do primeiro recurso para derrubar uma dívida de R$ 3 bilhões. O Carf é uma espécie de tribunal administrativo, ao qual os contribuintes recorrem contra multas aplicadas pela Receita. Um dia após a decisão unânime, Eduardo Cerqueira Leite — ex-chefe de Ordem e Análise Tributária da Delegacia de Instituições Financeiras de São Paulo — e Mário Pagnozzi Júnior — um advogado com contato com os bancos — procuraram uma estratégia para reverter a decisão quando o processo chegasse à Câmara Superior.

Representantes do Bradesco teriam ligado pelo menos duas vezes para o advogado assim que descobriram a derrota no Carf, mas ele não teria atendido. Em outra conversa entre os dois, Pagnozzi fala de uma estratégia para tentar reverter a decisão. A tese da defesa era usar a legislação de tributação de lucros e dividendos. O diálogo ainda mostra que teria havido contato com o presidente do Bradesco.

— Eu fiquei com eles ontem lá. Inclusive Sem envolvimento. Luiz Carlos Trabuco não participou de qualquer reunião, afirmou o Bradesco o Trabuco veio me cumprimentar. Eu (falei): preciso muito conversar com você, se precisar, eu vou ao Centro. (Perguntei) você se lembra de uma conversa que você teve lá? Ele falou assim: olha, pagamento de dividendos, alguma coisa assim pode ser que dê certo. Aí, ele falou assim: “fala para o nosso amigo (Eduardo) que nós temos interesse em contratar vocês para fazer isso” — contou Pagnozzi a Eduardo, segundo a ligação interceptada pela PF.

A investigação mostra que, em 9 de outubro de 2014, Eduardo foi levado à sede do banco, em Osasco, na Grande São Paulo, com o conselheiro do Carf Jorge Victor Rodrigues e o ex-superintendente regional da Receita Jefferson Ribeiro Salazar, em uma reunião com a cúpula do Bradesco. Segundo o levantamento dos agentes, estiveram na reunião três vicepresidentes do banco. Durante a conversa, o próprio presidente, tratado pelos investigados de “Trabu”, teria passado brevemente pela reunião. Num dos áudios, integrantes da suposta organização defendiam que se o banco “tomasse pau” no julgamento seria bom para que os serviços do grupo fossem contratados.

Em nota, o Bradesco negou ter contratado os serviços oferecidos pelo grupo investigado na Operação Zelotes. “O Bradesco informa que não houve contratação dos serviços oferecidos pelo grupo investigado. Acrescenta que foi derrotado por seis votos a zero no julgamento do Carf. O Bradesco esclarece ainda que o presidente da instituição, Luiz Carlos Trabuco Cappi, não participou de qualquer reunião com o grupo citado”, diz a instituição financeira enviada à imprensa.

Segundo o banco, o julgamento no Carf refere-se a uma ação vencida pelo Bradesco que questionava a cobrança adicional de PIS/Cofins. Após a tramitação dessa ação em todas as instâncias, a Procuradoria da Fazenda recorreu ao Carf, onde reverteu a decisão por seis votos a zero. “O Bradesco irá apresentar seus argumentos juridicamente por meio do seu corpo de advogados”, conclui o banco no comunicado.

Em outra nota, enviada à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o banco volta a negar o envolvimento com o esquema apurado pela Zelotes e conta que dois diretores do banco já prestaram depoimentos à PF. Eles relataram ter sido procurados por um escritório de assessoria financeira que se ofereceu para fazer a defesa no caso avaliado pelo Carf, mas nenhum contrato foi fechado. “Desses contatos não se efetivou qualquer proposta, contratação ou pagamento, mesmo porque a pendência fiscal já se encontrava sob o patrocínio de renomados tributaristas”, explicou a nota.

O banco acrescenta que foi surpreendido pelo indiciamento, uma vez que os dois diretores já haviam prestado depoimento como testemunhas para esclarecer o caso e que Trabuco não foi ouvido em momento algum e não participou da reunião com os representantes desse escritório. “A companhia informa que jamais prometeu, ofereceu ou deu vantagem indevida a quaisquer pessoas, inclusive a funcionários públicos, para encaminhamento de assuntos fiscais ou de qualquer outra natureza.”

INQUÉRITO SIGILOSO

A queda dos papéis do Bradesco arrastou as ações de Itaú Unibanco, que recuaram 2,18%. No mercado de câmbio, o ambiente político e a alta de 0,4% da renda do trabalhador americano em abril puxaram o dólar. A moeda americana fechou cotada a R$ 3,614, com valorização de 0,97%. Em maio, a divisa acumulou alta de 5,1%.

A CPI do Carf no Senado, encerrada em dezembro do ano passado, aprovou o relatório da senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB), com o pedido de indiciamento de 28 pessoas. Entre elas Jorge Victor, Jefferson Ribeiro Salazar, Eduardo Leite, Pagnozzi e mais duas pessoas apontadas como tendo envolvimento no caso Bradesco.

O inquérito da PF sobre o banco é sigiloso. MPF e PF costumam responsabilizar os executivos das empresas e conselheiros e ex-conselheiros do Carf, além de escritórios de advocacia e empresas de consultoria que fazem a ponte entre os dois lados.

 

Números

 

5%

DE QUEDA

Registrada pelas ações PN do Brasdesco

 

1,O1

POR CENTO

Foi o recuo do Ibovespa ontem, puxado pelas perdas dos bancos

 

3,614

REAIS

Foi a cotação do dólar, uma alta de 0,97% ante a divisa brasileira

 

 

O globo, n. 30249, 01/06/2016. Economia, p. 19.