Proteção Menor

Geralda Doca e Priscilla Aguiar Litwak 

06/06/2016

 

 

Mudança no seguro-desemprego permite economia de R$ 880 milhões. Auxílios caem em 426 mil. 

-BRASÍLIA E RIO- O Brasil tem atualmente 11,4 milhões de desempregados, o maior número desde 2012. Mesmo assim, o governo conseguiu economizar R$ 880 milhões com o pagamento do seguro-desemprego. De janeiro a abril deste ano, 2,4 milhões de demitidos sem justa causa receberam o benefício, 426 mil a menos que os 2,8 milhões do início de 2014, quando as regras para requerer o seguro eram mais flexíveis. A recessão não evitou que o governo, no início do ano passado, tornasse mais difícil conseguir o benefício, para ajudar a equilibrar as contas públicas. Só tem direito ao auxílio o demitido que trabalhou 12 meses no mesmo emprego. Antes, bastavam seis meses. Segundo o Ministério do Trabalho, a parcela de demitidos com direito ao seguro caiu de 75% para 65% depois que as regras mudaram. Ao focar a restrição na primeira solicitação do seguro, o governo atingiu em cheio a principal clientela do programa, estimada em 60% do total.

— Isso agrava o desespero das pessoas que estão sem colocação no mercado. É uma incoerência, porque o seguro-desemprego existe exatamente para amparar os trabalhadores no momento da demissão — disse o especialista Rodolfo Torelly, do site Trabalho Hoje.

Além de mais restrito, o trabalhador enfrenta uma gincana para solicitar o benefício. Desde a marcação de horário para ser atendido até exigências de documentos. Se não requerer o seguro em 120 dias, o trabalhador perde o direito. O profissional de marketing Rui Fernandes, de 31 anos, trabalhou durante quatro anos na mesma empresa e foi desligado há quase quatro meses. A primeira dificuldade foi sacar o FGTS, que demorou mais de dois meses, e agora o desafio era encaminhar o pedido do auxílio desemprego. Segundo Fernandes, o site do Ministério do Trabalho, onde é feito o agendamento, só é atualizado a cada 24 horas, ou seja, aparecem horários de atendimento que já foram preenchidos. Só é possível marcar para os próximos 14 dias.

Faltando apenas 12 dias para o fim do prazo para entrar com a solicitação, na sexta-feira Fernandes foi, pela segunda, vez ao Centro de Trabalho e Renda, no Centro do Rio, solicitar o benefício. Na primeira vez, faltou um documento:

— O problema maior é não poder marcar para qualquer dia. E sempre falta alguma documentação. Esse prazo é muito curto e demora muito para conseguir atendimento. Mas, felizmente, no fim deu tudo certo. No limite, mas consegui.

Em 2015, o número de beneficiários caiu 771,4 mil em relação a 2014, e pode superar queda de 1,2 milhão neste ano, na estimativa de especialistas, diante do salto na taxa de desemprego. Ela pulou de 8% no trimestre encerrado em abril de 2015 para 11,2% no mesmo período deste ano, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE. Pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), já foram demitidos 1,8 milhão de trabalhadores nos últimos 12 meses até abril.

MENOS 1,6 MILHÃO APTO A RECEBER AUXÍLIO

O universo de beneficiários encolheu também em 2016, em relação ao ano passado, quando as regras eram as mesmas. Entre janeiro e abril deste ano, o número de segurados caiu 323 mil, na comparação com o primeiro quadrimestre de 2015. As despesas com o benefício recuaram 2,7%, para R$ 11,3 bilhões. Na avaliação do ministério, o impacto do corte no benefício nas contas públicas está sendo reduzido pelo aumento das demissões e por serem demitidos trabalhadores com mais tempo de casa, aptos a pedir o auxílio.

É o caso da técnica de enfermagem Vanessa Jesus, de 29 anos, que trabalhava há um ano e meio e está desempregada há três semanas. Mesmo apta, não conseguiu o benefício. Na última sextafeira, foi pela segunda vez ao Centro de Trabalho e Renda. E terá de ir novamente. Descobriu que a empresa em que trabalhava escreveu seu nome de solteira na rescisão. Na carteira de identidade, o nome é o de casada. Ela agora terá de pedir correção no documento entregue pela empresa:

— As pessoas me aconselhavam a entrar no site de madrugada ou no início da manhã para conseguir agendar, mas nunca consegui. Por telefone, também não conseguia. Eu não quero depender desse auxílio, eu quero conseguir outro emprego. Mas eles nos obrigam a perder muito tempo com isso. Tempo que poderia gastar enviando currículos. Já é um momento difícil, e esse sistema aumenta a nossa dificuldade.

As regras também ficaram mais restritivas para se requerer o benefício pela segunda vez. São necessários nove meses na mesma empresa. Na terceira vez, voltam a ser seis meses.

Com base no banco de dados do Ministério do Trabalho (Caged), Torelly estima que, este ano, um universo entre 1,2 milhão e 1,6 milhão não terá acesso ao seguro-desemprego. A estimativa considera que 19,5% dos demitidos sem justa causa têm tempo médio de emprego entre seis meses e 11,9 meses, ou seja, estariam fora do seguro no primeiro pedido. Esses desempregados são jovens (25%), homens (64%), têm ensino médio completo (52%), e os salários variam entre um e um e meio salário mínimo.

Torelly observou que, com a queda na rotatividade, reflexo do encolhimento do mercado de trabalho, a oferta de vagas é limitada, o que dificulta conseguir recolocação. Os dados oficiais revelam que o estoque de assalariados com carteira assinada caiu de 41,1 milhões, em abril de 2014, para 39,3 milhões no mesmo período deste ano.

Para sindicalistas, a medida retirou dinheiro dos trabalhadores em uma situação adversa do mercado de trabalho, com corte maciço de vagas e inflação alta, o que corrói a renda familiar. E não resolveu o problema das contas públicas.

— Após um ano da mudança, podemos confirmar tudo o que falávamos na época, pois tudo indicava que o desemprego iria aumentar — afirmou Sérgio Leite, representante da Força Sindical no Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), responsável por seguro-desemprego e abono salarial (PIS/Pasep).

Quintino Severo, representante da CUT no colegiado, alerta para as consequências sociais da medida quando o país está em recessão:

— O impacto social da economia que o governo está fazendo é muito grave.

Especialistas lembram que o seguro-desemprego era um direito certo dos trabalhadores até 1988, quando existia o Fundo do PIS/Pasep, em que os trabalhadores tinham contas individuais, como ocorre com o FGTS. Com a Constituição, as receitas arrecadadas com as duas contribuições migraram para o FAT, que, apesar de deficitário, tem um patrimônio de R$ 250 bilhões, aplicados, em sua maior parte, no BNDES.

O diretor do Departamento de Emprego e Salário do ministério, Márcio Borges, disse que o ajuste nas regras do benefício era necessário, porque o auxílio acabou sendo facilitado ao longo dos anos — o que abria brechas para fraudes. Ele disse que a pasta recebia cobrança dos órgãos de controle. Um dos objetivos, ressaltou, foi assegurar o seguro aos trabalhadores que, de fato, têm direito a ele:

— É importante destacar que as regras não foram alteradas para os trabalhadores mais velhos e com mais tempo no emprego.

No entanto, poucos passam incólumes pela burocracia do sistema. O vigilante Marcelo Gonçalves, de 45 anos, não teve dificuldade para agendar o atendimento. Mas teve problema com a documentação.

— Consegui agendar para duas semanas depois, sem problemas. A dificuldade que estou tendo agora é com a documentação. Parece que a empresa deixou de colocar alguma informação que era necessária. Agora estou esperando, mas talvez eu tenha que voltar.

GOVERNO LIBERA 38 MIL PEDIDOS RETIDOS

Pressionado, o ministério decidiu criar uma força-tarefa para acelerar a análise dos recursos dos trabalhadores que não conseguiram o benefício devido a problemas nos dados pessoais. Segundo Borges, do ministério, a partir do próximo 13, o benefício será liberado, com as respectivas datas de pagamento. Cerca de 40 mil trabalhadores estão à espera.

As queixas dos trabalhadores aumentaram a partir de 20 de maio, quando o ministério passou a cruzar os dados do requerente com o cadastro da Caixa Econômica Federal. Se os dados não batem, o trabalhador precisa entrar com recurso. A análise pode levar meses. Em outra situação, se o trabalhador tiver uma empresa, a solicitação também é recusada, e o interessado também precisa entrar com recurso no ministério para comprovar que não tem outra fonte de renda. Há 38.389 esperando resposta a recursos.

— Estamos uniformizando a base da dados. A intenção é inibir fraudes — disse Borges

Segundo ele, a Caixa está participando da força-tarefa para acelerar o cruzamento de dados, usando números do próprio sistema. O ministério decidiu atender o pedido de quem tem empresa, desde que o interessado prove que ela está inativa ou que os dados foram usados indevidamente. Quem entrou com recurso pode acessar o site do ministério a partir do dia 13 ou ligar para o telefone 158.

“Isso agrava o desespero das pessoas. É uma incoerência, porque o seguro existe para amparar os trabalhadores”.